Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Relógio da Matriz completa 100 anos

Edição nº 1133 - 21 Dezembro 2008

A história mais completa, talvez única, do Relógio da Matriz está no excelente livro do escritor Amir Salomão Jacób, A Matriz da Vila. Aliás, conta o escritor que os dados foram recuperados meio que por acaso, em um trabalho de pesquisa nos anais da Câmara Municipal de Sacramento. “Quando nessas pesquisas encontrei em uma ata da Câmara de 1905 a expressão 'Regulador Público', confesso que não entendi do que se tratava, e quase deixo o assento passar despercebido. E só fui entender que era um relógio público numa ata de 1907” – conta o escritor, mostrando outros fatos.

O desejo da implantação de um relógio público começou três anos antes. Em suas pesquisas, Salomão encontra a primeira referência, na sessão da Câmara Municipal, realizada em 11 de dezembro de 1905, quando os vereadores aprovam, “sem nenhuma objeção ou comentário”, o Projeto de Lei n° 1, que autorizou o Sr. Agente Executivo, o prefeito da época, Cel. José Afonso de Almeida, “autorizado a despender com a aquisição de um bom regulador público e sua instalação do modo mais decente e conveniente possível, no Paço Municipal desta cidade (entenda-se o prédio da Câmara – grifo nosso) até a quantia de quatro contos de réis”. 

Assinam o projeto, sem uma definição do autor, os seguintes vereadores: Eurípedes Barsanulpho, José Martins Borges, Idelfonso Castanheira, Orígenes Tormim, Theóphilo Vieira e Antônio Fidelis Borges. 

Os edis só voltaram a falar na matéria um ano depois, com uma idéia nova. O Regulador não seria mais instalado no Paço Municipal, mas em um campanário na praça da Matriz, conforme registro em ata, no dia 06 de dezembro de 1906, também sem resultados. “Ao final da reunião, o presidente e Agente Executivo 'adiou a deliberação sobre a colocação do regulador público, até que seja pelo mesmo apresentada a planta, orçamento e lugar para a construção do campanário' ”.

E onde a Igreja Matriz entra na história? Naquele mesmo ano, ou desde 1902, “quando o bispo veio de longe benzer o rico e precioso altar de mármore e, talvez daí, começou a se projetar a construção de um campanário ou torre, como era e ainda é costume”. Juntou-se então, como dizem, o útil ao agradável: a Câmara precisava de um campanário na praça e o vigário, Pe. Pedro Ludovico de Santa Cruz, de duas torres  para a sua Igreja. 


Relógio custou 4 contos de réis

Transação acertada na ata do dia 25 de maio de 1907:

“ – Ordem do dia:  Pelo Sr. Presidente foi dito que, a pedido do Pe. Pedro Ludovico Santa Cruz, ponderava à Câmara que o referido pároco exigia da Câmara um auxílio para o edificamento de duas torres na Igreja Matriz, desta cidade, para em uma delas fazer a colocação do regulador público, pertencente à municipalidade. Pelo vereador Idelfonso Castanheira, foi proposto para que a Câmara  concedesse quatro contos de réis para o auxílio na edificação das referidas torres, sendo: dois contos de réis da veraba já destinada para a compra e assentamento do mesmo regulador e dois contos para serem retirados da verba, 'Obras Públicas', com a condição de ser cedida uma das torres para o assentamento do regulador e de estarem prontas as torres até o fim de outubro do corrente ano, e ser feito o pagamento em uma só prestação  na conclusão da obra”. 

Naquele ano nenhuma torre foi construída. Naturalmente, não houve também pagamento naquele mês de outubro. “Somente no final do ano seguinte, 1908 - narra o livro de Salomão - o Agente Executivo levou novamente o assunto para ser discutido na Câmara, anunciando o término da construção da primeira torre da Matriz e a colocação do relógio, com se vê na ata do dia 17 de dezembro de 1908:”

“ – Pelo Sr. Presidente foi dito que achava-se em discussão o pagamento da torre a qual achava-se em estado de fazer a colocação do regulador público. Pelo vereador Eurípedes Barsanulfo foi dito que, nesta questão de pagamento de torre, averbava-se de suspeito, deixando de votar qualquer medida neste sentido, assim como deixava também de discutir; ninguém mais pedindo a palavra, posto a votação, foi unanimemente aprovado ”. 

Historicamente, o que se sabe do Relógio da Matriz - além de um registro confirmando suas peças como de origem alemã - cessa com essas informações encontradas na pesquisa de Amir Salomão. Nada mais, a não ser várias Indicações apresentadas por vereadores ao longo dos anos para mantê-lo funcionando. 

O próprio escritor, então vereador, assinou com o também vereador João Bosco Martins, já em 1985, um projeto de lei declarando o 'regulador público' da cidade como de utilidade pública, transformado na Lei Municipal n° 171, de 25.5.88, pelo então prefeito, José Alberto Bernardo Borges, mas o relógio continuou mudo no alto da torre, “em total desprezo pelas administrações públicas”, lamentou o escritor. 

