Debaixo de um forte sol, ternos e congados se concentraram às 15h30 na praça Getúlio Vargas para a saudação à Basílica do Santíssimo Sacramento e bênçãos proferidas pelo pelo pároco, seguindo em direção à Igreja de Na. Sra. do Rosário, padroeira da raça negra. No largo da praça, as manifestações religiosas prosseguiram com danças e cantos afros sob o batuque forte dos tambores, emocionando os presentes. Eram 19h quando os últimos ternos se apresentaram.
Fazendo uma avaliação das manifestações de cultura e religiosidade no dia, o pároco Pe. Sérgio Márcio de Oliveira, que deu total apoio à festa, confirmou a importância do evento.
“- Muito importante essa festa, muito importante a missa celebrada no Parque de Exposição, onde todos participaram com as suas tradições, a sua cultura de fé para homenagear os padroeiros, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. E a Igreja está fazendo o seu papel de ser acolhedora do povo com suas tradições, suas crenças. Isso é fé, uma festa digna de ser celebrada. Muito importante essa bênção que estamos dando aqui na porta da Basílica, quando todos os ternos se apresentam saudando nossa Igreja Basílica e a padroeira da cidade, Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento. A Igreja tem que deixar o povo ser povo, expressar a sua fé...”, destacou.
Na sua homilia, o pároco pregou sobre o milagre de Jesus ao curar o cego Bartimeu, lembrando que o pior cego é aquele que não quer enxergar. “Mas temos que diferenciar o enxergar e o ver. Todos enxergam, porque enxergamos pela vista, mas ver é com o coração, isto é, com os olhos coração”.
Benfeitores recebem Medalha
O último ato da manhã foi a condecoração com a Medalha da Ordem de Na. Sra do Rosário e de São Benedito a todas as pessoas que prestaram nessas seis décadas de existência da Guarda relevantes serviços a essa centenária cultura, contribuindo com sua preservação e com os movimentos religiosos afro-brasileiros.
A diretoria da Guarda de São Benedito e Na. Sra. do Rosário homenageou com justiça e conhecimento diversas pessoas que prestaram relevantes serviços à Guarda nesses 60 anos de sua existência com a Medalha da Ordem de São Benedito e Na. Sra. do Rosário.
“- Esta medalha está sendo criada em comemoração a esses 60 anos de existência da Guarda, mas vai permanecer como uma honraria de nossa Guarda para homenagear todas aqueles pessoas que prestaram serviço ao nosso movimento. Aos moçambiqueiros que prestaram serviços ontem e de hoje, explicou ao ET, a presidenta Maria Aparecida de Fátima Moreira, ao condecorar no Parque de Exposição, os primeiros homenageados, justificando que as homenagens prosseguem nos próximos anos.
“- Não seria possível homenagear todos os merecedores este ano, mas as homenagens e o reconhecimento virão para todos ano após ano”, justificou.
Receberam homenagens póstumas por seus representantes: Valdivino Inácio e Vó Tonha, Terezinha Maria dos Reis, Sebastião Inácio dos Santos Roberto Luiz dos Santos - Capitão Beto.
Foram ainda homenageados pela dedicação, valorização e trabalho em prol do movimento as seguintes pessoas: José do Carmo Martins, o mais longevo moçambiqueiro da cidade; o ex-presidente da Guarda, Antonio Francisco; José Augusto Felícia da Silva e Delcides Thiago Filho; Dalva Maria da Silva, que anualmente é a responsável pelos andores; Waltercides Clemente de Souza Filho; o historiados Amir Salomão Jacob, Margareth Borges Barreto e Padre Sérgio Márcio de Oliveira, saudado pelos ternos com o batuque e a canção:
“- A Igreja precisa do padre como o vinho precisa da uva, e precisamos de todos, como a terra precisa da chuva”.
Historiadores da USP participam e elogiam encontro
Um casal de historiadores da Universidade de São Paulo (USP), Elena Pajaro Peres e Nelson Aprobato Filho (foto), vieram à cidade para prestigiar o Encontro, participando de todos os momentos, inclusive almoçando no local da festa e se confessam maravilhados com o que viram.
“Trabalho com os manuscritos de Carolina Maria de Jesus e ela faz várias referências ao seu avô, um rezador de terços e grande devoto de Nossa Senhora do Rosário e, tínhamos que ver isso, pessoalmente. Há seis meses estivemos na cidade, a dona Maria nos falou da festa e aguardamos ansiosos para ver essa maravilha, que superou as expectativas. É impressionante assistir a essa cultura raiz que deve a todo custo ser preservada”, reconhece Elena.
