Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Repórter da Folha, que viaja 36 dias pelo Brasil, passa pelo Desemboque

Edição nº 1501 - 22 Janeiro de 2016

Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 10/01/16, sob o título, 'De  Algum Lugar do Brasil', assinada pelo repórter fotográfico, Joel Silva, mineiro de Itaú de Minas, relata uma viagem de 5.089 Km feita pelo repórter para dar uma pausa no trabalho e arejar a mente. E não é que ele chegou ao Desemboque. Claro, através do Prof. Carlos Alberto Cerchi.
“- Durante 36 dias vivi na estrada. Saí de São Paulo rumo ao Chuí e, de lá, na fronteira com o Uruguai, parti de carona pelo Brasil. Após 21 anos de jornalismo diário, precisava dar um tempo, respirar e me perder país adentro. Percorri 5.089 km. Foram 31 caronas, sob sol e chuva. Tomei banho em rios e em postos de gasolina, acampei em fazendas, na beira de estradas e, principalmente, tive a ajuda de desconhecidos. Sem nenhum tipo de planejamento, fui para o ponto mais ao sul do país em 14 de setembro.
Carregava nas costas uma mochila com 19 kg com itens de sobrevivência. Sempre que possível de carona, viajei, em média, 140 km por dia. Passei por 10 rodovias federais, 28 estaduais e outras 4 vicinais. A rota foi sempre resultado do acaso. Segui só uma regra: evitar cidades grandes e conhecer o máximo possível de lugares e pessoas com histórias para contar. De preferência, diferentes das que vivi ao longo do tempo em que fotografei guerras, desastres naturais e violência urbana.
Nesse caminho, fiz amizades, convivi com caminhoneiros, motoristas, vendedores, frentistas, andarilhos e peões. Às vezes demorava para aparecer, mas todos os dias consegui algum auxílio. Comida, lugar para dormir, para tomar banho e caronas não faltaram. Cheguei a esses lugares sempre levado pela curiosidade, indicação e insistência de quem me deu carona.
A maioria de suas  experiências foi registrada no blog “MALUCO de BR: Andanças pelas estradas do país”, ricamente ilustrado.


Berto Cerchi dá carona a repórter até o Desemboque

No blog está o registro da passagem por Sacramento, o encontro com o Prof. Carlos Alberto Cerchi e a visita ao Desemboque, no dia 5/10/15. O relato do repórter intitulado, Vinte e sete habitantes em Desemboque, diz:
“Homens de extrema bravura, desterrados do seu próprio mundo, fundaram no sertão da farinha podre em 1743 a capela de Nossa Senhora do Desterro, dando início ao povoado de Desemboque, marco inicial da colonização do Brasil central.” É esta frase, de Hidelbrando Pontes, escrita em um grande muro logo na entrada, que recepciona os visitantes. No fim da tarde do dia 5 de outubro, eu desembarquei no arraial do Desemboque (MG), uma pequena vila encravada nas montanhas do sul de Minas Gerais, no distrito de Sacramento, terra do ator Lima Duarte e que tem como filha ilustre, a primeira escritora negra do Brasil, Carolina Maria de Jesus.
Depois de ficar por dois dias em Sacramento, já que o ônibus só sai a cada dois dias, e onde tive de gastar R$ 90 em hospedagem e comida no centenário hotel da cidade, consegui uma carona.
Ela veio com o professor Carlos Alberto Cerchi, 65, historiador e profundo conhecedor da história do arraial, junto com sua esposa, Maria de Fátima Archanjo, 44, e seu bebê Olga, de dois meses.
Os ponteiros do relógio em Desemboque parecem girar lentamente: a cidade não parou no tempo, mas se recusa a correr, e a vida segue em outro tempo. 'Aqui somos donos do nosso tempo', diz Maria de Fátima, uma paulistana que adotou a região.
E de fato é. Ao andar pela 'currutela', como eles mesmos definem, encontramos o sr. José de Moura. Carlos me orienta que ali não se deve  cumprimentar de longe. É preciso chegar perto para conversar, e eles não gostam de falar alto. O cumprimento de mãos também não segue os nossos padrões, a mão é levantada e não se aperta, apenas encosta.
José Moura, que morava em fazenda ali perto, foi forçado a viver no Desemboque após uma bronquite. Ele não reclama, mas sente falta da fazenda, onde diz que é mais sossegado.
Ao descer um pouco mais pela vila, encontramos o sr. José Renato. Pergunto então se ele tem ideia de quantas pessoas moram ali e ele, sem sair do lugar, faz um rápido senso. “Deixa eu ver, do lado de cá tem, 1, 2, 3.. e depois do lado de lá tem 25, 26, 27…”, e conclui com precisão, 27 pessoas.
Desemboque tem duas igrejas, uma fica bem na entrada, e é a dos negros, Na. Sra. do Rosário - apesar de não existir um único negro no pequeno vilarejo. A dos brancos, Na. Sra. do Desterro, fica a cerca de 300 metros mais abaixo. Bem na frente há um cemitério onde existem túmulos de 1.893 e, segundo as histórias, somente brancos eram enterrados ali.
À noite, recebo no acampamento que montei bem no meio do arraial a visita do morador Lázaro Francisco de Paula, 70, que estranhou o movimento da barraca e foi verificar de perto o que era. Depois de me apresentar ele esticou sua mão e apenas encostou na minha, como é o habito local.
Ele conta que só saiu de Desemboque uma única vez na vida e que não ficou fora mais que 11 meses, pois não aguentou a agitação da cidade grande. Eu então perguntei onde ele morou: “Sacramento”, disse ele, uma cidade  que tem menos de 25 mil habitantes e é bastante pacata.
Segundo o historiador Carlos, que dá aulas de Biologia, Desemboque foi uma resistência de índios e negros a colonização. Somente depois de 1743 eles foram vencidos, abrindo a porta de entrada da colonização do Brasil central.
Desemboque tem 27 habitantes, duas igrejas, 15 cachorros e muitas histórias.”

 

Perfil de Joel Silva

Formado em fotografia pela escola de artes Bauhaus em 1994, Joel Silva começou a trabalhar neste mesmo ano como fotojornalista na Folha.
Cobriu a revolta da Primavera Árabe na Líbia, o massacre que vitimou mais de 800 pessoas no Cairo (Egito), onde foi atingido de raspão na cabeça por um tiro.
Esteve no Golpe Militar em Honduras na América Central, acampou com os guerrilheiros das Farc, (Forças Armadas Revolucionarias  da Colômbia), cobriu a ocupação do Exército no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro e foi correspondente fotográfico da Folha no Oriente Médio.
Seus trabalhos na cobertura da Primavera Árabe foram publicados nos principais jornais do mundo, como “The New York Times”, “Washington Post”, “Le Monde”, “El País”, “The Independent” e nas revistas “Time” e “Life”.
Ganhou cinco prêmios de direitos Humanos, o Every Human Has Rights, concedido pela ONU, em comemoração dos 60 anos dos direitos Humanos; Wladmir Herzog; Anamatra;  AMB e  Dom Helder. (Fonte: malucodebr.blogfolha.uol.com.br/)