Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

PM prende professora

Edição n° 1214 - 16 Julho 2010

A professora de Educação Física, Eliana Cristina Borges, formada há 20 anos pela Faculdade Claretiana de Batatais, foi presa pela Polícia Militar, dentro da EE Barão da Rifaina, e conduzida na viatura policial até a Delegacia, depois de uma denúncia formulada por alunos adolescentes de sua sala, que a acusavam de ter agredido uma aluna. 

Na delegacia, a professora ficou detida em uma sala das 10h30 às 15h30 até prestar depoimento e ser liberada. 

Na última sexta-feira, 9, compareceu ao fórum para uma audiência com o promotor José do Egito de Castro Souza, que a condenou a pagar dez cestas básicas, no valor total de R$ 510,00, além de R$ 1.000,00 como honorários aos advogados que a acompanharam. 

A este jornal, Eliana afirmou que não maltratou a aluna, muito menos a agrediu, a ponto de deixar lesões, conforme foram as acusações. “Tanto é que o laudo de corpo de delito não registrou essas agressões”, afirmou, ainda muito ressentida com tudo o que aconteceu. 

 

Ser professor... é não perder jamais a dignidade!

 

Os fatos ocorridos na EE Barão da Rifaina, no início deste mês, quando, pretensamente, a Profa. Eliana Cristina Borges teria agredido uma adolescente e a jogado ao chão, culminando com a presença da Polícia Militar naquela escola dando ordem de prisão à educadora, levando-a presa na viatura policial até à Delegacia local, onde permaneceu das 10h30 às 15h30, trancada em uma sala por um agente, aguardando para prestar depoimento... nos estarrece.

Em nome da dignidade, talvez o último bastião que ainda resta e norteia os educadores, manifesto minha solidariedade à Profa. Eliana, profissional com quase 20 anos dedicados à Educação, sentindo com ela o constrangimento que por certo a invadiu naquele momento, além de minha íntima revolta por tudo o que aconteceu. 

 

Já passei por isso, amiga. A primeira vez, ainda nos tempos da Ditadura Militar, a Polícia Militar me seqüestrou de dentro da Escola Coronel com fuzis e metralhadoras. Além do medo, a revolta latente, a humilhação sentida, me fez por muitos anos desprezar a imagem da gloriosa Polícia Militar mineira. 

 

Recentemente, na defesa da qualidade do ensino, por conta da claudicante situação em que se encontra a Educação em nosso estado, mais uma vez fui vítima dos avatares enclausurados de gabinetes, que me exoneraram da função de diretor. Me senti de novo enojado por esses leguleios corrompidos pelo poder. 

 

Conheço o seu ódio, amiga, pela humilhação sofrida.  E a sua humilhação foi estendida à classe dos Trabalhadores de ensino. Com certeza, àqueles que ainda lhes restam um pouco de dignidade. Esses sofreram e solidarizam com você. Muitos não se expressam. Nenhuma palavra ouvi, nenhuma palavra vi escrita, nenhum telefonema me foi dito pelos mais de 150 diretores da circunscrição. Tudo por conta da mordaça arrochante do medo imposto à timidez lírica e inocente de nossos mestres, pelos semideuses das secretarias e superintendências, sempre atacados por sua bajulação delirante. 

 

Foi o tempo em que 'Ser Professor' era ter o reconhecimento da sociedade e do governo como um profissional responsável em transmitir, não apenas conhecimentos aos alunos, mas uma educação integral, na acepção de valores éticos, morais e religiosos. Éramos vistos e reconhecidos como 'pessoas importantes' na sociedade. 

 

É claro que nunca buscamos esse reconhecimento. Bajulação, bajulação!! Vaidade, vaidade!!! São predicados de pessoas pobres de espírito. Queríamos apenas respeito. E éramos todos respeitados na sala de aula. Esse foi sempre o reconhecimento que o educador buscou. Não diferente de qualquer profissional que se preze.

