José do Carmo Martins, mais conhecido como Carmo do Cerea ou Tio Carmo, morreu aos 86 anos, na manhã dessa terça-feira 6, no Hospital da Escola (UFTM) em Uberaba, onde estava internado desde o dia 1º de outubro. Há alguns anos, José do Carmo vinha apresentando problemas de saúde, até em decorrência da idade. Embora nos documentos registre 86 anos, a esposa Maria Benedita, de mais de 50 anos de união, afirma que ele teria mais de 90.
“Ele tem de 90 anos pra mais. Antigamente os pais não registravam os filhos, era só quando iam casar. E assim aconteceu com ele, foi batizado e registrado já adulto, quando nos casamos, e ele não era novinho não”. Somando-se ainda as árduas lutas nas fazendas e outras lidas é natural que o corpo se curve.
De acordo com o filho, José Aparecido Martins, há pouco mais de um ano seu quadro clínico veio se agravando. “Cada dia aparecia uma doença nova, até que apareceu uma hérnia, uma úlcera no estômago e, por fim, uma trombose abdominal, ele sentia muitas dores. Cirurgia era arriscado, mas mesmo assim ficamos aguardando a vaga, o que era muito difícil pela idade. E ele foi seguindo o tratamento. Chegou-se até a suspeitar de um câncer, mas graças a Deus não era”, explica o filho.
Para agravar o quadro, José do Carmo levou um tombo e sofreu uma fratura no fêmur. “Papai, apesar de doente, não parava, ele não conseguia ficar quieto. No domingo (27/9), por volta das 6h30 da manhã, ele levantou e levou um tombo. Mamãe e meu sobrinho, que fazia companhia para eles, estavam dormindo (...) Ele foi levado para a Santa Casa, onde permaneceu até a quinta feira, aguardando vaga para fazer a cirurgia na perna. Marcaram a cirurgia para o sábado, mas como ele estava muito fraco, adiaram essa segunda-feira 5. Ele chegou a ser levado para o centro cirúrgico às 8h, mas como o coração estava muito fraco, voltou para o quarto. Fizeram os procedimentos e ele deu uma melhorada. Meu irmã foi para o Hospital da UFTM pra revezar e eu retornei para Sacramento, já à noite, quando foi 5h40 da manhã, meu irmão ligou...”
O Corpo de José do Carmo foi trasladado para Sacramento e velado na Capela de São Geraldo, cujo terreno, ao lado, foi doado pelos seus sogros, Colode e José Carreiro, e com isso ele foi à luta na preparação da área para construir um barracãozinho, que serviu de capela durante muitos anos.
O prefeito Wesley De Santi de Melo decretou luto oficial de três dias e seu corpo foi coberto pela bandeira do município e de várias outras entidades que estiveram presentes, Cerea, Guarda de São Bnedito, Congada e Moçambique, Associação das Folias de Reis e, fechando os tributos, a Companhia de Santos Reis Nova Estrela, que havia feito sua última cantoria em maio de 2019, reuniu-se para despedir-se de seu Capitão. Após as exéquias proferidas por padre Antonio Calos Santos, foi sepultado no Cemitério São Francisco de Assis.
José do Carmo: o marido, o pai, o avô, o companheiro
Filho de João Quintino Martins e Francisca Luiza de Jesus nasceu no povoado do Bananal, conforme o registro, no dia 19 de março de 1934. E, desde cedo, conheceu a fé católica e a devoção aos Santos Reis por intermédio de sua mãe, que era rezadeira. Estudos na infância não houve. Na verdade José do Carmo aprendeu a ler e escrever na década de 1970, no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização).
Profissionalmente, fez de tudo um pouco, desde candeeiro (pessoa que vai à frente do carro-de-boi), às lides rurais, nas lavouras de café no Estado de São Paulo, dentre outras como ordenhador e servidor público a partir de 1981, trabalhando na limpeza até se aposentar.
José do Carmo casou-se com Maria Benedita, mãe de dois filhos da primeira, e criou-os como seus: António Inácio e José Eurípedes (in memorian ) e vieram mais quatro para completar a família: José Aparecido, Maria Aparecida Martins, Maria das Graças e Lázaro Aparecido. E a família cresceu ainda mais com os genros, noras, 18 netos e 13 bisnetos.
Para o filho José Aparecido, José do Carmo foi exemplo de luta pela vida e deixa um legado muito grande. “Temos muitas e só coisas boas para lembrar dele. Além de pai, ele era amigo, companheiro, nos ensinou muito e nos deixa um grande exemplo de fé e esperança. Ele sempre tinha Deus e Nossa Senhora na frente, por mais difícil que fossem as coisa, nunca o vi reclamar”.
