Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Os atos revelam quem são as pessoas

Edição nº 1457 - 20 Março 2015

Na homilia do último domingo, o pároco, Pe.Sérgio Márcio de Oliveira, da Paróquia do Santíssimo Sacramento, ao refletir sobre as leituras do dia, 2Cr 36,14-16.19-23; Ef 2,4-10) e Jo 3,14-21, aludindo a um tempo litúrgico de conversão vivenciado na Quaresma, denunciou a corrupção de políticos e poderosos e criticou o mau uso da cruz em espaços públicos onde impera a imoralidade. Veja, em resumo, a sua mensagem.

“ Numa sociedade em que políticos  e demais poderosos, na sua grande maioria,  são corruptos não se pode esperar outro comportamento do povo, pois a maioria daqueles que, eu e vocês, escolhemos para governar nosso país e, consequentemente dirigir instituições públicas, são pessoas que antes cobravam os outros. 

Conversão é também educação, moral, ética. Conversão  é ter princípios, conversão é ter valores cristãos e não apenas uma suposta atitude religiosa. Há muitos  que estão no poder e se dizem extremamente religiosos. Há muitos que estão no poder e dizem: “Eu sou católico, apostólico, romano”. Alguns chegam até a fundamentar suas atitudes na palavra de Deus, justificando seus atos, ludibriando o povo com seus discursos cheios de tonalidades, cunhos religiosos. Porém, são pelos atos que se revelam quem são as pessoas. Vou repetir: são pelos atos, não pelos discursos, que se revelam quem são as pessoas. 

No caso da primeira leitura que acabamos de ouvir, essas pessoas, em vez de ouvirem a voz dos profetas as ignoraram, aumentaram seus crimes, imitando as abominações de outros povos e de outras nações. Resultado: colheram os frutos de suas escolhas, aqueles que não morreram foram levados para o exílio. Cuidado, gente, quem tem atitudes ilícitas, quem se recusa a ouvir a voz de Deus, quem faz aquilo que lhe dá na cabeça, aqueles que imitam quem não deveria imitar, em algum momento, podem esperar, vão pagar por isso, sim, centavo por centavo. Aquele ditado, 'Deus tarda, mas não falha'. 

É o que nos traz a primeira leitura de hoje, eles  profanaram o templo, cometeram atos que desagradaram a Deus e Deus em sua misericórdia enviou  mensageiros, um após o outro, querendo poupar o povo, mas o povo não escutou e sofreu as conseqüências. 

Então, diante disso é a oportunidade de nos perguntarmos: até quando vamos viver num mundo de corrupção? Até quando vamos viver num mundo de total desrespeito à vida como estamos vivendo nos dias de hoje? Até quando vamos continuar surdos aos mensageiros de Deus, aos mensageiros que Deus nos envia constantemente a fim de nos alertar quanto aos nossos erros e também quanto aos erros daqueles que estão no poder? É momento oportuno para refletirmos, para mudarmos de vida e, mais ainda, para ajudar os outros a fazer a mesma coisa, a buscar o caminho da conversão.

Não podemos ignorar esse Deus que é rico em misericórdia, não podemos virar as costas para esse Deus que nos chama para uma mudança de vida, conforme nos diz a segunda leitura da Carta aos Efésios. Até quando Deus vai nos socorrer? Não podemos abusar da misericorida de Deus. Seu amor por nós é grande, mais que isso, Seu amor pos nós é infinito, mas em contrapartida, deve ser grande e infinita a nossa conversao, devem ser grandes e infinitos nossos desejos de mudança de vida. Deve ser grande nosso desejo de sermos melhores, de fazermos jus a esse amor que o Senhor concede a cada um de nós. 

A carta aos Efésios nos diz algo interessante: 'Deus nos deu a vida juntamente com Cristo, quando nós estávamos mortos por causa de nossas faltas'. Isto é, diante da nossa morte para o pecado Deus nos deu o Cristo para morrer e nos dar a vida. É isto que Deus tem feito durante toda a história da salvação, porém, isso não foi suficiente para que pudéssemos nos converter. Isso não foi suficiente para que mudássemos de vida, não foi suficiente para que pudéssemos ouvir sua voz. 