E Nelson completa: “O que chama a atenção é a pureza da festa, é uma dedicação e singeleza tão grandes que despertam na gente um sentimento diferente. São pessoas simples, humildes, mas pessoas de raiz, que sabem valorizar a tradição, que é de uma riqueza cultural que a gente não encontra em outro lugar. A riqueza que temos aqui, nesse tipo de festa, é encontrada em pouquíssimos lugares. Isso precisa ser divulgado, difundido para que todos conheçam. É uma história muito rica, uma cultura única, uma alegria impar. A cidade está de parabéns com essa tradição que tem”, cumprimentou.
Através de informações do ET, o casal teve contato com os historiadores Amir Salomão Jacob e Carlos Alberto Cerchi que detêm um rico acervo de fotos e estudos sobre a cultura pesquisada pelos professores.
Elena Pajaro Peres é doutora e mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Autora do livro A Inexistência da Terra Firme. A Imigração Galega em São Paulo, 1946-1964, publicado pela EDUSP / FAPESP / IMESP. Nelson Aprobato Filho doutor em HIstória (2007), mestrado (2001) e graduação (1991) em História pela Universidade de São Paulo e pós-doutorando da USP. Ambos detêm um vasto currículo.
Cida de Fátima: 'O coração está disparado...
O ET colheu vários depoimentos de congadeiros e moçambiqueiros presentes. Veja alguns testemunhos.
A presidenta da Guarda Maria Aparecida de Fátima Moreira, incansável na organização da festa com os demais membros da diretoria e uma grande equipe de voluntários, fez uma avaliação positiva.
“- O coração está disparado, é muita emoção ver que uma festa tão sacrificada, numa época tão difícil está dando certo. A repercussão foi boa, as pessoas gostaram. São Benedito e Nossa Senhora estão ajudando pra dar tudo certo. Que eles nos abençoem a todos”.
Para a rainha perpétua, Lucimar Maria dos Reis, é uma alegria comemorar 60 anos de uma entidade que começou com seus avós. “Fico feliz, muito feliz mesmo, por ver que aquilo que eles nos deixaram está sendo respeitado. São 60 anos que estamos perpetuando a história. Fica a saudade de nossos antepassados, a mamãe que resgatou a história, organizou o estatuto e deixou tudo registrado. Mamãe morreu em 2002, mas deixou a história registrada. Nossos avós e mamãe devem estar muito felizes com essa festa. E, em nome da irmandade de Sacramento, agradecemos de coração as bênçãos de nossos padroeiros, a paróquia e a todos os que ajudaram para que essa festa acontecesse”, afirma.
O rei Tom, bisneto do fundador da Guarda de São Benedito, completa: “É uma alegria de toda a continuidade por uma coisa que começou com meu bisavô, meu avô Sebastião deu continuidade e eu hoje no seu lugar. A responsabilidade é grande, mas é um orgulho poder dar segmento a essa tradição que eles nos deixaram”, reconhece.
A Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário tem subvenção anual da Prefeitura, no valor de R$ 7 mil, em quatro parcelas, mas até agora foi paga apenas a primeira parcela. De acordo com a Prefeitura, a diretoria não apresentou a prestação de contas no prazo previsto, por isso não recebeu as demais parcelas, que serão pagas nos próximos dias, após a análise das contas de 2014, entregues no início deste mês. De acordo com a presidenta Maria Aparecida, a Prefeitura cedeu o Parque de Exposição, a energia elétrica e o SAAE cedeu a água.
“Temos de nos unir nesse momento, sobretudo, nós os familiares, para levar adiante essa tradição que é tão importante para os nossos filhos e para toda a cidade e a região. Dá orgulho ver que uma entidade fundada pelos nossos avós, está sendo preservada e fazendo história”, avaliou Luiz Almir dos Reis, cabo da PMMG em Ibiá e irmão da rainha Lucimar dos Reis.
“Isso é preservação da cultura. Uma festa muito bonita. Este ano foi bem melhor, mas ainda tive a impressão de que há duas festas: uma aqui no parque e outra no XIII de Maio, mas já foi bem melhor que nos anos anteriores que eram muitas festas, a gente não tinha como acompanhar. A gente que pesquisa, acompanha e vem para fotografar tinha muita dificuldade, este ano houve mais união”.
(José Maria de Oliveira Júnior, de Franca, que desde a grande festa no Desemboque em 2013, acompanha a festa na cidade).
