Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Pe. Paulo deixa clero diocesano pelos dominicanos

Edição nº 1411 - 25 Abril 2014

Padre Paulo Henrique Martins, 27, é um jovem sacerdote, que desde a sua ordenação há quase dois anos trabalha em Sacramento. É vigário paroquial que desenvolve um grande trabalho,sobretudo,  nas comunidades rurais e que agora parte em busca da realização de um sonho: tornar-se um religioso seguidor de São Domingos, sonho que o acompanha desde que pensou em ingressar na vida religiosa.

Pe. Paulo celebraráa sua última missa na Igreja de Nossa Senhora  do Desterro, no Desemboque neste sábado, 26, e, no domingo, encerra a II Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Negros, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, com a participação das comunidades rurais da região do Desemboque e ternos de Congado e Moçambique de Sacramento e região. 

Na missa vespertina do domingo, às 19h30, na Matriz do Santíssimo Sacramento Apresentado pelo Patrocínio de Maria, o sacerdote concelebrará a sua missa de ação de graças pelos trabalhos realizados. Na segunda-feira, parte para Uberaba e, depois para o Rio de Janeiro, levando na bagagem seus sonhos de bem servir à Igreja e ao povo de Deus como religioso dominicano. 

Para o pároco padre Sérgio Mário de Oliveira, que chegou à cidade seis meses depois de padre Paulo, ele parte cheio de bênçãos. “Para Sacramento e para a Arquidiocese é uma grande perda, mas padre Paulo vai para realizar um sonho, um desejo. E entendemos que ele tem que tentar. Se der certo, ótimo, se não der, ele volta. Essa é uma perda que é compensada por sabermos que ele vai em busca de um   objetivo, e,  sobretudo,  temos que ter em mente, que o que importa é que, aqui na Arquidiocese ou nos Dominicanos, padre Paulo estará sempre a serviço de Deus.   Será uma experiência nova, ele é um padre jovem, com um conhecimento muito profundo e está indo para um lugar, que tem tudo a ver com ele, que é um bom pregador e os dominicanos são padres pregadores, é uma congregação que existe há 800 anos, mas se  não der certo, as portas da Arquidiocese estarão sempre abertas.

Confira a entrevista com padre Paulo:


ET - Vamos começar com a sua infância e o seu despertar para o sacerdócio.

Pe. Paulo - Nasci em Romaria, antiga ÁguaSuja, berço da devoção a Nossa Senhora D´ Abadia no Triângulo. Um lugar muito pequeno, simples, do interiorzão mesmo, mas uma terra de muita devoção a Nossa Senhora. Ali eu cresci como todo menino de cidade pequena, era um menino levado, “custoso” como diziam, mas dentro da normalidade. Em Romaria fiz os primeiros estudos e lá comecei a ajudar na igreja, a partir dos 12 anos, como coroinha e acredito que foi lá que tive o despertar para a minha vocação. Aos 15 anos, fui tentar a vida com os Redentoristas. Eu estive em Sacramento fazendo encontro vocacional com os Redentoristas, masos padres diocesanos me tiraram de idéia. 


ET. Por quê?

Pe. Paulo - Em virtude de eu pertencer à Arquidiocese de Uberaba e ter uma certa acessibilidade, porque eu era muito ativo,  desde os 12 anos ajudava no santuário e, nas festas de Nossa Senhora D´Abadia, muitos padres estão por lá  e assim eu fui firmando amizade. Dom Benedito de Ulhoa Vieira me conhece desde os 12 anos, quando começou a nossa amizade que persiste até os dias de hoje.  Então, optei pela Arquidiocese de Uberaba devido ao conhecimento e a amizade com os padres e a acessibilidade que tinha no clero. Minha formação e vida religiosa sempre foram na arquidiocese. Mais tarde, quando já estava cursando Filosofia surgiunovamente a vontade de ser padre  religioso, padre de congregação. Eu entrei em contato com os dominicanos, mas parou aí.Depois, já no curso de Teologia, retomei o contato porque os frades dominicanos reabrirama casa de formação em Uberaba, em 2010.


ET - E por que ficou na diocese? 

Pe. Paulo - Por comodidade. Conheço bem a estrutura da arquidiocese de Uberaba e tenho uma certa influência no clero, no que diz respeito à amizade, aos trabalhos. Sempre fui muito bemquisto na arquidiocese e isso me gerou uma certa comodidade, mas isso não bastou. Com o tempo Deus continua sempre a me chamar e ai fico com aquela inquietude dentro do coração. E hoje, aos 27 anos, já bem mais maduro, considero-me apto para dar um sima este algo mais que Deus me pede a mim, que é a vida religiosa. 