A Carta aos Efésios insiste muito sobre isso: 'O que ainda é preciso eu fazer para que possamos nos converter? Que sinal ainda teremos de Deus para que possamos mudar de vida? Ele nos deu Seu filho unigênito, mas parece que a Cruz ainda não está falando muita coisa; parece que ainda não  entendemos o real sentido dessa Cruz, que Cristo carregou e foi nela pregado.   Ele deu o seu filho unigênito para que tenhamos vida. 

Parece que isso ainda não está falando muito para nós. Quer ver como não? Há muitos gabinetes, escritórios, salas de poderosos com uma cruz na parede, simplesmente  como  adorno, mas essa cruz não faz sentido. Quem tem em seus espaços ou traz no seu peito essa cruz, como enfeite, adorno, objeto de decoração não sabe ainda, não entendeu ainda o real significado da Cruz e se não sabe, está banalizando o significado da Cruz, o sacrificio de Cristo na Cruz, está, em outras palavras, banalizando o sagrado. 

Não se assustem com o que vou dizer, mas é preciso: A Cruz nesses espaços é um profundo desrespeito com Deus, porque banaliza o seu verdadeiro significado. É um escândalo a Cruz nesses lugares, pois ela significa a vida de Deus ao nosso lado, pra que ninguém nunca mais morra, mas seja vítima da Cruz. Muitos daqueles que têm a Cruz em seus gabinetes continuam ainda a crucificar os outros com seus atos de corrupção; com seu desrespeito à vida; com seus discursos  que doem nos ouvidos de tanto gritar.

Não se assustem, mas devemos cobrar honestidade, ética e justiça das repartições públicas, do contrário a Cruz nesses espaços representa uma profanação do sagrado e o esvaziamento daquilo que ela significa. Quando vejo pela TV as reuniões da Câmara ou do Senado e vejo aquela Cruz, fico pensando: 'Meu Deus, que profanação é aquela!' Porque, diante do sacrifício da Cruz representado naquele crucifixo, está aquela corja, que em nada significa  esperança para nós. 

Aquela Cruz tem que ser tirada de lá, porque é um escândalo para nós cristãos, porque parece que Cristo está conivente com tudo que é tramado e feito lá dentro. Cristo deve estar muito triste naquela lugar. Repartição pública, me desculpem, não é lugar para Cruz. Lugar  da Cruz é no espaço sagrado e não profano. Lugar da Cruz é nos lugares que defendem a vida, a dignidade humana, no lugar onde são contra a corrupção, a roubalheira e contra essa bandidagem que está nos rondando diariamente. Não é lugar de Cruz as repartições públicas, botecos,  casas de negócios escusos. Lugar de Cruz é na sua  casa, na igreja, onde a vida é dividida. A Cruz não pode estar em lugares onde é banalizada.

 E o Evangelho de hoje nos traz a cruz de Cristo como sinal de conversão, inclusive o trecho que uso para nossa reflexão. O autor sagrado, João, resgatou a similaridade da Cruz com a serpente que Moisés     levantou no deserto para que todo aquele que nela olhasse, ficasse curado da picada de serpente. Temos aqui o antídoto contra a morte. Vale lembrar que o soro que combate a picada de serpente é extraído da serpente. E aquele que deu a vida com a morte, tem agora a vida, porque Cristo, quando passa pela Cruz, Ele  já é vida. A Cruz é sinal de morte, de dor, de sacrifício, mas com Cristo passa a ser sinal de  vida,  de salvação, de redenção. 

Então, temos que aprender a valorizar a cruz. Não podemos carregar a cruz no peito, se não formos coerentes com Aquele que carregamos. Não podemos ter Cruz na parede,  se aqueles que frequentam aquele lugar não têm atitudes coerentes com Aquele que está pregado nela, do contrário ela será apenas um adorno”.

 

(*) Pe. Sérgio é pároco da Basílica do Santíssimo Sacramento.