A Festa do Chapadão, resgatada há sete anos depois de 22 de inatividade, foi mais um grande sucesso este ano, quando reuniu uma multidão de fiéis entre os dias 25 a 27 últimos junto à Capela de Na. Sra. das Dores, padroeira da festa. Uma missa celebrada pelo vigário paroquial, Pe. Gil Araújo, abriu as festividades religiosas, que foram também animadas este ano com várias atrações. Além dos leilões, dois excelentes shows fizeram a animação do público
presente, Waldir e Franciel e Banda Forró de Ouro, na sexta-feira, e Weber e Wesley, no sábado. No domingo, a cavalgada, que saiu de Sacramento e percorreu os 24 quilômetros com cerca de 125 cavaleiros, chegou à capela às 13h30 e foi saudada com entusiasmo pelo público presente. Almoço no barracão, sorteio de brindes, leilão e muita animação durante toda a tarde de domingo encerraram mais uma Festa de Na. Sra. das Dores.
Festa de Na. Sra. das Dores do Chapadão tem mais de 70 anos
Mas, quando, exatamente iniciou essa festa? Isso ninguém sabe exatamente, mas estima-se, com certeza, que tem bem mais de 70 anos. E a história é contada por muitas vozes. Veja abaixo as narrativas de vários dos descentes, tomos unânimes em afirmar que nasceu como festa de família.
O local denominado Chapadão foi no passado uma das grandes sesmarias que compunham o Sertão da Farinha Podre, essa enorme região localizada entre dois dos maiores rios mineiros, o rio Grande, ao Sul, e o Paranaíba, ao Norte, mais tarde denominadas oficialmente, Triângulo Mineiro e parte do Alto Paranaíba.
O Chapadão, segundo descendentes das famílias que habitavam a região ainda no século XIX, compreendia um triângulo englobando as terras dos Diogos, Divisa e Gameleira.
Os parentes informam que as terras pertenciam a José Benedito de Melo e Maria Cândida de Jesus, pais de 12 filhos. Todos eles com nomes compostos e com uma peculiaridade, os homens assinam Luiz de Melo e as mulheres, Cândida de Melo: Antonio Luiz, Laudelino, Francisco Luiz, Sebastião Luiz, Heleodoro Luiz (avô do ex-prefeito Baguá), Jerônimo Luiz, Miguel Luiz e José Luiz; as mulheres, Maria Cândida, Sebastiana Cândida, Amália Cândida e Virgilina Cândida de Melo.
Uma fazenda para cada filho
O neto Alceu de Melo (foto) 70, um dos netos vivos da prole, revela que os descendentes já vão para a quinta geração. “Meus avós tiveram 12 filhos, 11 se casaram e a maioria teve filhos e estes filhos e mais filhos, que são os netos, muitos já falecidos, bisnetos, tetranetos e já estamos indo para a quinta geração. Não conheci meus avós, mas nossos pais contavam que a fazenda era tão grande, que quando fez a partilha tocou uma boa fazenda para cada um dos 12 filhos”.
Lembra Alceu que, ainda criança, viu muita boiada passar pelo corredor de gado que cortava a grande propriedade. “O corredor era bem aqui onde fazemos a festa e, nesse local, havia também uma capela em louvor a Nossa Senhora das Dores, que vovô Zeca construiu. Foi sempre desse tamanho, pequenininha e, ao lado, um barracãozinho, que servia para pernoite das comitivas que acompanhavam as boiadas”, lembra.
Uma curiosidade destacada pelo neto é a inversão do valor das terras ao longo do tempo. “Antigamente, essas terras aqui, que chamamos de terras de chapadão valiam muito pouco. Para a formação de lavouras e pastagens, os fazendeiros preferiam o que chamavam de 'terra dobrada', ou terra de cultura, sempre à beira d´água, em pequenas furnas. Com a chegada dos corretivos e equipamentos agrícolas, com grandes máquinas, inverteu tudo. Hoje, essas terras planas valem uma fortuna”, afirma.