ET - Qual a diferença entre padre diocesano e o padre religioso ou padre de congregação?

Pe. Paulo - Padres diocesanos ou padres seculares estão ligados ao bispo,a uma diocese ou  arquidiocese; o padre religioso está ligado a uma congregação, vivendo uma vida consagrada ou em uma sociedade de vida apostólica. Outras diferenças que temos é que os padres diocesanos não fazem os votos evangélicos de pobreza, castidade e obediência, o que é obrigação nas congregações religiosas. Nósdiocesanos fazemos um juramento  de obediência e de celibato. Para ilustrar, dou um exemplo muito simples: se o Papa liberar o casamento para os sacerdotes, qualquer padre diocesano poderia se casar, porque o celibato é uma norma disciplinar da igreja que começou no século IV com o Concílio de Elvira. Já o padre religioso não poderia se casar, porque fez voto de castidade, que está ligado ao Evangelho. 

 

ET – E podem também ter uma vida secular em relação a bens patrimoniais...

Pe. Paulo – Sim, os padres diocesanos, não têm voto de pobreza, por isso pode-se ter bens, propriedades e salário. Outra diferença é que os padres religiosos têm uma vida em comum, isto é, vivem em comunidade com outros de seu instituto, o que não é exigido aos padres diocesanos ou seculares. Eno mundo todo, além das milhares de dioceses, temos também inúmeras congregações como os  redentoristas,   jesuítas, franciscanos, beneditinos, capuchinhos, cistercienses, paulinos, cartuxos, claretianos, vicentinos etc. São todos membros de institutos de vida consagrada ou sociedades de vida apostólica, vivendo em comunidade, sob uma regra.


ET – Deixando agora a arquidiocese, vai para onde?

Pe. Paulo -Vou para o convento no  Rio de Janeiro, onde farei uma experiência por um tempo, depois retorno a Uberaba para o Noviciado, no convento dos Dominicanos, na Igreja São Domingos. Aqui em Uberaba está o primeiro convento dominicanodo Brasil, fundado pelos freis que vieram de Toulouse na França. A minha preparação para este momento foi de forma muito tranquila, fui acompanhado pelo mestre dos noviços da Ordem dos Frades Pregadores, frei Helton Damiani. Tenho acesso ao convento de Uberaba, e conheci também os dois  conventos de  São Paulo e o de Belo Horizonte. 


ET - Qual a diferença entre os padres dominicanos e os padres da Ordemdos Frades Pregadores? 

Pe. Paulo -Nenhuma. A Ordem dos Frades Pregadores émais conhecida como a Ordem dos Dominicanos, uma instituição que tem quase 800 anos. Foi fundada por São Domingos Gusmão em 1216 e há 133 anos está no Brasil.É  uma ordem de religiosos inteiramente dedicados à missão da pregação.  Há vários santos que saíram dos dominicanos:  São Tomás de Aquino, Santa Catarina de Siena, Santo Alberto Magno, São Raimundo e também vários Papas: Inocêncio V (1276), Bento XI (1303/1304), Pio V (1566/1572),Bento XIII (1724/1730).


ET - O que te atraiu tanto para essa Congregação? 

Pe. Paulo – A busca da Verdade é o que de fato me atrai nos dominicanos e  a fidelidade ao ideal de seu fundador São Domingos, que é a pregação, fruto da contemplação, da oração e, sobretudo, por ser a pregação voltada à defesa da fé, mas não aquela defesa subserviente da fé, mas a fé que é capaz de dialogar com as ciências e  com o mundo, tanto é que o mestre geral  da Ordem, frei Bruno Cadoré,  que vive em Roma,  é médico. Alguns frades ocupam cadeiras na ONU, ouvi dizer que participam de trabalhos na Nasa, nas grandes universidades,  ou seja, são frades que fazem do estudo, não um simples meio para adquirir erudição, mas para dialogar com o mundo, estabelecer ponte entre o pensamento da Igreja e o do mundo.  O termo dominicano vem de dominicanes, que significa, 'cães do Senhor', que literalmente são aqueles que ladram em favor da fé cristã. 

 

ET - Dizemos padre e você diz frade, frei, explica essa diferença.

Pe. Paulo - Frade é a designação dada a um católico consagrado, que pertence a uma ordem religiosa e que vive normalmente num convento, mas ele tanto pode ser um clérigo como um leigo ou seja, tem frei que é padre e tem frei que não é padre. O ser padre é uma vocação, como o casamento é uma vocação, assim como ser religioso é outro tipo de vocação, para ser dominicano, franciscano, redentorista. “Padre” e “Frei” são títulos como “bacharel”, “doutor”, “professor” etc. A palavra frade vem do latim  frater, que significa irmão, pelo qual se dirigiam uns aos outros e frei é o título dado aos frades, no meu caso, serei frei Paulo.