Se é de Utilidade Pública, pode até ter consignado em orçamento uma dotação própria para sua manutenção. Mas de  nada adiantou a Lei. Só 11 anos depois, graças a uma iniciativa, não do prefeito, mas do empresário Sebastião Olinto Scalon, com o endosso da comunidade e apoio da paróquia e da administração pública, com base na antiga lei, o histórico 'regulador público' foi reparado pelo relojoeiro de Conquista, Odílio Fuquisato, em 1.996, e voltou a badalar suas horras. 

  Por pouco tempo. O seu funcionamento depende de uma pessoa responsável para, diariamente, dar corda ao seu mecanismo, e manutenções periódicas. Mas a displicência desses detalhes são gritantes por parte das administrações públicas que se sucederam e novamente lá está ele, surdo e mudo, no alto da torre esquerda da Matriz, apenas como uma relíquia centenária.

As palavras do escritor, então vereador, Amir Salomão Jacób, proferidas em forma de desabafo na Câmara Municipal, há 23 anos atrás, continuam presentes e ressoam ainda fortes como naquela noite de uma segunda-feira de 1985: “No seu posto de vigia, o relógio da Matriz espera tranquilo que alguém volte a lhe dar vida, a lhe dar a oportunidade de conviver de novo conosco e nós queremos crer que este tempo chegou”.  

 

O Big Ben Sacramentano

A história do Regulador Público, nome pomposo do relógio da torre esquerda da Igreja Matriz, completou, na última quinta-feira, dia 17 de dezembro, 100 anos. Idade bastante para estar aposentado não fosse uma máquina feita de engrenagens de ferro, reproduzidas e reconstruídas por um bom torneiro. Mas está, não pela falta do bom profissional ou de um bom consertador de relógio, como o velho e sábio italiano, Odílio Fuquisato, da vizinha Conquista. Foi ele o autor do último reparo no centenário 'Regulador', em 1996, deixando-o novo, com uma única recomendação: 'Ele não é automático, não é movido a energia solar, nem a pilha, muito menos a bateria. Prá ele continuar funcionando, é muito simples, é só dar corda”. 

E não é que não deram corda no velhinho!! Que saudade do Borjão! (*) Fosse ele vivo, o Regulador estaria marcando as horas do dia a toda força. Bom, nem tanto, 100 anos a gente pode dar um desconto. E com Toninho o relógio também se aposentou.  Mas quem quer saber as horas, ouvindo o badalar de um sino (que há 100 anos era ouvido por toda a cidade) no centenário relógio da Matriz, se todo mundo tem um relógio de pulso? Minto, se todo mundo tem um celular que, além de conectar na net, além de baixar música, além de 'captar imagens' (Meu Deus, captar imagens!!?), além de enviar e receber emeios, mostra as horas. Ah, e serve de telefone. 

É verdade! Ninguém, no burburinho silencioso do Passa Perto de 1908, ficava sem ouvir o relógio da Matriz.  Era possível, sim, ouvir as suas badaladas, do Santo Antônio ao Rosário; do Chafariz ao Atrás do Morro. Como o velho sino do Desemboque era ouvido a léguas de distância pelo vale do rio das Velhas, nas histórias sábias do velho prof. Vicente Hermógenes de Araújo, sobrinho do velho cônego Brunswick. Hoje, no frenesi diário da cidade quase bicentenária, marcado por uma poluição sonora de centenas de veículos, estamos mais ligados à informação da motoca que passa com uma caixa de som na garupa, com seus 200 decibéis, anunciando  para o final de semana o rararau do balacobaco no Bambul Bar. 

Nosso Regulador Público foi colocado no alto da torre da Matriz apenas 49 anos depois do Big Ben ser instalado na torre de Santo Estéfano, do Palácio de Winstminster, em Londres, no ano de 1859. O mais famoso relógio do mundo (ou o seu grande sino de 13 toneladas), como nosso Regulador, também precisou de reparos, depois que dois pássaros assentaram em seu ponteiro de segundo, que mede, nada menos que 4,30 m, atrasando o Big em cinco minutos. E como para os ingleses, relógio que atrasa não adianta nada, com o perdão do trocadilho, a Rainha autorizou o conserto, dentro da pontualidade inglesa, na hora.  Aqui, nossos sucessivos 'reis' não vendo, na preciosa relíquia, nada mais do que um velho e ultrapassado pacatão, fica entregue ao desleixo, com raras exceções. 

Como a lembrança despertada, 77 anos depois, mais precisamente em 1985, pelo escritor Amir Salomão Jacób, lavrando em uma das sessões da Câmara Municipal, um poético manifesto, evocando a importância do 'regulador público', que ele mesmo tornou de Utilidade Pública: “O relógio da Matriz, por longas décadas, foi um companheiro fiel da vida de nosso povo, nas horas felizes e nas horas de dor (...) assinalando a cada 30 minutos, o horário do trabalhador, o horário apurado de uma dona de casa, o horário exato do estudante na escola, ou ainda mais, a expectativa da chegada de uma festa ou de uma despedida dolorosa. (...) Mas hoje, essa preciosidade de nossa história se encontra mudo, desprezado, emperrado, desconhecido das novas gerações (...)”. 

Em 2008, continua mudo, desprezado, emperrado e desconhecido. Oxalá, a partir de janeiro, com o assento de novos eleitos nas duas duas casas de governo faça-se algo definitivo e sério, confirmando a proposta do governo entrante, 'Mudar prá Valer'. (WJS)