Maria Benedita lembra que Carmo era a paciência em pessoa. “Falava baixinho, era o 'pai da paciência', tinha muita sabedoria e era um homem de muita fé...”. José do Carmo, que teve problema com o álcool, há muitos anos venceu a bebida e se tornou referência no Cerea, frequentando as reuniões enquanto pôde, dando o seu testemunho de vida e recuperação.
José do Carmo era um guardião da história...
Sacramento e vários segmentos ficam órfãos. José do Carmo era o guardião das histórias das Folias de Santos Reis, do Congado, do Moçambique, do Cerea, da Irmandade do Santíssimo, do seu bairro São Geraldo, onde era o 'Ti Carmo', respeitado e ouvido por todos.
Na Folia de Santos Reis começou aos 10 anos de idade, participando da Embaixada dos Santos Reis, do capitão Agenor Rufino na região das Palmeiras e nunca mais parou. Depois de aprender com os capitães as passagens bíblicas, foi convidado para ser o capitão. Mesmo sem saber ler e escrever, aceitou o convite e passou a fazer os versos e entoar as rezas da folia com muita devoção. Os instrumentos, caixa, pandeiro, cavaquinho e violão, aprendeu observando os demais foliões tocar.
Já no Cerea, passou a fazer parte da Companhia de Santos Reis Nova Estrela (conhecida como a Folia do Cerea), fundada pelo cereano Agustinho Rosa Brás, da qual, há muitos anos era Capitão e a comandou até maio de 2019, quando houve a última cantoria. José do Carmo, o grande guardião da tradição dos Santos Reis em Sacramento, além de Capitão, era membro ativo da Associação do Santuário de Santos Reis.
No Congado e Moçambique, José do Carmo começou ainda criança, cantando pra Nossa Senhora do Rosário com o José Santana, um dos grandes congadeiros de Sacramento. Durante um tempo as festas acabaram e foram resgatadas com Divino Inácio e Vó Tonha Rainha Antônia Maria de Jesus) e outros, dentre eles, lá estava José do Carmo, que se tornou o mais longevo capitão moçambiqueiro da cidade e que deixa um grande legado para a atual e as futuras gerações.
No bairro São Geraldo, onde residiu por muitos e muitos anos, José do Carmo foi um líder nas rezas e nas melhorias do bairro, com o apoio e ajuda das vicentinas da Conferência Santa Madre Cabrine, Blandina Maria Alves, Messias Guilhermina Gomes, Júlia Mateus Terra, Sônia Maria Borges, dentre outras, que, juntamente com os missionários redentoristas, Pe. Júlio Negrizzolo (1970/1972 e 1975/1978), Pe. Sebastião Reis (1981) e seminaristas, quando então o bairro ganhou o nome de São Geraldo, melhorias nas residências e a construção do primeiro barracão que se tornou a Igrejinha de São Geraldo, que hoje é a imponente capela inaugurada.
As terras onde está a capela pertenciam a Claudemira Vicência de Araújo (Colode) e José Francisco (José Carreiro), pais de Maria Benedita, esposa de José do Carmo e com isso ele foi à luta na preparação da área que ganhou o barracãozinho que serviu de capela durante muitos anos. Por ocasião da inauguração da Capela no ano passado, José do Carmo em entrevista ao ET, recordou:
“Divino Inácio era meu braço direito no trabalho aqui. A gente tirava água da cisterna lá de casa, carregava até aqui pra fazer o adobe, pra levantar a capelinha. Era uma dificuldade. Foi quando as vicentinas começaram uma campanha para conseguir o material, tijolos, areia, cascalho. E assim nasceu o Salão Comunitário, que depois virou Capela...”, disse.
Após a inauguração da bela capela disse ao ET com os olhos lacrimejando: “Graças a Deus, eu pude ver a nossa igrejinha pronta, fiquei satisfeito demais. É muita felicidade”.
Por tudo o que representa para Sacramento, José do Carmo foi um dos homenageados pela Câmara Municipal, na festa dos 300 anos de Zumbi, em 1995, por indicação do saudoso vereador Heliodoro Garcia de Rezende e, em 2011, recebeu a maior honraria do Município, a Comenda de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento em 1º/9/2011 (decreto nº 213), outorgada pelo prefeito Wesley De Santi de Melo.
Este é um pequeno resumo da vida e atuação de José do Carmo, cuja história daria um livro...