 

Nos dias de hoje o 'Ser professor' não é fácil! A começar da desagregação de grande parte das famílias, da falta de religiosidade, de uma TV excessivamente perniciosa aos bons costumes, da excessiva liberalidade dos filhos e a consequente falta de limites a eles consentida, tudo isso leva para as salas de aula, infelizmente, uma porcentagem de alunos cada vez mais rebeldes e inconsequentes, sem o mínimo respeito para com seus educadores.

 

Professsora de Educação Física, Eliana, assim como todos os professores que ministram essa matéria enfrentam uma situação hilariante. As novas determinações da Secretaria de Educação, através dos CBCs – Conteúdo Básico Comum, obrigam agora os professores a dar aula teórica de Educação Física. É mais ou menos como ensinar um aluno a nadar longe da piscina. Acostumados à prática esportiva e à ginástica, os alunos não aceitam mesmo uma burrice dessas. 

 

A propaganda de uma 'Escola pública mineira de qualidade' não condiz com a realidade de nossas escolas estaduais, conforme comprovam as avaliações de desempenho, abertas na net para quem quiser constatar. Greves se sucedem por melhores salários para os trabalhadores em educação (aqui entendendo-se professores, pedagogos e funcionários) à beira da miséria, quando não se abarrotam de dois cargos e mais os 'bicos' em escolas particulares.

 

Pelo contrário, estamos assistindo ao desmantelamento da Escola Pública, com recursos cada vez menores, um quadro de funcionário cada vez mais enxuto. Pasmem, professores de matemática obrigados a lecionar Física. Professores de Geografia a dominar os conteúdos de História... 

 

Na pauta das reivindicações, a classe clama também por maiores investimentos nas escolas, desde reformas físicas, ampliação de seu quadro funcional à melhoria de sua infraestrutura didático-pedagógica. Em 1997, ao assumir a direção da Escola Coronel, consegui com uma arquiteta amiga, o projeto de reforma para o primeiro bloco daquele educandário, datado do início do século passado. Anuamente atualizadas, as planilhas, seguiam sem retorno. Em 11 anos trabalhando com recursos próprios e ajuda da Prefeitura, durante todo esse tempo, sequer um engenheiro da Superintendência esteve no local para constatar a precariedade do prédio que ainda não caiu na cabeça dos meninos, nem sem por quê.

O que se percebe com as políticas adotadas pelo governo nos últimos 15 anos, é o enxugamento do gasto com a  Educação,  levando as escolas a mercê de todas as violências que ocorrem no dia a dia. Diante de tantos problemas familiares, diante de tantos valores desprezados e diante de tanta miséria de conceitos, nossas escolas públicas ainda não são dotadas de um psicopedagogo. Ao invés disso, convites são feitos a Promotores, a Delegados, Médicos como se fossem resolver com uma palestra os angustiantes problemas que afetam nossa carente e mágica juventude. 

 

Cara Eliana, não quero também com esse desabafo, eximi-la da culpa e do excesso praticado contra a pequena e indefesa aluna. Não. Mas não quero também crucificá-la pelo gesto. Erros, quem nunca os teve em suas atividades profissionais?  Minha intenção é mostrar a todos, que nossos arroubos em sala de aula, enquanto educadores, se devem à disciplina que prezamos, à ordem que, sem a qual, é impossível de se fazer uma aula bem feita. 

 

Uma boa conversa entre os envolvidos e a família bastaria para contornar a situação. Ambos cedem, ambos reconhecem seus excessos e a vida volta ao normal. “Roupa suja lava-se em casa”, já dizia minha sábia mãe. Quantas vezes, enquanto estive diretor, fui chamado por professores, para contornar e solucionar problemas, exigir disciplina e fazer cumprir o regimento interno da escola. Não porque eram maus professores, mas porque chegavam ao seu limite da tolerância. 

E como humanos que somos, nossa paciência, às vezes, não suportando os limites extremos da algazarra, se excede. Mas nunca vi nenhum professor causar lesões em quem quer que seja, conforme foi a denúncia contra a Profa. Eliana. Pelo contrário, vi dedicação extrema, vi carinho, vi doação, vi entrega, vi amor de sobra. A escola é um lar, vivenciando, junto a todos os seus problemas, uma interação de afeto e compreensão, de diálogo e harmonia. A escola jamais pode ser transformada em um pátio de correção.

