Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

João Oswaldo conta sua vida - Continuação -

ET - O cargo de presidente do Sindicato é remunerado?
J.O. - É remunerado com até três salários, mas isso não foi criado pelo sindicato. Isso veio da Federação Mineira de Agricultura - Faemg, e existe desde 1993. Estou no sindicato todas as manhãs, estou sempre pronto para o que precisar e não é pelo dinheiro, porque antes o cargo não era remunerado e tem que ser aprovado em Assembléia!.

ET - Setores, principalmente da direita, criticam muito o fato do presidente Lula não ter uma formação acadêmica... Você acha que a falta de estudos atrapalhou a sua atuação no Sindicato?
J.O. - Eu sempre contei com um pessoal gabaritado e muito competente. Leio muito, procuro saber das coisas, estudar, trocar idéias, mas acho que a falta de estudo atrapalhou um pouco, sim. Em algum encontro que a gente vai, às vezes não entendo direito, tenho dificuldade para entender, por isso acho que fez falta, sim.

ET - Mas você chegou a diretor estadual na Faemg.
J.O. - É, há pessoas que reconhecem o valor da gente, independente da escolaridade, mais pelo que a gente faz. O sindicato de Sacramento é muito bem visto na Faemg, temos prestígio lá, eles acatam as idéias da gente, vê que podemos ajudar em alguma coisa na defesa da classe.

ET- Falando em desafeto... estou vendo ali o seu Diploma de Cidadania, aliás, uma homenagem muito justa. Mas em 1995, você teve esse título negado. Como você viu isso na época?
J.O. - Quando eu iniciei no Sindicato, eu meu programa na rádio, onde comecei no dia 27 de julho de 1991, eu cobrava dos políticos de Sacramento. Só sei que eles não gostavam. Só pode ter sido isso: pelas críticas, cobranças que fazia. E os vereadores da situação me negaram o título, acredito que foi somente por este motivo.

ET - João, estamos passando a sua vida a limpo e não podemos deixar de falar da Credicoasa, que você ajudou a fundar junto com Milton Skaff e outros. Qual o seu envolvimento com ela na época da falência?
J.O. - Éramos três diretores, Milton Skaff, Hugo Rodrigues da Cunha e eu. Milton Skaff morreu, Hugo assumiu a presidência e, conseqüentemente, eu subi, mas havia vários outros diretores. As decisões eram tomadas nas reuniões da diretoria e eram sempre pela maioria. Os empréstimos eram competência do gerente, Evandro, na época. Consta das atas das reuniões, que eu sempre fui contra o modo como eram os empréstimos: emprestavam muito para poucas pessoas, mas eles falavam que se fosse pra ser como eu queria, a fila ia chegar no Borá. Mesmo assim, eu achava que todos tinham que ser beneficiados, tinha que emprestar menos e para todos. Mas como todas essas propostas eram votadas na reunião da diretoria, eu sempre perdia.

ET - Pelas normas da instituição, o estatuto... os diretores da Credicoasa podiam pegar empréstimos?
J.O. - Pelas normas, os diretores também podiam fazer empréstimos, mas até um determinado valor. Só que eles negociaram direto com o gerente, isso não passou pela diretoria. O gerente é que fazia tudo, era uma transação normal de gerente e cliente, por isso vários diretores foram envolvidos. Eu só tomei ciência depois, porque ficava tudo entre eles.

ET - Você se beneficiou também, vamos dizer, desse 'mensalão' dos empréstimos?
J.O. Não, não fiz esse empréstimo. Eu só tinha depósito na Credi. Mesmo assim, falaram muito de mim. Eu ganhava R$ 1.300,00 e, para mim era um ótimo salário. No sítio eu tirava uma média de R$ 350,00.

ET - Falaram o quê de você?
J.O. - Falaram que eu sabia da falência e retirei o dinheiro do Sindicato de lá. Não foi nada disso. Estávamos construindo o novo prédio do Sindicato, e o dinheiro sacado dias antes, R$ 80 mil, foi prá pagar serviços e compras para a obra. Desse dinheiro sobraram R$ 4 mil, que foram depositados lá. Tanto é que o meu dinheiro, da minha conta pessoal, permaneceu depositado na Credi. Usei esse meu dinheiro, mais tarde, já na fase de negociação para comprar a casa onde moro atualmente. O proprietário devia o banco e aceitaram a negociação. Na verdade, o dinheiro permaneceu lá, serviu para quitar um débito do dono da casa que comprei com a Credi.

ET - Mas você passou a responder pelo banco. Por quê?
J.O. - Porque o Hugo renunciou à presidência. Aí eu peguei a bucha e fiquei sabendo do dinheiro emprestado aos diretores. E quando fomos analisar tudo, foi que vimos a real situação. Se eu tivesse sabido daquilo antes, o banco não teria fechado. Eu sofri muito, porque sempre fui honesto com as coisas. O pessoal me pressionou para eu renunciar também, mas eu disse pra eles que tinha ajudado a fundar a cooperativa e ia ficar para resolver, afinal eu tinha responsabilidades, sempre tive.