 

ET - Os dominicanos tiveram uma participação muito eloquente em vários fatos históricos, um deles aqui no Brasil, foi sua participação na revolução de 1964 ao abrigar muitas vítimas da repressão. Sem falar que muitos padres e freis dominicanos foram inclusive perseguidos, ao contrário do clero conservador que foi conivente. O livro de Frei Beto, Batismo de Sangue, mostra esse período. Então, perguntamos, ao trocar a batina preta dos diocesanos pela batina branca dos dominicanos, você  vai estar inserido dentro dessa visão mais humana e mais perto do povo?

Pe. Paulo - Com certeza. E é muito oportuna a colocação, uma vez que, a minha paixão pela Ordem está na capacidade dialogal dela com a realidade do tempo presente. Os dominicanos, que estão ligados a muitos fatos históricos no mundo, tiveram esse papel muito importante de ser uma consciência crítica da democracia, naquele tempo do Golpe Militar, isso nos mostra que a fé está ligada à nossa vida, ao nosso dia a dia. Dizer “O Senhor é meu Pastor e nada me faltará”, quando se percebe que falta tudo à nossa volta é muito difícil. A minha paixão pela Ordem é justamente essa capacidade de inserir a fé no contexto das pessoas. 

 

ET - Dentro desse contexto estaria sua admiração aos ternos de Congo, Moçambique, Folias de Reis..?

Pe. Paulo - Sem dúvida. E sinto essa faltana Igreja,  não há nenhum  trabalho de Antropologia Teológica desenvolvida a cerca deles, pelo contrário, encontramos  muitas restrições da igreja  em acolher essas pessoas. Há muitos estudos,pesquisas, escritos, teses, mas não por parte da Igreja. Eu, desde o convívio com os ternos em Romaria,percebo que a Igreja fica responsável por alimentar a fé, promover o encontro, mas não há um parecer histórico dessa participação na Igreja.

 

ET - Nesses quase dois anos de vida sacerdotal você sempre trabalhou nas comunidades rurais. E percebemos que sai deixando um grande legado. Comente essa sua atuação e as metas que conseguiu atingir.   

Pe. Paulo - Como sacerdote, sempre trabalhei em Sacramento e tive alguns trabalhos na Arquidiocese como professor e juiz auditor do Tribunal Eclesiástico de Uberaba. Quanto ao trabalho realizado aqui, principalmente na zona rural, tenho uma frase que me marcou muito, dita pela Vânia, moradora da Jaguarinha, numa entrevista ao repórter Silas Bonetti para a rádio Sacramento, quando realizamos a primeira procissão de Corpus Christ na zona rural. Ela disse o seguinte: “Agora eles viram que a gente da roça também é povo de Deus”. Essa frase me marcou muito, porque o meu trabalho na roça sempre visou as pessoas da roça. Não tirá-las de sua comunidade, mas levar todo esse patrimônio espiritual e cultural da igreja para elas, celebrando lá com eles. 

 

ET - Infelizmente, hoje, com os grandes latifúndios, tudo concorre para o êxodo rural...

Pe. Paulo - Sim, hoje vão tirando as pessoas da roça, de suas raízes, tirando delas algo que é tão próprio delas, dizendo-lhes que a cultura urbana é mais importante que a cultura rural. Eu não quis fazer isto, eu quis levar igreja para a roça, por meio de um trabalho de presença, num trabalho simples de pastor, nosentido de saber o nome, conhecer as famílias, conversar, participar das rodas de conversas e sempre aproveitando para levar a mensagem de Cristo e, sobretudo, sabendo ouvir e respeitando   a cultura de cada comunidade... 

 

ET – Criando para isso muitos projetos...

Pe. Paulo – Sim, com a ajuda e o apoio de cada uma das comunidades, fizemos um trabalho profícuo, realizando o 1º Corpus Christi Rural, a 1ªFesta da Família Cristã Rural, o 1º Encontro de Jovens Rurais, o 1º Curso de Formação de Catequistas rurais  e a 1ª Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Negros, no Desemboque, que não quis ser apenas um momento festivo religioso, mas também cultural, um evento que teve a presença de mais de quatro mil pessoas. Com esse trabalhobuscamos dar visibilidade para a riqueza das comunidades rurais que é a fé simples, uma fé muito pura, mas que é grandiosa.

 

Continua na próxima semana