Ármilon Ribeiro de Mello, neto de Jovino Gonçalves de Araújo e Leopoldina Geovana de Araújo, conta que, em meados de 1990, alguns descendentes decidiriam reunir a família e dar uma destinação à comunidade de Santa Maria, sobretudo ao Casarão. “Mas não chegamos a um acordo, cada um queria uma coisa, queriam saber quem iria administrar a propriedade, quem iria morar no Casarão... Foi quando alguém sugeriu fazermos um museu e a ideia foi acatada por todos. Aí nasceu o Instituto Cultural Leopoldina Geovana de Araújo”, revelou Ármilon.
Em cada canto de Santa Maria respira-se paz, serenidade e história. Da bela sesmaria que nasceu com uma capela dedicada à Santa Maria, no início do século XIX, ao patrimônio dos herdeiros daquelas terras, hoje transformadas em instituições de ajuda ao próximo. Em Santa Maria, cada lugar leva o nome de um antepassado, é a história viva da comunidade, que se tornou também o berço do Espiritismo em Sacramento.
Ármilon Ribeiro de Mello, um dos 70 associados fundadores do Instituto Cultural Leopoldina Geovanna de Araújo, que na sua simplicidade se define como um mero 'papagaio do grupo', com sua memória fantástica, recordou com o ET a narrativa da terra, que começa anos antes da fundação de Sacramento.
Santa Maria era uma sesmaria doada ao Pe. Antônio Alves Portela Domiense de Araújo, pelo irmão, Cônego Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswick, encarregado por Dom João VI, de demarcar as sesmarias de todo o Sertão da Farinha Podre, atual Triângulo Mineiro, entre elas a de Santa Maria. Isso entre 1812 a 1816.
Em bela clareira no meio da selva, onde o Cgo. Hermógenes encontrou um cruzeiro e um altar com a imagem da Virgem Maria, por ocasião da demarcação da sesmaria, foi construída por Pe. Antônio, em 1827, uma capelinha rural de pau a pique, com um oratório dedicado a Santa Maria, tendo ao lado um cruzeiro, o que levou o Cônego a dar o nome à sesmaria de Santa Maria. “O cruzeiro, altar e imagem de Maria Santíssima foram deixados pelos bandeirantes, que ali acampavam quando se dirigiam ao Desemboque, anos antes, em busca de ouro e pedras preciosas até o ano de 1792, mais ou menos”, conta Ármilon.
A capelinha, destruída pelo tempo, só foi reconstruída no início deste século pela família no mesmo local e dentro das mesmas características coloniais. De acordo com a história, esse foi o primeiro templo religioso da região, denominado pelos bandeirantes de Oratório de Santa Maria.
Padre Antônio Portela passou a administrar a comunidade e contava com dezenas de escravos nos trabalhos da propriedade. O sacerdote teve com uma escrava um filho, Joaquim Gonçalves de São Roque, Capitão São Roque, que se casou com Anna Petronilho de Araújo (vó Aninha), filha de Clemente José de Araújo, irmão de Cônego Hermógenes e de Pe. Antônio Alves Portela, e irmã de Hermógenes Cassimiro de Araújo Sobrinho, avô de Eurípedes Barsanulpho. E deles nasceram vários filhos, dentre eles Jovino Gonçalves Araújo, avô de Armilon.
Em Santa Maria, Capitão São Roque, que foi vereador em Sacramento entre 1873/1877, criou uma comunidade próspera. Sendo ele parente de escravos, protegia-os e permitia que tanto eles quanto os parentes de sua mulher, Vó Aninha, construíssem pequenas casas de pau a pique cobertas de sapé e chão batido e vivessem na comunidade, que se tornou unida, fraterna e cooperativa. Ali, negros e brancos unidos prestavam serviços uns aos outros.
Os filhos do capitão São Roque e seus netos aprenderam a tratar os descendentes de escravos como parentes. E foram eles que construíram o Casarão onde funciona hoje o Instituto Cultural que leva o nome de Leopoldina Geovana de Araújo, a vó Gorda, esposa de Jovino, avós da atual geração. Foram dez anos de trabalho artesanal, com alicerce de pedra tapiocanga e madeira aroeira, que resistem ao tempo e à história. A antiga cocheira, com seus mourões de aroeira, é hoje um salão de reuniões e oficinas.
Na sala principal do Casarão há um oratório dedicado a Na. Sra. do Desterro. Diz a história que foi construída para receber a visita do padre, que por ali passava uma vez por mês para as celebrações dos ofícios religiosos.
O Espiritismo chegou à comunidade através de Mariano Ferreira da Cunha Jr., Sinhô Mariano, casado com Herondina Dijanira de Almeida, neta do capitão São Roque e filha de Joaquim Gonçalves de Araújo e de Maria Esméria de Almeida. Em segundas núpcias, Sinhô Mariano casou-se com Cândida Rosa da Silveira, avó de Eurípedes Barsanulpho.
