Edição nº 1362 - 17 Maio 2013
Fornecedores e compradores podem ser corresponsabilizados
Desde a manhã do dia, trabalhadores da carvoaria da fazenda Chapadão das Azagaias agardavam em frente à Prefeitura de Sacramento, por solicitação de auditores do Ministério do Trabalho e Emprego, para fazer acerto dos dias trabalhados que não foram pagos pelo gerente Dengo e assinar a rescição contratual.
Segundo o Ministério, apesar de a maioria não ter a carteira de trabalho assinada, os direitos trabalhistas são garantidos. E mais, os auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) elaboram um relatório sobre a fiscalização que é e repassado ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para que os responsáveis possam ser responsabilizados e para que sejam tomadas providências para evitar a repetição da situação.
O Procurador do Trabalho, Paulo Gonçalves Veloso explica que a função do MPT é fazer com que as irregularidades cessem. Para isso, pode propor um termo de ajustamento de conduta ou uma ação civil pública. O primeiro procedimento é válido para casos em que o empresário concorda com a situação, enquanto o segundo, é tomado caso haja discordância. Além disso, será averiguado quem está envolvido na cadeia do carvão da fazenda Chapadão da Zagaia. Fornecedores e compradores podem ser co-responsabilizados caso estejam envolvidos.
Depois da tortura, agora vem o trabalho escravo
Mais uma vez a cidade de Sacramento vai parar na grande mídia nacional por conta de mazelas de gente inescrupulosa. No último mês, a denúncia contra torturas cometidas contra presidiários, na cadeia pública local, ganhou manchete no estado e, agora, um grupo de trabalhadores da carvoaria da fazenda Chapadão da Azagaia, administrada pelo gerente Dengo e pelo capataz, Estrangeiro, era mantido, segundo o jornal Estado de Minas, em regime de trabalho escravo. Afirma o jornal que, além dos 28 adultos, duas crianças menores de cinco anos e dois adolescentes se encontravam na fazenda, com a liberdade cerceada por capatazes. "A condição de degradação é clara, tanto no alojamento quanto na frente de trabalho", afirmou ao jornal, o auditor fiscal e coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, Marcelo Gonçalves Campos. Os trabalhadores denunciaram as condições desumanas e degradantes do trabalho. Praticamente sem equipamentos de proteção e segurança, como óculos, capacetes, luvas e camisas de mangas longas, os trabalhadores eram obrigados a transportar toras de eucalipto até os fornos onde a madeira é queimada, com homens e mulheres se dividindo nas tarefas. “- Os chefes fornecem apenas as botinas. Assim mesmo, é feita uma anotação em um caderno para identificar quem as recebeu. Caso tenham coragem de abandonar o emprego antes de completar dois meses de trabalho (ou consigam sair de algum modo, como aconteceu com Diorles Henrique Malta, que, enganado, trabalhou somente por cinco dias na carvoaria, com o irmão), são obrigados a pagar o valor dos calçados. Além da bota, são cobradas despesas com sabonetes, cigarros, remédios, sucos e tudo mais que for encomendado da cidade”, ”, relata um trabalhador ao jornal EM. De acordo com Diorles, que também falou ao ET, ele foi contratado como operador de máquinas, com um salário mensal de R$ 2,3 mil, mas ao chegar à carvoaria foi obrigado a “rolar tora para dentro dos fornos”, serviço que suportou só por cinco dias. Ele e o irmão deixaram a fazenda na caminhonete do próprio Dengo, esperando que o acerto dos dias trabalhados fosse feito na cidade, conforme o valor prometido. “- Chegando aqui, ele queria me dar R$ 25 por dia trabalhado. Agora faz as contas aí para ver se, em um mês, isso dá R$ 2,3 mil", conta Diorle ao repórter. “Até comida pode estar na lista – denunciaram mais os trabalhadores ao repórter do EM. Afinal, são só três refeições por dia. Pela manhã, o pão seco com café preto; por volta das 11h, depois de quatro horas de trabalho intenso sob sol forte, é a vez do marmitex de arroz e feijão com macarrão e um pedaço de carne. O mesmo prato se repete às 18h, quando é servida a última refeição. Caso queiram algo mais até a hora de dormir, é preciso pagar à parte’’, afirma. Ainda segundo Diorle, bebida alcoólica é terminantemente proibida na fazenda. ‘‘Na última vez que trabalhadores conseguiram escapar até um vilarejo próximo para comprar cachaça, acabaram apanhando na volta”, finaliza.