 

A escola foi sempre entendida como uma extensão do lar. Isso não quer dizer que a família deve ‘jogar’ ali os seus filhos para serem educados. ‘‘Toma que o filho é teu’’, costumam dizer. Nunca. A família deve ser uma parceira da escola. Sempre entendi e sempre disse isso aos pais: ‘A escola não deve ter a ‘cara do diretor’, mas a cara da comunidade escolar, que se entende por servidores, alunos e pais, vivenciando uma inteiração e um diálogo constantes.

 

Hoje, o mero gesto de se elevar a voz ou de tentar conter um aluno para que não saia da sala de aula sem permissão é uma ameaça à nossa integridade pessoal. Aos alunos, o direito à liberdade total. Acesso fácil ao 'orelhão' para uma denúncia à Polícia, talvez por nada, apenas instigados por outros colegas que querem ver as aulas boicotadas pela desordem. 

 

É grande o desafio que os professores enfrentam hoje nas escolas em relação à indisciplina. Não existe mais liberdade com responsabilidade. 'Estudar para quê?' – perguntam muitos de nossos alunos.  O saber, o conhecer o mundo, a instrução, a educação, parece não ter mais sentido em suas cabeças. E os professores? Assistindo a cenas estarrecedoras como essa da Profa. Eliana, vão continuar sonhando com soluções mágicas.

 

É estranho. Mas ao completar 20 anos desde sua criação, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, parece ter levado às escolas,  mais indisciplina.  

 

É preciso apanhar, mas não elevar a voz, não tentar ensinar quando os alunos não 'estiverem a fim'. Fazer de conta que falta de limite e desrespeito ao próximo são atitudes inteiramente normais. Foi o que deduzimos da audiência com o Sr. Promotor Público, que impôs uma 'pena' de dez cestas básicas, no valor total de R$ 510,00, à professora. Que pode ser 'básica' para a autoridade judiciária, não para o miserável salário de nossos professores. 

 

O que se depreende diante de tudo o que a professora sofreu, é que ela foi a única culpada.  A decisão faz-nos crer no seguinte: Ao invés da máxima que o professor carrega na sua missão de ensinar, de mediar e promover a Educação e transformar nossos filhos em cidadãos atuantes e críticos, ainda que para isso baste, ser ríspido e defender sua autoridade...  o que nos ensinam as autoridades sacramentanas que julgaram o caso, é que você, cara amiga, deveria abandonar a sala, deixá-la à mercê da sorte e da algazarra e se afastar com uma licença médica, por um estresse qualquer. 

 

Cuidado, colegas! Mesmo sem nenhum sinal de agressão, conforme foi constatado no exame de corpo de delito, você pode ser preso dentro de sua escola e ser conduzido numa viatura policial e detido num quarto com chaves, durante horas. 

 

Diz a Profa. Eliana que pediu aos policiais para ir à Delegacia em seu próprio carro, mas não lhe foi concedido esse... nem  sei se é, direito. Mas trata-se de uma pessoa conhecida, uma educadora, uma cidadã com endereço certo, que não queria passar por aquele vexame diante da escola toda em polvorosa. 

 

Mas foi o tempo em que o professor era reconhecido como uma extensão da família. Aliás, eu soube depois, que os policiais, pela lei, foram benevolentes, pois a professora poderia sair da escola algemada. Faltou apenas esse ato para o circo ficar completo e os alunos aplaudirem.

 

Aos pais, uma última palavra, roubada de Içami Tiba: “A melhor maneira de educar um filho para não vencer na vida é simplesmente não exigir nada dele”. Em outras palavras, ao não impor nenhum limite, podemos criar um filho desajustado. 

 

E à colega Eliana, a palavra solidária e de conforto de um professor que viveu aos extremos toda essa violência. Querida amiga, tudo passa. Até o ódio e o nojo. A felicidade não se conquista vendendo a inteligência, o caráter e o coração. A felicidade está na compreensão da justiça, numa vida valente e digna, como é a do professor.

 

 

' Nossas escolas públicas, até hoje, ainda não são dotadas de psicopedagos.