Para o juiz, Fernando Humberto dos Santos, da Vara de Conflitos Agrários, mediador do acordo entre os acampados do MST e os filhos de Clanter Scalon, a decisão da audiência foi justa. "O acordo foi justo, porque hoje vivemos no sistema de propriedade do Direito antigo e dos novos fatos sociais, que surgem a partir do momento em que o homem do campo não encontra espaço para as suas atividades rurais e tem que ir para as cidades, para as periferias, onde a situação é muito mais difícil", disse.
Segundo o juiz, "pelo fato de muitas terras existentes no país não serem utilizadas adequadamente, o fato da questão social gerada por essa falta de espaço desse homem que veio do campo, estamos diante de um novo horizonte social no direito da propriedade da terra, onde o proprietário tem que utilizá-la muito bem para que ela não possa ser atribuída como área improdutiva, que não atenda a função social da propriedade e, por conseguinte, vir a ser desapropriada e destinada à reforma agrária".
Analisando esse contexto, Fernando Humberto concluiu que a área não é objeto de desapropriação. "Nesse contexto, chegamos à conclusão de que essa área não deveria ser desapropriada. Em virtude disso, o acordo é razoável, porque eles não iam obter essa área para se assentarem como donatários", explicou.
Questionado sobre em que circunstâncias o MST pode ocupar uma área de acordo com a legislação, o juiz foi categórico: "Ora, de acordo com a legislação, eles não podem ocupar lugar nenhum, hora nenhuma. A questão é que o problema social é tão intenso que se chega a esse ponto", disse o juiz, ponderando uma preocupação com as famílias acampadas. "Ontem, 14, quando deu aquela chuva à noite, estivemos inclusive com vocês da imprensa, no acampamento, fiquei pensando naquelas pessoas debaixo de lona, aquelas crianças... E tem gente que fica assim, quatro, cinco, oito anos na esperança de ter um lugar pra viver. Essa esperança é que move essas pessoas à ocupação. Elas não podem fazer isso, mas a vida as impulsiona a fazer essas coisas", disse, ressaltando: "Quando a gente consegue fazer a desocupação pacificamente da área, é um alívio para a Vara de Conflitos Agrários.
O juiz da Vara de Conflitos Agrários, Fernando Humberto dos Santos vistoriou o acampamento, por volta das 17h30 do dia 14, acompanhado do promotor de Justiça de Conflitos Agrários, Luiz Carlos Martins Costa; os juízes da comarca de Sacramento, Alaor Alves de Melo Júnior e Cíntia Nunes Fonseca; o Oficial de Justiça João Jerônimo, o Tigrilo; e representantes do Incra, Gutemberg José Leite Junqueira e Lúcia Maria Bicalho Bretas. Os filhos de Clanter Scalon, Leonel e Lester Scalon, acompanhados dos advogados Rui da Matta Costa e Juarez Ribeiro Venites, também estiveram no local, mas a pedido do juiz, permaneceram fora do acampamento para evitar possíveis conflitos.
A realidade dos acampados
As 35 famílias integrantes do MST chegaram à fazenda São Manuel, no dia 20 de novembro de 2005. Durante os quase três meses da acampamento ficaram no aguardo da posição judicial do pedido de reintegração de posse requerido pelos herdeiros de Clanter Scalon. Durante a vistoria, José Maria Messias, 52, natural de Tiros (MG), informou que não houve nenhuma depredação do local. "Não abatemos nenhuma rês, não devastamos as matas, fizemos os barracos com bambu e limpamos, capinamos o entorno da sede para o plantio de milho e uma horta agrícola.
Afirmando que havia uma lavoura de café abandonada, informou também que plantaram no local mais milho. "Precisamos nos alimentar enquanto esperamos a decisão", disse, acrescentando que nesse período receberam, por duas vezes, cestas básicas enviadas pelo Incra, além de doações. Segundo Messias, toda a plantação feita é coletiva. A água para banho e lavação geral foi captada em um pequeno riacho que serve o gado, mas não é potável. Por isso furaram também uma cisterna para colher uma água de melhor qualidade.
No acampamento há cerca de 20 crianças, muitas em idade escolar, que começaram a estudar no dia 14 último. "Corremos atrás e a Secretaria de Educação enviou o transporte e elas começaram a estudar nessa segunda-feira, mas falta transporte noturno para os jovens", informou mais, adiantando que falta ainda para todos os estudantes, o material escolar.
Outro integrante do MST, que não quis se identificar ao ser questionado de como reúnem tantas famílias, explicou: "A notícia espalha, a nossa chegada aqui foi noticiada nos jornais da região e aí as famílias vão chegando. No dia em que chegamos, éramos 80 famílias, algumas já foram para outras áreas".
Segundo os acampados, o único contato que tiveram com os proprietários foi no dia 20 de novembro. "Ele passa na estrada, mas não esteve mais aqui", disse, mostrando o gado vigiado por três vaqueiros, salientando que o gado nunca esteve no local. "Eles trouxeram hoje esse gado para o juiz ver. Aqui havia poucas vacas e uma bezerrada pequena. Esse gado chegou aqui por volta do meio-dia". Na propriedade estavam 728 reses, segundo o vaqueiro José Malaquias Felix, contando outra história: "Aqui sempre teve esse gado, a produção é feita na outra fazenda, onde está a maternidade, e aqui criamos o gado. Após o desmame, o gado vem pra cá".