Dinheiro só no fim do contrato
De acordo com as denúncias relatadas pelos trabalhadores ao EM, “no período em que ficavam confinados, trabalhando, ninguém via a cor do dinheiro. O pagamento só era feito quando encerrado o "contrato". Além disso, a distância entre a zona rural e a sede da cidade isolava os trabalhadores. São mais de 80 quilômetros de estrada de terra, o que, de carro, significa quase uma hora e meia devido às condições precárias. A pé é praticamente impossível.
Luís Eva de Sousa aceitou a proposta de um homem chamado de “Estrangeiro” para se mudar com a família e enfrentar as dificuldades do carvão. Acostumado com as lavouras de diferentes pontos do estado, ele acreditava que o desafio não seria difícil. Mas a surpresa foi negativa. "Nós sofre (sic) aqui dentro", relatou ao jornal.
“Outra da família que estava na fazenda era dona Maria Aparecida Souza. Em uma função menos desgastante, ela era uma das responsáveis pela cozinha. Em um fogão à lenha, fazia a refeição de todos e tinha a ordem de regrar nos pratos. “Um só pedaço de carne, o que enche barriga é arroz.”
Fora isso, tanto Luís como Maria Aparecida – além da filha adolescente e seu marido – eram obrigados a dividir o alojamento com outros trabalhadores. No espaço, não havia distinção de sexo, nem importava o fato de serem casados ou a presença de filhos. Sob colchões nada confortáveis, eram obrigados a dormir e a enfrentar o frio da estrutura de madeira sem cobertor. O artigo de luxo tinha que ser comprado: R$ 15 a unidade. Valor cobrado de trabalhadores em água potável disponível e que, às vezes, eram obrigados a tomar banho numa represa próxima”.
Informa mais o jornal que a redação do EM tentou contato com o proprietário da fazenda, mas não obteve resposta.
(PRF)
Trabalhadores aguardam para fazer acerto
As 32 vítimas resgatadas pelo MPT, MTE e Polícia Federal, na terça-feira, 14, na carvoeira da fazenda Chapadão da Azagaia foram trazidas para Sacramento e hospedadas no Rio Grande Hotel, onde permanecem até esta sexta-feira, 17, cumprindo expedientes para acerto das contas dos dias trabalhados.
O tratorista Diorles Henrique Malta, 31, era um dos poucos que não estava hospedado porque reside em Sacramento, mas aguardavam do lado de fora do hotel junto aos demais trabalhadores. “O Ministério Público arrumou a hospedagem pra todos e hoje vamos fazer o acerto às 14 horas. Depois cada um vai para a sua cidade, mas foi tudo arrumado pelo MP”, informou, declarando-se satisfeito com o atendimento no hotel e com a ação desencadeada. “A gente está sendo muito bem tratado, esta ação salvou muita gente, porque era uma situação desumana, agora cada um vai para o seu ligar de origem”.
De acordo com Diorles, a denúncia inicial que desencadeou toda a ação da Polícia Federal e ministérios foi feita por W.P., que já não está mais na cidade. “Eu vim embora e ele me procurou pedindo um pernoite e disse que iria a Uberaba ou Brasília. Ele estava com uma carta escrita por ele e disse que iria ao Ministério Público denunciar. De fato, ele fez a denúncia e no dia seguinte o pessoal da Polícia chegou em casa me procurando pra ir com eles na carvoaria. Acho que fiz uma boa ação e tenho consciência limpa. Não denunciei ninguém, mas acompanhei as polícias até o local”, informou, completando: “Ao chegar lá, foi um corre-corre prá todo lado. O Estrangeiro estava no mato acompanhando o pessoal e mandaram buscá-lo, depois o Dengo chegou, mas foi um alívio pra todo mundo quando as autoridades chegaram”.
Diorles não sabe informar quem é o proprietário da carvoaria, sabe apenas que os administradores são Dengo e Estrangeiro. “Conheço 'eles' por esses nomes, mas eles são de Sacramento e, quando eu cheguei lá já trabalhavam 27 pessoas, só que eu e meu irmão não ficamos”. Segundo Diorles, ele foi contratado para ser operador de máquina, com vencimentos de R$ 2.300,00, mas só ao chegar ao local, onde funcionam cerca de 120 fornos, viu que fora lesado” - contou.
Afirma mais o tratorista que os patrões não cumpriram o acordo. “'Me'prometeram uma coisa e lá me botaram pra rolar tora pra boca de forno. Só fiquei cinco dias. Bati o pé que viria embora, subi na caminhonete do Dengo e nada me tirava de lá. Quem faz o pagamento é o Dengo, só que as pessoa fica cinco, seis meses e até mais, como tinha gente lá há onze meses, sem receber nenhum centavo. Ele só acerta, quando a pessoa sai, ele paga o que ele quer. Ele não tem escritório na cidade. Para a caminhonete na beira do asfalto e faz o pagamento”, explica.
