Na edição anterior, o ET publicou matéria de capa estampando uma pergunta na sua manchete principal: POR QUE TANTA VIOLÊNCIA? Como é que dois adolescentes, de apenas 16 anos, foram capazes, segundo representação do Ministério Público, depraticar um crime tão cruel? Tirar a vida do confeiteiro Nelsinho, um trabalhador idôneo, uma pessoa boníssima, reconhecidamente sem maldade.
Uma pergunta intrigante que o ET questionou com o juiz Stefano Raymundo Renato, que presidiu a audiência de apresentação dos dois meninos, nessa quarta-feira 9, e que foram encaminhados no dia seguinte para uma casa de ressocialização de menores, em Uberlândia.
Veja as respostas do juiz nesta entrevista.
ET - Concluída essa fase policial, agora começa o trabalho da Justiça?
Juiz Stéfano - Sim, 45 dias é o prazo máximo que temos para concluir o processo. A representação veio pela prática de ato infracional análogo ao crime de roubo seguido de morte, conhecido como latrocínio. Eles ficaram provisoriamente no presídio de Sacramento por cinco dias, prazo máximo de permanência em local que não tem característica de acolhimento de menores, antes de serem encaminhados ao Centro Sócio Educativo de Uberlândia, conforme autorização expedida hoje (09/03) pela Secretaria de Estado de Defesa Social.
ET – O que acontece nesta primeira audiência de apresentação?
Juiz - Nesta primeira audiência, hoje, o Promotor oferece a representação. Os menores foram citados, ou seja, tomaram ciência da acusação que pesa sobre eles e, assistidos pela Defensoria Pública foram ouvidos em relação aos fatos narrados na representação.
ET – Na fase do inquérito policial, foi constatado que VSR e JVS estavam no local do crime. Embora o primeiro tenha assumido a autoria, a culpa recai sobre ambos?
Juiz - É o que o Ministério Público (MP) pretende com a representação. Embora, apenas um tenha assumido o ato, o MP representou pela internação provisória dos dois e coloca-os como coautores. Vamos analisar os argumentos do MP e da defesa. É prematuro eu dizer qualquer coisa quanto a resultado, agora. Mas posso dizer que o requerimento do MP é para que a justiça reconheça coautoria em participação e em conluio.
ET - É comum a sociedade afirmar que essas instituições de ressocialização não recuperam os menores, pelo contrário, os tornam mais perigosos. O Sr. concorda?
Juiz – Não. Não acredito que ele saia de lá mais perigoso, até porque hoje temos administrações bastante competentes nesses centros de internação provisória e, principalmente, nesses centros de cumprimento de medidas sócio educativas fechados, como é o caso de Uberlândia. Lá, eles têm uma programação diária de atividades diversas, acompanhamento, atendimento com psicólogos, atendimentos individuais. Eu não acredito que eles saiam piores, porque hoje temos aparato e planejamentos muito bons. Agora, tudo depende de como eles vão reagir nesse período. Como é que um fato de consequências gravíssimas como foi esse vai impactar na consciência e na vida desses adolescentes.
ET – O psicopedagogo Içami Tiba tem uma frase peculiar, diz que a 'melhor maneira de educar um filho para não vencer na vida é não impor a ele nenhum limite. O Sr. concorda com essa assertiva?
Juiz – Não conheço a obra do autor para formar uma opinião definitiva. Mas, na maioria das vezes, esses casos estão relacionados, sim, à desestrutura familiar, os limites e a educação dependem muito da interação dos pais e responsáveis na condução desses meninos. Outra coisa que potencializa bastante esse tipo de crime é o uso de drogas. Esses adolescentes, normalmente, estão envolvidos com drogas pesadas, como “crack”, que acaba perturbando o senso de disciplina, ético e moral desses jovens. Temos princípios de educação básica do que é certo e errado e que os pais sendo responsáveis, pessoas honestas, idôneas, trabalhadoras sempre souberam indicar esse caminho para os filhos. Se os pais percebem algo diferente, nada mais justo que fazer uma intervenção sobre as companhias, vigiar os lugares que frequentam, desvios de comportamento. Devem, sim, intervir, procurar ajuda e ficar atentos. É na infância e adolescência que se molda o caráter de um adulto. Depois de um certo estágio, não se consegue mais moldar a personalidade. Seria como querer que um artesão moldasse um vaso depois que o barro já secou. O artesão tem que trabalhar enquanto o barro está molhado.
