Não é a primeira vez que o Presídio de Sacramento (foto) recebe denúncias de tortura e maus tratos a presidiários. Em 2005, ainda sob guarda da PM, o preso Hélvio Marques Dutra, 31, foi notícia no ET (foto) quando foi parar na UTI do Hospital São José, em Uberaba, vítima de queimaduras de segundo grau e lesões no corpo causadas por espancamento desferido pelos próprios presos. Recentemente, já sob administração da Suapi, outras denúncias causaram a transferência de um dos diretores do presídio pelo mesmo motivo.
Promotor e delegado apuram denúncia de tortura
Os Diretores do presídio de Sacramento, Aparecido Alves Claudino e Paulo Geovane de Castro, estão sendo investigados por crimes de tortura prevaricação, abuso de poder e uso indevido de viatura. Paulo Geovane não trabalha mais na cidade.
O ET divulgou a notícia na edição do dia 12 com declarações do delegado Rafael Jorge, sobre o inquérito instaurado a pedido do promotor José do Egito Castro Souza. Naquela edição, o delegado confirmou a notícia, sem maiores detalhes. Mas no dia 10 de abril, o jornal da capital, O Tempo, divulgou longa matéria sobre o assunto, informando as graves denúncias que pesavam sobre aqueles servidores.
Nessa terça-feira, 23, dois corregedores da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) estiveram na cidade para investigar as denúncias. Ouviu Aparecido e detentos do presídio local e também o delegado Rafael Jorge. O ET esteve no presídio, na tentativa de falar com os corregedores e com o diretor Aparecido Claudino, mas através do porta-voz, o agente Arnaldo Barreto, fomos informados de que “eles estão ainda na fase de investigação e não estão autorizados a dar nenhuma declaração”, confirmando que o agente Paulo Geovane não trabalhava mais no presídio de Sacramento.
Na Delegacia, o titular Rafael Jorge informou que segue com a oitiva de detentos, agentes e familiares. “Por determinação do MP, instaurei inquérito para apurar as denúncias. Já ouvimos várias pessoas e ainda temos diversas diligências a serem feitas para a devida apuração desses fatos”, disse, confirmando que os diretores são alvos de muitas denúncias sobre suas condutas e muitas estão sendo apuradas pela Corregedoria da Seds. “Nós, até o momento, não concluímos o inquérito para poder afirmar se praticaram ou não tortura. Temos que aguardar o desenrolar dos fatos”, ponderou.
Denúncias foram feitas à ouvidoria do MPMG
O promotor da comarca, José do Egito Castro Souza, em entrevista a este jornal, na quarta-feira, 24, informou que o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG, através da Ouvidoria, mantém aberto um canal de comunicação com cidadãos, entidades representativas da sociedade civil e órgãos públicos, além da própria Promotoria de Justiça, inclusive, para recebimento de reclamações.
“- Em decorrência, recebemos quatro reclamações noticiando denúncias de irregularidades no presídio local. Na oportunidade, requisitei à autoridade policial que instaurasse dois inquéritos para investigar denúncias de possíveis crimes. O senhor delegado de polícia instaurou os inquéritos e continua investigando os fatos e eu, sempre que posso, acompanho algumas oitivas, com a presença também de advogados da Comissão de Direitos Humanos da OAB, subseção de Sacramento. Contudo, o conteúdo das apurações não está sendo divulgado para preservação da integridade dos envolvidos, inclusive, em atendimento a pedido”, informou.
Concomitante, o promotor de Justiça José do Egito instaurou na Promotoria, dois procedimentos administrativos. “Estamos apurando os fatos que tratam de uso indevido da viatura, abuso de poder e o desvio de material de construção da delegacia que está sendo construída próxima ao presídio. Entendeu-se na época que esse desvio de material fosse crime de peculato (delito praticado por funcionário público). Com a instauração de inquérito policial a respeito, foram ouvidas várias pessoas, mas a Prefeitura, através de ofício assinado pelo então prefeito Wesley De Santi de Melo e pelo engenheiro Sérgio Araújo, declarou que o diretor Aparecido Claudino tinha sido autorizado a retirar os materiais para a construção de uma pequena oficina de trabalho dentro do presídio. Como não se apurou crime, pedimos o arquivamento do inquérito, e a MM. Juíza da 1a Vara determinou seu arquivamento” , justificou.
Em razão de alegações de que os fatos poderiam caracteriza improbidade administrativa pela direção do presídio, ou seja, ato ilegal, desonesto, contrário aos princípios básicos da administração, o promotor instaurou procedimento administrativo e determinou a extração de cópia integral do inquérito para juntar nesse procedimento. Informou ao ET que vai complementar as investigações e analisar.
“- Se for caracterizado um caso de improbidade, o caminho é o oferecimento de ação civil de improbidade para processar os responsáveis; caso contrário, ou seja, caso entenda que não se trata de improbidade, pediremos o arquivamento do procedimento administrativo ao Conselho Superior do Ministério Público. Não podemos adiantar nada a respeito, sob pena de prejulgamento, exceto que as denúncias dizem respeito aos diretores do presídio", destacou.
Sobre a notícia publicada no jornal O Tempo, o promotor explicou que a imprensa da capital tem acesso não só à assessoria de imprensa do Ministério Público em Belo Horizonte, mas também a outros órgãos. “A assessoria de comunicação do MPMG entrou em contato comigo, porque o jornal queria informações sobre o andamento das investigações. Eu lhe disse que os fatos estão sendo investigados, mas que não adiantaria nada em relação ao conteúdo dos depoimentos, porque ainda estava na fase de investigação e qualquer declaração que desse naquele momento, sobre conclusão das apurações, estaria sendo precipitado”.