Um manancial de águas
A região tem outra peculiaridade muito importante. Ela está situada entre um grande manancial de água, coisa que está ficando rara hoje. “A região está a nove Km do rio das Velhas, a três Km das nascentes dos ribeirões Borá e Jaguarinha, local conhecido como 'Água Emendada', e o córrego Varjão passa a pouco mais de um km do local da festa. Mesmo assim, com tanta fartura, o local da festa não tem água encanada. Um problema que os festeiros prometem solucionar até a próxima festa.
A área hoje onde está localizada a Capela de Na. Sra. das Dores e os barracões que servem o local com cozinha, dispensa, banheiros e estacionamento pertence a uma das bisnetas de Antônio Luiz de Melo, a Helenice Conceição de Melo, casada com José Luiz Pires. “Essa parte aqui era da tia Sebastiana (João Pedro) depois passou para o Otevil José de Melo (pai da Helenice), que doou mais um pedaço para aumentar a área do Chapadão onde fazemos a festa. Aqui deve ter um hectare mais ou menos”, revela.
De repente a festa acabou
Ninguém sabe quando começou a festa. Talvez uma pesquisa nos livros de Tombo da paróquia possa encontrar alguma referência. Mas o que se sabe dos herdeiros de José Antônio e Maria Cândida remonta há 70 anos ou mais.
“- O que sabemos é que na época do meu avô, todo primeiro domingo do mês, eles reuniam a vizinhança, cada um trazia uma prenda, rezavam o terço em honra a Na. Sra. das Dores e faziam o leilão, cuja renda era doada ao Dispensário dos Pobres de Sacramento. Depois vieram outras gerações e a festa foi seguindo com a reza do terço, até que passou a ser feita uma vez por ano e ficou muito famosa, com tríduo religioso, missa e terço, leilões, rodeios, shows e forrós com renda sempre doada ao Dispensário”, conta Alceu, informando que um dia, de repente, a festa acabou.
“- Também ninguém sabe a razão, nem quando. Mais provável que a última tenha sido realizada em 1985. E passamos 22 anos sem fazer a festa, até que, em 2008, decidimos resgatá-la repetindo o fervor de nossos antepassados. Temos missa, terço, leilões, forrós, cavalgadas, almoço e continuamos doando parte da renda a entidades da cidade. Parte, porque estamos investindo na infraestrutura do local, com várias construções, estacionamento iluminado e seguranças no local, a fim de melhorar as acomodações para todos, pois a festa a cada ano é mais concorrida”, justifica Alceu
A gincana dos Benedito, Bonatti, Diogo e Manzan
Lembra ainda a Profa. Ozana (foto) que o então pároco, Pe. Gil Barreto Ribeiro (1969/1974), idealizou uma gincana entre as famílias, Benedito, Bonatti, Diogo e Manzan. O objetivo era angariar cobertores, alimentos e material escolar para o Dispensário dos Pobres e outras entidades”, informa, lembrando que o Gaspar Marques foi um dos coordenadores.
A gincana foi vencida pela família dos Benedito que arrecadou, segundo Ozana, dois caminhões e uma caminhonete de alimentos, cobertores, lápis, borrachas e cadernos, saímos na frente em todos os itens, só perdemos na pintura, que era uma das tarefas. Levamos um quadro da dona Nair Afonso, mas quem ganhou foram os Bonatti com um quadro da Léa Scalon. A igreja era muito dinâmica naquele tempo, unia as famílias e foi uma gincana e tanto, todo mundo se mobilizou e quem ganhou foram os menos favorecidos e as famílias que ficaram muito unidas”, enfatiza.
Família coordena festa e guarda a imagem
Sílvio José Borges, casado com Alizete de Melo Borges, filha de Heleodoro Benedito, recorda que moravam em Brasília e vinha a Sacramento para a festa. “Fomos para Brasília em 1969, ficamos lá 20 anos e a gente vinha para a festa. Isto é, a festa já existia e já se vão 46 anos. E um detalhe, sempre a família liderou a festa, há outros festeiros, mas a família está sempre junto”, revela e completa que para festa além dos patrocinadores, os festeiros contam com ajuda de muitos voluntários.