ET – Um final triste para ambas as famílias, a do Nelsinho, e dos pais dos menores... A justiça foi feita, Dr. Stéfano?
Juiz - A justiça dá a resposta de acordo com a lei. Eu não posso ir além do que o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) me permite como juiz e cumpridor da lei. Se a resposta foi justa para alguns e injusta para outras, fica a critério de cada um. Eu só posso agir de acordo com a lei.
ET - Esse caso de Sacramento foi inédito na sua carreira de magistrado?
Juiz – Não. Infelizmente, já vi, sim, caso semelhante, na comarca de Frutal, em que a vitima, por ter amizade com um dos adolescentes permitia-lhe acesso a sua residência. Numa dessas visitas, acompanhado por um outro amigo, entraram na casa, praticaram o roubo e o mataram.
ET - Os menores, que estão hoje com 16 anos, são obrigados a cumprir os três anos de internação ou, quando completarem 18 anos, estarão livres?
Juiz - Mesmo quando os dois completarem 18 anos, continuam na instituição, até completarem os três anos de internação. Não há impedimento legal para isso. No caso, eles seguem até os 19 anos. Ressalto, porém, que eles podem, eventualmente, voltar ao convívio social antes dos três anos se houver parecer favorável da equipe técnica que faz o acompanhamento e reavaliação da necessidade da medida de forma periódica.
ET – O Sr. é a favor da lei que tramita no Congresso Nacional sobre a redução da maioridade penal para 16 anos?
Juiz - Veja bem, quando se trata da maioridade penal, tratamos da possibilidade e capacidade de o agente entender o caráter ilícito do ato no momento que o pratica. Então, se perguntarmos para psicólogos, psiquiatras, pessoas da área médica se, com 16 ou 17 anos, o adolescente tem maturidade total de entender a gravidade dos seus atos e responder penalmente, sofrendo as sanções previstas no Código Penal, penso que a resposta será afirmativa.
ET – Na sua opinião...
Juiz - Na minha opinião, temos que entender que maturidade todos eles têm, todos eles têm capacidade cognitiva de entender o ilícito do fato. Acontece que muitos que se posicionam contra a redução da maioridade penal, não porque os adolescentes não compreendem a gravidade do fato, mas porque não temos vagas em instituições adequadas. Ouve-se muito: 'Nós vamos jogar esses adolescentes em presídios, onde eles terão contato com outros indivíduos que já vêm praticando crimes há muitos anos e que não têm chances de ressocialização'.
ET – E não é verdade?
Juiz - Essa é uma questão muito delicada, porque se por um lado eles têm que ser responsabilizados, porque têm consciência do que praticam, por outro, eles não poderiam ser colocados, a meu ver, junto dos adultos que já vêm levando essa vida de crimes há vários anos. Eu sou a favor de uma solução intermediária. Nós manteríamos o tratamento dos adolescentes entre 16 e 18 no ECA, mas mudaríamos o período de internação para casos graves, para atos infracionais comparados a crimes hediondos, como o latrocínio, que é o caso que estamos apurando agora, homicídio, tráfico de drogas. Esses crimes graves teriam um tratamento mais rigoroso, ainda assim dentro do ECA.
ET - Como seria o tratamento dentro do Estatuto?
Juiz - Nessas instituições de cumprimento de medidas sócio-educativas. Mesmo que tratemos todos os adolescentes com mais rigor, nós ainda vamos colocá-los numa situação de proteção, porque o local para cumprimento dessas medidas sócio educativas de internação não seria o presídio, mas, sim, instituições especializadas. Nós precisamos endurecer, porque o ECA não impõe qualquer intimidação ao adolescente, a sensação de impunidade do adolescente é muito grande.
ET - Qual seria sua sugestão para esse 'tratamento mais rigoroso' desses menores em casos de crimes hediondos?
Juiz - Eu sugiro, mas claro, precisaríamos debater o assunto, o seguinte: se a internação máxima hoje é de três anos, não poderíamos colocar mínima de 5 e máxima de 10 anos? Ou, mínima de 3 e máxima de 8 anos? O fato é que precisamos endurecer o tratamento, mas sem colocá-los junto de outros presos que já optaram por essa vida de criminalidade. Entendo que, entre 16 e 18 anos, embora a gravidade do fato seja indiscutível, eles ainda têm condições de serem trabalhados. A meu ver, colocá-los com adultos cuja forma de vida, atitudes e pensamentos já estão sedimentados, iria prejudicar a possibilidade de recuperação desses adolescentes.