Mãe de detento confirma denúncias
O jornal O Tempo publica na mesma edição uma minientrevista feita com a mãe de um detento. Ao ET, a mãe confirmou ter dado a entrevista e discorda apenas de uma informação publicada pelo jornal, informando que ela chegou a ver o filho ensanguentado após as torturas. Veja a entrevista que a mãe concedeu ao ET:
ET – A Sra. confirma todas aquelas declarações publicadas pelo jornal O Tempo?
Mãe – Sim, confirmo. Eu apenas não disse que vi 'ele' ensanguentado. Tudo aconteceu quando ele fugiu do presídio uma vez e, depois de ser recapturado, foi arrastado pelas ruas da cidade a mando de um dos diretores. Ficou muito machucado, porque vários agentes bateram nele. Ele me queixa até hoje que sofre dores nas costelas e nos rins.
ET – A sra. viu os ferimentos sofridos pelo seu filho?
Mãe - Eu não afirmei ao jornal que vi meu filho ensanguentado, porque eu não vi. Ele me contou depois e fiquei sabendo por outras pessoas do que aconteceu. Sei que ele sofreu muita pancada e tortura. Me contaram que ele foi amarrado com os braços pra cima, que havia um tambor dá água e eles afundavam a cabeça dele na água.. 'Me' contaram muita coisa que me magoou muito.
ET – A sra. conta no jornal que não denunciou o fato naquela época por medo de represália. Ainda está com medo?
Mãe – A gente sempre tem medo. Não fui eu quem fez aquelas denúncias às autoridades. Ainda recente, me telefonaram afirmando que minha casa está sendo monitorada. Então, estou com medo, sim. Oro pra que tudo isso acabe logo. Meu filho não merece toda essa injustiça que estão fazendo com ele. Ele é inocente.
Imprensa da capital divulga denúncias
No dia 10 de abril, o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, publicou matéria, assinada pela jornalista Natália Oliveira, destacando: “Sacramento: MPMG e Estado apuram ainda denúncia de prevaricação, abuso de poder e uso indevido de viatura. Diretores de presídio mineiro são investigados por tortura”. A notícia, que traz uma entrevista com um mãe de detento e diversos agentes não identificados, caiu como uma bomba.
De acordo com O Tempo, um dos agentes penitenciários, que pediu anonimato, informou que “um detento sofreu agressões tão violentas que chegou a ser transferido por dez meses para o Presídio de Patrocínio, no Alto Paranaíba, até que ele se recuperasse dos ferimentos. Ele teria sido espancado por ordem dos diretores, após ser recapturado durante uma fuga, em janeiro de 2011.
"- Ele mandou que a gente fosse atrás dele. Quando encontramos o detento, pedimos a viatura, e o diretor de segurança disse que não mandaria. Ele nos mandou levar o preso a pé, dizendo que era para todos da cidade verem como ele tratava fugitivos. O preso foi literalmente arrastado pela cidade", contou o agente”.
A notícia segue afirmando: “Os diretores, ainda segundo o agente, ordenaram que o espancamento continuasse quando chegaram ao presídio. A mãe do preso confirmou as agressões e disse que não as denunciou porque foi ameaçada. Outros dois agentes confirmaram a agressão”.
Ainda segundo o jornal, “os agentes denunciam que recebiam ordens dos diretores para que trabalhassem como motorista da ex-mulher de um deles e ainda entregassem marmitex em suas casas, tudo com a viatura, em horário de serviço. Eles também seriam forçados a trabalhar mais de sete dias sem folga, e o ponto ainda seria adulterado para que o domingo trabalhado não fosse pago.
'- Se nós não fizéssemos o que os diretores mandavam, eles nos ameaçavam dizendo que quem fosse contra seus pedidos seria demitido do cargo. Além disso, os agentes que não concordavam com as ordens recebiam apelidos', afirmou um outro agente penitenciário”.
O jornal denuncia também a demissão de agentes que se negaram a cumprir determinadas ordens. “Desde que os diretores assumiram o comando de segurança e geral do presídio, em abril e setembro de 2011, respectivamente, 13 agentes foram exonerados do cargo. Eles alegam que foram retirados da função, porque não concordavam com a conduta dos chefes e se negavam a fazer favores pessoais a eles.
Em todas essas demissões, os diretores dizem que foi por causa de faltas ao trabalho, mas isso não é verdade. 'Eu, por exemplo, faltei somente duas vezes e porque eu estava doente. Mesmo assim, eu fui demitido', contou um agente que trabalhou no presídio até novembro de 2012”.
Segundo O Tempo, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) confirmou que as demissões foram motivadas por faltas. "É prerrogativa do Estado a extinção do contrato, feita para atender a uma específica situação de urgência para garantir a continuidade do serviço público. Portanto, as faltas comprometem as funções inerentes ao contrato”.
Outra denúncia do jornal é sobre trabalhos extras e alimentação. Ouvindo três agentes, informou O Tempo: “ 'Eles nos obrigam a trabalhar em eventos como se fôssemos policiais ou seguranças deles', contou um deles. 'Nosso banco de horas seria imenso e nunca foi controlado. E trabalhávamos fora do presídio', completou. A alimentação dos servidores também seria desviada. 'Nós recebíamos algumas caixas de leite, mas só tomávamos parte disso. O resto era encaminhado para a casa dos diretores', disse outro agente”.
De acordo com o jornal, o prefeito Bruno Scalon Cordeiro, enviou ofício à Seds pedindo apuração do caso e a secretaria informou que investiga as denúncias e que só irá se pronunciar após a conclusão do processo.