A bisneta Helenice de Melo Pires, guardiã da histórica imagem de Na. Sra. das Dores, também se lembra da festa quando criança. “Eu era criança e me lembro da festa, mas como estávamos tão acostumados com essas festas de roça, nem lingávamos para datas. E foi uma pena, porque hoje isso faz falta, pra passar para os mais novos. Hoje, por questão de segurança, somos os guardiães da imagenzinha antiga que está conosco há uns 55 anos. Não podemos deixá-la aqui na Capela. Ela é do tempo de nosso bisavô, e já foi restaurada uma vez”, relata, ressaltando com o primo Alceu que recordam da presença de monsenhor Saul Amaral (pároco diocesano de 1949 a 1971- grifo nosso) em muitas festas”.
A neta Alizete de Melo Borges coordenadora do serviço de cozinha da festa, fala com alegria da união da família e acredita que as novas gerações darão continuidade à festa. “É uma união muito grande da família e dos festeiros. Na verdade, nos tornamos uma grande família na organização da festa. Todos trabalhamos muito alegres, felizes, cada um dando o melhor de si. E esperamos que os mais jovens deem continuidade, por isso, desde pequenos eles acompanham toda a organização e colaboram com muitas outras atividades durante a festa. Torcemos para que continuem”, destaca.
Tudo começou com um Cruzeiro
Joana Almeida, mais conhecida como Joaninha do Otevil, aos 86 anos, convalescendo-se de uma fratura do fêmur, conta que, no início, no lugar onde está a capelinha havia um Cruzeiro. “Minha sogra Sebastiana Cândida, casada como João Pedro, contava que o seu Zeca era muito devoto. “Ele saía da sede e ia rezar o terço no Cruzeiro. No tempo da seca, reunia as pessoas, levavam pedras, água e também uma capa de chuva, porque antes de chegar em casa, a chuva caia. Mas aquela capela tem bem mais de 70 anos. Eu era mocinha, solteira ainda, ia pra fazenda com a minha sogra e já havia a capelinha, onde rezavam o terço. Eu mesma rezei muito terço ali e fomos festeiros várias vezes. Depois, os mais velhos foram morrendo e a festa acabou”.
A professora aposentada, Ozana De Santi de Melo, viúva de um dos descendentes, Anézio Gonçalves de Melo, recorda que a Festa do Chapadão era realizada no mês de junho, mas como era um mês muito frio, decidiram transferi-la para setembro, e sempre em louvor a Na. Sra. das Dores. “No começo eram os terços com leilão todo mês, mas o leilão era entre eles mesmos, isto é, eles levavam as prendas e eles mesmos arrematavam. Alguns anos depois, decidiram fazer a festa anual e foram sempre muito animadas, desde o começo. O Anésio e eu nos casamos em 1969 e a festa já era uma tradição e realizada anualmente”.
De onde vem o Benedito?
A família se tornou conhecida na cidade e região como “os Benedito”. Quem explica essa possível herança metonímica é também a viúva de Anézio, filho do Miguel Benedito. “O avô de meu sogro, Heliodoro Luiz de Melo, mais conhecido como Leodoro Benedito - conta Ozana - teria sido criado por uma família, da qual não sabem detalhes, cujo patriarca se chamava Benedito. O avô teve filhos, um deles, Zeca Benedito, pai do meu sogro, Heliodoro. E os filhos passaram a ser chamados de Chico Benedito, Miguel Benedito, Zé Benedito, Sebastião Benedito... E assim ficaram conhecidos como 'os Benedito', dos quais muito nos orgulhamos”, revela.
Outros da família têm outras versões, mas nenhuma delas confirmada. “Sejamos os Benedito ou os Melo, o que importa é que somos uma imensa família, que fez e faz história e que tem que ser preservada”, afirmam Alceu, Baguá e Marcinho dos Correios. E o ex-prefeito completa: “Precisamos nos reunir, fazer o encontro dos Benedito, porque tem muita gente desconhecida, principalmente, para os mais jovens. E o nosso avô deve estar feliz por ver que mantivemos a festa de Nossa Senhora das Dores”.