Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Monocultura da cana-de-açúcar deve ser combatida

Apesar do tema, “Triângulo Mineiro: a onda amarga da monocultura da cana-de-açúcar invade o cerrado“, o professor Walter Machado da Fonseca, admitiu que a região ainda não tem monocultura. “E se depender de nós não terá”, afirmou, argumentando: “Existe um discurso desenvolvimentista por trás da cana-de-açúcar, que engloba toda a região do Triângulo Mineiro, porque há um projeto de até final de 2007 serem implantada nas região quatro usinas de grande porte do Grupo Lyra e, fatalmente, a monocultura virá com elas, por isso tem que ser combatida desde já”, afirmou.

Segundo o professor, a monocultura trará prejuízos graves. “Primeiro na questão ambiental, a degradação da região, tanto das águas do solo, subterrâneas e da atmosfera e o impacto social, porque esse tipo de indústria traz um grande número de migrantes, principalmente do nordeste, que vão trabalhar no subemprego e vão inchar as cidades, que não têm infra-estrutura suficiente pra abrigá-los. Aí começará a aparecer a prostituição infantil, miséria, fome, as periferias da cidade vão aumentar e outros problemas, virão na saúde, educação, porque não dá pra atender a todos. O discurso desenvolvimentista, por um lado, fala em bem-estar social, mas as conseqüências dele, são alarmantes”, disse, citando como exemplos as cidades da região que adotaram a cana como cultura principal e hoje vivem grandes problemas.

Nordeste é um retrato da consequência da monocultura

Para o professor Walter, os problemas da região Nordeste, em grande parte, devem-se aos longos períodos de monocultura da cana. “Estudos científicos apontam que o desmatamento na região nordeste é um dos principais responsáveis pela seca que assola toda a região, ou seja a seca do Nordeste, tem ligação direta com a monocultura da cana no Brasil Colônia, durante um século. Com o desmatamento da Mata Atlântica do Ceará até Pernambuco, quando se tirou toda a mata rica em húmus, sais minerais, começou o semi-árido, isso mostra que os efeitos são drásticos”, diz.

Walter afirma mais que o Grupo Lyra executa uma estratégia geopolítica, que é esse deslocamento, uma vez que já deixaram todas as terras do Nordeste estéreis. “As terras do Nordeste estão cansadas, estéreis, não servem nem pra cana mais, então eles precisam mudar de região. Hoje eles estão pegando os melhores bolsões de terras de cerrado. Na região do Triângulo Mineiro são terras férteis. Hoje, dos 40% de terras agricultáveis da nossa região, apenas 5% são ocupadas pela cana, mas eles objetivam plantar 35%, ou seja, a maior parte da área agricultável. Ao mesmo tempo que eles negam a monocultura, falam outra coisa. Eles estão atrás de terras férteis para transformar em pedaços de desertos”.

“Outra questão a ser analisada é esta, lembrou o professor, se a cana é tão rentável, porque o Nordeste é tão pobre? E deu logo a resposta: “Esgotou-se toda uma região, deixaram o Nordeste em estado de miséria". O povo nordestino hoje vive as conseqüências de erros do passado, que eles não têm culpa. E o que vemos é que os grupos estão procurando alastrar esses problemas para outras regiões, para atender uma pequena minoria. É uma minoria que faz isso e depois a toda a população sofre as conseqüências desse processo. Digo que hoje, o que se pretende é ´nordestizar´ o resto do Brasil.

As previsões futuras

“Se não houver um freio no plantio da cana na região, a curto prazo a população estará sofrendo as conseqüências”, exemplifica Walter, que diz mais: “Campo florido é um exemplo clássico da região que começou com a cana há algum tempo. A empresa arrenda terras por no mínimo 10, 20 30 anos e, ano a ano vão despejando agrotóxico, todo tipo de defensivo agrícola. Ao cabo de 30 anos a terra estará desértica, porque só tem cana, a água acabou, aí a empresa devolve a terra, que não produzirá mais nada, ou seja arrenda terra produtiva e devolverá um pedaço de deserto. As previsões são de que num prazo de 30 anos, a nossa região esteja sofrendo conseqüências graves desse processo”, afirma.


Para Walter, no entanto, a cana é realidade na região “Há quem diga que a situação é irreversível, eu não vejo assim. Porém, é preciso debater, mostrar para a população, conscientizar os donos de terras, levá-los a ver a realidade de outros municípios. A cana está aí, e temos que ficar atentos, chamar pra uma, duas audiências públicas não resolve nada, não. É preciso levar o assunto para todos. Mas, infelizmente, o que vemos é que os grupos não têm interesse em levar o assunto a público. Fazer como a rede Globo fez, no Fantástico, mostrar a realidade, gente morrendo de fadiga, o subemprego, trabalho escravo, mesmo para cortar até 10 toneladas de cana dia, a poluição... isso tem que ser mostrado”.

Quem realmente se preocupa...

“Observa-se que, apesar de se confessarem contra a cana, certos grupos, os donos do poder, os donos do ´dinheiro´, os grandes agricultores, pecuaristas, os políticos, não aparecem muito nas reuniões para debater o assunto, afirmou, justificando: “Isso acontece demais, os ´poderosos´ nunca aparecem, porque na realidade há um jogo de poder entre usineiros e os grandes produtores de outros setores tanto industriais, agropecuários e a classe política, que tem suas campanhas financiadas por esses grupos. Eles conseguem costurar um acordo, tipo assim: ´Eu sou contra, mas você fica na sua, que eu fico na minha e vamos ver no que vai dar'. E quem acaba discutindo, se preocupando é quem não tem o poder de barrar, os pequenos que não têm capital, que não têm a voz do dinheiro. Infelizmente, é isso que ocorre, mas é preciso alertar, pelo menos pra que fiquem cientes do que está por vir e evitar erros desse tipo no futuro”, afirmou.

Cana já estava prevista para a região há quase dez anos

Para Walter, a grande massa da população foi pega de surpresa com a cana na região, mas a questão da cana na região já vinha sendo alinhavada há quase dez anos. Pra nós, ela chegou de repente, por isso, nós pobres mortais fomos pegos de ´calças curtas', afirmou. A professora Sandra, autora de artigos sobre o assunto, emendou: “Existe uma coisa que as nossas eleitas fazem muito bem, que é se apropriar dos recursos públicos, ou que deveriam ser públicos e estão nas mãos do estado, afim de ganharem com isso”.

Sandra apontou também outros fatos ligados a políticos da região que trabalham pelo lobby da cana, afirmando que há ligação direta deles com os usineiros no sentido de criar uma infra-estrutura logística pra cana na região. Informou que políticos compraram terras na região de Iturama e de Perdizes para com o plantio da cana, pagar em dez anos o investimento nas terras. Disse mais que os usineiros financiam as campanhas dos políticos em troca de seu apoio. “Tudo isso vem mostrar que há todo um jogo de interesses”, finalizou.