Questionado se o que viu na carvoaria ele caracterizaria como trabalho escravo, Diorles foi claro: “Olha, pra ser sincero, vi e ouvi muitas coisas lá que doem na gente. Eu ouvi gerente dizer, 'a pessoa recebe o valor que merece'. Não havia um valor determinado, era R$ 10,00 R$ 15,00 até R$ 25,00, pra trabalhar nove, dez horas por dia corrido. Não havia coisas de segurança (equipamentos de proteção individual- EPIs) para ninguém. Era dormindo todo mundo junto, homem, mulher, criança, tudo num alojamento de tábua”.
Denunciou também a qualidade das refeições servidas. “A comida era precária. De manhã um café preto com pão puro, murcho, pão de semana; o almoço era arroz, feijão, macarrão e um ou dois pedacinhos de carne mínimos; às 4h00, café preto com pão murcho e às 6h00, 7h00, o jantar, a mesma coisa do almoço. Depois mais nada, se a gente não ficasse alimentado, ia dormir com a barriga roncando”, informou.
Graças a Deus hoje pego meu dinheiro e volto para casa...
Antônio dos Reis, 45, natural de Pará de Minas, trabalhava na carvoaria há pouco mais de um mês, mas já estava decidido a ir embora. “A gente veio, porque lá em Pará as coisas são difíceis, lavouras perdem com a seca, perdemos tudo na roça e, não tem serviço. Aí deixei a família lá, a esposa, dois filhos menores e vim pra cá trabalhar pra ganhar R$ 30,00 por dia. Só que não davam nada pra gente, nem calçado nem luva”, contou, denunciando também a refeição muito fraca.
“- A comida muito fraca, sem sustância. Eu comecei limpando toco, depois me mandaram encher forno e eu tinha que levantar aquelas toras. Sentia fome, era muita fraqueza porque a comida é fraca. Essa é a primeira vez que saio pra trabalhar foram, mas nunca passei pelo que passei aqui”.
De acordo com Antônio, a água não era paga, mas era levada numa pipa. “A gente bebia água da pipa, mas a gente não sabe onde eles pegavam, mas era o que tinha. Se quisesse mais ia para o caderno pra descontar no acerto”.
Antônio, que nunca tinha estado na região, se confessou decepcionado. “A gente sai da terra da gente por precisão e vai em busca de dias melhores e chega aqui... Não tenho nem palavras pra falar”, afirma.
Antonio conta que naquele dia 14, ele estava saindo da firma. “Eu resolvi ira embora, saudades da família, dos filhos. Não tem como telefonar, é muito longe, telefone não tem sinal nenhum, aí falei pro Dengo que não iria esperar os 60 dias. Eu e mais cinco estávamos vindo embora. Aí, o Dengo parou num posto (Posto do Tião) e mandou a gente esperar ele pegar o dinheiro na cidade pra fazer o pagamento”.
Prosseguindo, afirmou que permaneceram a espera no Posto até a hora do almoço, quando Dengo retornou, mas sem o dinheiro. “ 'Não vou fazer o pagamento agora não, porque o dono da fazenda me ligou dizendo que um pessoal está lá e a situação está feia', disse ele, pedindo pra gente esperar, porque ele estava retornando pra fazenda. E ficamos esperando, esperando e até ficamos preocupados com o que poderia estar acontecendo com os companheiros que haviam ficado. Aí, chegou um rapaz dizendo que a coisa lá estava feia, que as autoridades tinham chegado lá e, que todos viriam embora. A gente ficou esperando, mas resolvemos vir a pé do posto pra cá, chegamos à cidade já era noite e as coisas começaram a acomodar. Graças a Deus hoje pego meu dinheiro e volto pra casa”.
Israel Carlos, 34, de Quartel-Geral, havia chegado à carvoaria há 15 dias e se declara feliz por sair de lá. “Eles foram lá nos buscar, mas era muito sofrido”.
Outra vítima, que não quis se identificar, veio de Serra Nova, distrito de Rio Pardo (MG). “A carvoaria era ilegal, a Justiça foi lá e fechou”, contou, mas não quis dar mais declarações. Outro, que também não se identificou, trabalhava há quatro meses no local. “Quatro meses de serviço sem ver um tostão. Eu cobrava pra receber, ele não pagava. Ele disse que quando eu fosse embora, ele acertaria, porque não tem escritório em Sacramento. Só que ele faz o pagamento é dentro do carro na estrada e paga como quer, não como o combinado. Vim pra fazer um serviço, mas ele manda fazer outro e não paga de acordo. A gente sobrevivia, porque trabalhava livre”.
Outros que se encontravam no hotel se recusaram a falar sobre o assunto.