ET - É verdade que você foi ameaçado?
J.O. - Sofri várias ameaças, agüentei muita coisa, fui muito humilhado e as ameaças não foram só para mim, mas também pra minha família. Fui processado, respondi junto à Polícia Federal, porque eu era um dos diretores e tinha responsabilidade pelo banco, mas eu sempre acreditei que a situação seria revertida.

ET - Que lição você tirou de tudo isso?
J.O. - Eu sofri muito e cheguei à conclusão de que o homem frente ao dinheiro é mais frágil do que qualquer outra coisa, ele perde a cabeça. E digo às pessoas que acreditaram que eu era uma pessoa íntegra, podem continuar acreditando, porque nunca peguei um tosão da Credicoasa ou de quem quer que fosse. Continuo leal e honesto, graça a Deus e não tenho nada do que me envergonhar.

ET - João, mudando agora de assunto, tem um fato interessante que, segundo dizem, aconteceu com você, logo que o MST ocupou a fazenda Olhos D'Água. Te perguntaram o que ia fazer, e você respondeu: 'eu chamo eles pra se associarem ao Sindicato', é verdade?
J.O. - É verdade, sim (risos). Graças a Deus, eu sempre tive um bom relacionamento com eles. O Agnaldo é uma pessoa de muito conhecimento, muito instruída e nos demos muito certo. Hoje, com a posse das terras, já temos gente de lá que é associado ao Sindicato e não tem problema. Isso daí, gente, são divisas para Sacramento, é mais produção. E eu acho o seguinte, a terra que eles pegaram aqui era terra livre e eles sabiam disso. E vou contar uma coisa pra vocês, um mês antes da chegada deles aqui, o Sindicato Rural já sabia. Eles vieram, porque tinham direito à terra. O problema que acontece com o MST, acontece com todo movimento e agremiação, tem gente que faz bagunça, mas não são todos, há gente boa e gente ruim. Eles são um povo muito organizado, eles lutam juntos. E tem uma coisa importante, eles estão produzindo no município.

ET - Essa sua visão do MST não é compartilhada com a grande maioria dos produtores rurais. Não sabem, por exemplo, que esses assentamentos tiraram milhares de brasileiros que viviam secularmente marginalizados. Não sabem que foram eles que criaram a 'agricultura familiar'. Não sabem que o MST alfabetizou mais gente do que todos os programas governamentais... Você sabia disso?
J.O. - A maioria dos produtores rurais não tem este conhecimento, mas não é por falta de conhecimento que parte dos produtores são contra o MST, mas pelo modo que é conduzida as invasões e pelo processo de assentamento de determinadas pessoas, mas reconhece que é um movimento bem organizado. Se eu sabia, digo que sim e tem mais algumas coisas.

ET - A maioria não aceita a reforma agrária, e acha justo o empresário Cecílio Rego de Almeida ter mais de 5 milhões de hectares de terra... Você não acha que essa reforma já deveria ter saído há muito tempo num país onde 40% de sua população vive em estado de pobreza absoluta?
J.O. - Acredito que há dez anos atrás a maioria não aceitava a reforma agrária de modo algum, hoje não, uma grande parte dos proprietários rurais acha justa. Só não concorda dos moldes que são feitas. Acho que a reforma agrária deve ser feita onde comprava, que os atuais proprietários estão totalmente irregulares. Acho também que a burocracia é muito grande.

ET - O município de Sacramento começa a ser invadido pela cana de açúcar. A gente sabe do prejuízo e das conseqüências terríveis que a monocultura gera. Basta olhar para Conquista, Igarapava, Ituverava, Guaíra... O que o sindicato tem feito no sentido de combater esse agronegócio que só beneficia o usineiro e o dono da terra?
J.O - A gente tem debatido e combatido abertamente sobre esse assunto, porque a cana-de-açúcar é um mal incurável, é um câncer. Se ela instalar no município não vai trazer progresso. Tenho orientado os produtores, principalmente os pequenos, primeiro em relação ao meio ambiente, ela destrói tudo. Você disse que beneficia o dono da terra, em parte. Pelo que sei só o primeiro contrato é bom, mas os próximos são muito complicados. Alerto esses fazendeiros que estão arrendando suas terras paras as usinas canavieiras, para que mantenham um contrato com o vizinho também para manter as divisas bem fechadas e delimitadas. Tem muita gente vítima disso aí, quando vão procurar as delimitações, não encontram nenhum marco. Vai virando um balaio de gatos. E o mais preocupante é o contrato de oito, dez anos. O proprietário morre amanhã, como vai ficar a situação da família? As complicações têm sido grandes, nesse sentido, por esses e outro motivos, a cana de açúcar é um mal incurável.