Ao chegar a Santa Maria, Sinhô Mariano, logo percebeu que, fenômenos até então inexplicáveis, passaram a surgir em todos os casebres da comunidade rural. Sinhô Mariano, que tinha trabalhado como Contador prático com Frederico Peiró, em Paineiras, hoje Peirópolis, presenciara a conversão de Frederico Peiró ao Espiritismo.
Diante dos fenômenos surgidos em Santa Maria, Sinhô Mariano procurou por Peiró que visitou o local e sugeriu que se fizessem reuniões entre os moradores, para que as entidades espirituais pudessem explicar quais seriam as atribuições a serem desenvolvidas na comunidade, pois em vez de ser coisa do diabo (como pensavam), poderia ser coisa de Deus.
A partir daí, Sinhô Mariano passou a liderar o movimento que visava inicialmente à descoberta das causas de tais fenômenos. Ele próprio fundou em 28/08/1900 o Centro Espírita Fé e Amor, cuja sede foi construída em 1920. O centro encontra-se em atividade até os dias atuais, tornando-se um dos locais de visitação na comunidade.
Tudo começou com a criação do Instituto Cultural
O Instituto Cultural Leopoldina Geovana de Araújo foi fundado em 29 de novembro de 1997, com sede no Casarão, que é também um museu. “O instituto tem a finalidade de preservar a história de Santa Maria, estimular o desenvolvimento de atividades culturais, profissionalizantes e artísticas a todos, sem distinção. Seu objetivo religioso está no dever de expressar observância aos ensinamentos da doutrina Espírita Kardercista, preservando fatos históricos, bem como a relevância de ser o berço dessa doutrina de todo o Brasil Central”, explica.
De acordo com Ármilon, através das decisões tomadas no Instituto Cultural, outros investimentos vêm sendo feitos no lugar, tais como a doação da área para a construção da Casa Assistencial Dr. Bezerra de Menezes, idealizada e construída graças ao trabalho de Heigorina Cunha, com uma finalidade muito generosa: o tratamento de pessoas portadoras de necessidades especiais.
Trata-se de uma bela construção bem no centro da comunidade. A Casa conta com sala de recepção, sala de reuniões, consultórios, farmácia e sanitários, ala de fisioterapia, toda ala de piso antiderrapante, onde estão as salas para atividades fisioterápicas, banheiros próprios para receber pessoas com necessidades físicas (barras de apoio, portas amplas, etc), duas piscinas aquecidas, uma para crianças, outra para adultos, um amplo refeitório, cozinha industrial e lavanderia, tudo totalmente equipado. A Casa é servida por 32 leitos, em amplos quartos com as mais modernas camas hospitalares, amplos banheiros, todos adequados para todo tipo de pacientes, recepção, sala de visitas, sala de médicos e consultórios.
Em outra área doada pelo Instituto Cultural Leopoldina Geovana de Araújo está sendo construído um Observatório de Astronomia por um grupo de professores e discípulos de Dr. Thomaz Novelino. Liderados pelo Prof. Carlos Alberto Poggetti, ex-professor de Astronomia do Educandário Pestalozzi, de Franca, e professor da Unifran, o grupo fundou uma associação de ensino para administrar a obra. “Como a Heigorina foi a idealizadora e liderou a construção da Casa Assistencial Dr Bezerra de Menezes, o confrade religioso, professor Poggetti, é o idealizador e a pessoa que lidera a construção do Observatório de Astronomia”, esclareceu Ármilon.
Ainda na área do Instituto foi construída uma Cozinha piloto, que tem, segundo Ármilon, três objetivos: a) Fornecer lanches, gratuitamente, as crianças e pais assistidos pelo Instituto Cultural, nas atividades realizadas aos sábados; b) Patrocinar cursos de culinária em convênio com várias entidades, para ruralistas com o objetivo de preservar a colinária mineira e melhorar o padrão e renda familiar dos ruralistas; e, c) Fornecer refeições a caravanas que visitam a região. A renda dessa última atividade mantém as duas primeiras.
Além do Museu, o Centro Espírita Fé e Amor e a Casa Assistencial Bezerra de Menezes, a comunidade de Santa Maria conta com outros locais de visitação: o tradicional Albergue Sinhô Mariano, hoje Recanto Sinhô Mariano, fundado em 1954, por José Sábio Garcia; a Pousada Novo Alvorecer, fundada e dirigida por José Antônio Bornato, com um excelente serviço de hospedagem aos turistas, a Capelinha, primeiro marco de Santa Maria e um exuberante bosque formado por reserva natural.
A sesmaria que nasceu sob o símbolo do catolicismo e que mais tarde se tornou o berço do Espiritismo no município e terra de conversão de seu maior líder, Eurípedes Barsanulfo, pela sua destinação e por todo o bem e assistência que presta aos mais desamparados, continua sendo um lugar abençoado por Deus e guardado por Santa Maria.