“Em relação aos outros anos, a festa foi bem mais organizada, tudo no mesmo lugar a gente pôde conhecer mais gente, ver a apresentação dos ternos, uma grande arquibancada com sombra para todos se assentarem, tinha água, banheiro, tudo num lugar só. Comida muito boa, muita fartura, fomos muito bem atendidos. Foi a primeira vez que fizeram aqui e foi muito bom... Falta melhorar umas coisinhas, mas os organizadores estão de parabéns”.
(Jesus Esteves de Paula, do terno de Ibiá, que participa pela terceira vez do encontro)
“Achei muito boa a iniciativa de realizar tudo num lugar só, porque nos anos anteriores, eram várias festas e as guardas que vinham para o encontro só se viam na procissão, ali cada terno se apresentava, ia embora e pronto. Aqui teve, realmente, um encontro, cada um vendo a apresentação do outro e poder conversar, trocar ideia. Achei muito mais proveitoso o encontro. Por ser a primeira vez foi muito bem organizado. Dificuldades sempre aparecem, porque é uma festa grande, mas Nossa Senhora a São Benedito estão sempre na frente ajudando, orientando. A comunidade está de parabéns”.
(José Ronan dos Santos, presidente da Irmandade de Araxá, que há seis anos participa do encontro e a cada ano traz no mínimo dois ternos)
“Ficamos muito felizes de elevar os santos da nossa devoção e de preservar uma coisa que vem dos nossos avôs. Nós estamos reunidos no Alto Boa Vista, mas vimos saudar os santos e os reis, vamos participar da festa. Faremos o trajeto tradicional, vamos nos encontrar com os outros na Basílica e descemos todos para a Igreja do Rosário para a saudação da padroeira, é uma tradição centenária na cidade, que estamos preservando”.
(Cláudio Inácio dos Santos (41), capitão do Terno de Moçambique Nossa Senhora do Rosário, que é neto de Divino Inácio, fundador da Guarda sexagenária).
'Sociedade deve ajudar a preservar essa tradição...
O presidente da Câmara de Comércio Brasil/Moçambique, Sinfrônio José da Silva Júnior,(foto) prestigiando o Encontro Afro na cidade, elogiou a festa. “Por ocasião da participação de Sacramento na festa de Uberaba, recebi o convite para esse encontro regional e fiquei muito feliz e honrado. Estou muito satisfeito com o que pude ver, tanto que no próximo ano quero trazer o adido de Educação e Cultura da Embaixada de Moçambique no Brasil, Romualdo Johnam, porque a minha avaliação é muito positiva no que tange à preservação de uma cultura centenária e o empenho da cidade em preservar a cultura afro brasileira”, afirma, destacando a importância do apoio de toda a sociedade. “É necessário o apoio de todos para a preservação dos condados de Congado e Moçambique. A sociedade deve ajudar a preservar essa tradição”.
De acordo com Sinfrônio, há um projeto de se criar a Federação das Congadas e Moçambiques da Região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, o que irá contribuir sobremaneira para a preservação e a captação de recursos. “A ideia é juntar forças de todos da região, criarmos um grupo forte que possa se ajudar mutuamente. Uma coisa é um grupo de Sacramento buscar recursos para um grande evento, outra é uma federação regional. Esse é um projeto que está sendo discutido e que poderá dar uma força muito grande aos movimentos afros da região”, informa, parabenizando os organizadores da festa na cidade.
Luizmar e equipe batem recorde de festas no final de semana
Luizmar Fernandes da Silva com uma equipe de 26 cozinheiros bateram o recorde de cozinha para festas no final de semana. Desde sexta-feira estavam na cozinha, primeiro para uma Festa de Reis, no sábado e, no dia seguinte, a Festa do Congado no Parque de Exposição. “Tudo pronto, são 11 h, almoço para 2 mil pessoas. É uma bênção de Deus, porque a gente não sente cansaço. Fazemos isso por devoção. Gostamos de servir, de ajudar e com o nosso trabalho a gente vai mantendo também essas festas tão bonitas”.
Pagamento? – a repórter indagou. “Não cobramos nada. Isso fica com Deus e os santos que nos ajudam muito, nos dão saúde e animo para servir”, respondeu Luizmar.
No cardápio, arroz, tutu de feijão, frango com batata, carne bovina com batata, polenta e macarronada. E o almoço agradou a todos. Durante a entrevista o casal de Araxá, Glória Pereira da Silva e o marido Mauricio, festeiros do Congado naquela cidade buscavam orientação para o almoço que vão realizar. “Seu Luiz entende bem de cozinha, de quantidade, então vimos pegar orientações”, revelou