ET - Sem falar do desrespeito ao meio ambiente. Como o sindicato rural vê também essa questão da preservação da natureza? As águas estão desaparecendo e isso parece não incomodar o produtor rural...
J.O. - Esse é um dos problemas mais graves que temos. Primeiro, o produtor não acredita, alegando que já pegou a propriedade daquele jeito. Mas ele precisa se conscientizar de que, daqui a dez, vinte anos, os problemas vãos se agravar, principalmente em relação à água. A vida do produtor rural está tão difícil, que ele faz conta de 20 metros de uma mata ciliar em cada margem do córrego. O sindicato tem orientado nesse sentido, mas a resistência, infelizmente, tem sido grande por parte de muita gente. Com a minha saída do sindicato, vou trabalhar forte em defesa do meio ambiente e do próprio produtor, porque é um pecado grave que a maioria comete, conforme a gente vê.

ET - Você passou 15 anos lutando para o Sindicato Rural administrar o Parque de Exposições 'Hugo Rodrigues da Cunha' e nunca conseguiu. Agora, o prefeito sancionou uma lei retornando o parque para o município. Você se sente frustrado com tudo isso?
J.O. - A minha esperança está na UTI. Não sei se ela sairá viva de lá, mas esperarei por isso até o último dia, no sentido de o Sindicato fazer um comodato com o Parque de Exposições. Essa esperança só vai morrer no último dia do meu mandato. Eu vejo isso sob dois aspectos: primeiro, seria um erro administrativo, prefeitura não tem que administrar exposição, ajudar, sim, mas administrar, não. E, segundo, isso seria penalizar bruscamente o produtor rural, porque o parque é um lugar do produtor rural. O parque só chegou ao ponto que chegou por falta de apoio do próprio poder público. Daí a tomar o parque, não. Se isso acontecer, pra mim e pra classe rural vai ser a maior decepção. E não teve um vereador a levantar a voz em favor da classe.

ET - Como diretor da Faemg, cite de três a cinco problemas que precisam ser resolvidos para melhorar a vida do homem do campo.
J.O. - Primeiro, melhorar a conscientização do homem do campo, no sentido de entender o valor que ele tem perante a sociedade. Outro: a desunião da classe. A classe tem que procurar se unir mais pra poder acompanhar o desenvolvimento, porque senão a gente vai ficar aí dependendo dos outros para podermos fazer as coisas. Mais um, a falta de atualização dos produtores. Temos que nos atualizados para administrar a própria produção. Nesse sentido, vamos aproveitar mais das entidades que temos como o sindicato, a federação para nossas capacitações. Outro problema: não sabemos ainda escolher bem nossos representantes na política. Dependemos de uma reforma política que satisfaça mais a classe. O Brasil não tem política agrícola, porque as pessoas que estão lá, não são conhecedoras da nossa realidade. A nossa bancada ruralista precisa fazer uma política mais planejada e ela não cumpre esse papel.

ET - Independente desses problemas, qual o grande milagre para a sobrevivência do produtor rural?
J.O. - Primeiro, ele tem que mudar o seu raciocínio, ter uma mente aberta e diversificar pra sua sobrevivência. Não dá mais pra ficar só no leite. E, principalmente, deve se unir em cooperativas. Os pequenos terão que se unir para a sua salvação, e, ainda, exigir dos órgãos competentes um apoio técnico para melhorar a tecnologia. Esse é o milagre. Um milagre possível.

ET - Qual o maior beneficio que você prestou à classe rural?
J.O. A união, a conscientização da necessidade de fazer um sindicato forte.

ET - O que você quis e não conseguiu?
J.O. - Eu quis ter um número maior de associados, todos os produtores rurais, não sei explicar o por quê. Queria ter feito o clube do produtor no terreno na rodovia. Queria que tivéssemos eleito uns dois vereadores para defender a classe. E, por fim, que o Sindicato pudesse administrar o Parque de Exposição, mas isso eu ainda tenho esperanças.

ET - Agora saindo do sindicato, o que o João Oswaldo vai fazer?
J.O. Eu não vou deixar de colaborar e de lutar para a classe, vou me engajar noutras coisas, quero continuar ativo na sociedade. Vou me dedicar à minha propriedade e com certeza não vou me afastar de meus ideais. Sempre há muito o que fazer.

ET - Vai atuar na política, já deu a primeira investida na campanha passada, não é?
J.O. - Naquela eleição eu estive meio adoentado, não pude fazer campanha direito, não tive tempo de visitar os amigos e também havia outras coisas que me magoaram. Conheço quase todo o município. São poucas as propriedades rurais que não conheço e confesso que fiquei um pouco decepcionado com os produtores rurais, mas eles não são culpados. Tive os votos que mereci. Não vou dizer que saí da política, porque político a gente é sempre, mas vou ajudar os outros.

ET - Agradecimentos?
J.O.- Tenho muitos, a todas as pessoas que me apoiaram nesses anos todos, aos prefeitos, vereadores, ao povo da zona rural, à minha família que sempre esteve compreensiva ao meu lado. Agradeço à imprensa falada e escrita.

ET - Sucesso na sua empreitada, agora na defesa do meio ambiente.