Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

João Oswaldo conta sua vida

João Osvaldo Manzan é conquistense nato, mas um apaixonado por Sacramento, até que lhe veio o título honorífico de 'Filho da Terra', sem antes viver o constrangimento de ter o seu nome negado pela câmara. Nasceu na zona rural, na região da Mumbuca/Santa Maria, no dia 24 de janeiro de 1945. Filho de José Manzan e Petronildes Urbano Manzam. É o quinto dos sete filhos do casal, e tem mais quatro irmãos, do primeiro casamento do pai. Foi ali, nas terras férteis da Santa Maria que deu os primeiros passos, cresceu, iniciou nas lides rurais e fez os primeiros estudos. Mas os estudos foram poucos. João, na realidade, aprendeu com a universidade da vida, e tornou-se um grande homem, como poucos. Foi roceiro, sapateiro, diretor de clube de futebol e sindicalista ligado aos produtores rurais... Ao deixar o Sindicato, João recebeu os repórteres Maria Elena de Jesus e Walmor Júlio Silva para uma entrevista.

ET - Vamos começar lá na Santa Maria, nos idos dos anos 50...
João Osvaldo - Em 1953 entrei na escola e lá estudei até 1956. Estudo da roça. Minha primeira professora foi a dona Luzia Skiffini, na Mumbuca. E eu tenho uma recordação muito boa dela, porque naquela época não podia entrar na escola com menos de sete anos, então eu ia pra escola e ficava lá espiando... Depois eu entrei na escola, mesmo, e Dona Luzia era a minha professora. No ano seguinte fui pra escola da Santa Maria, meu professor passou a ser o Geová Cunha, e era também bom. Ele tinha uma máquina de arroz e ia pra lá trabalhar. E como eu já sabia um pouco, ficava tomando conta da sala de aula, passava dever no quadro, as continhas, eu era bom em matemática e ajudava. Eu abria a escola na parte da manhã, e fazia isso com orgulho.

ET - E os colegas?
J.O. Eram muitos meninos na região, os dos Florêncios, os do seu Beco, o Adolfo Ramos, a Leuza, o Abelardo, até o Luiz Rodrigues de Souza. O Luiz chegou do estado de São Paulo, com um tipo de muito sabido, da cidade... (risos), mas fizemos uma amizade muito boa. A minha irmã acabou casando com o irmão dele, aí ficou tudo em família, mesmo. Mas tinha muito menino naquela época lá. Agora, não me lembro de todos, mas fiz grandes amigos.

ET - As escolas de Santa Maria eram umas das poucas com sede própria, não? Ou eram de propriedade da fazenda? Ficavam longe, como eram?
J.O. - Não eram da fazenda, não, eram públicas, da prefeitura, mas eram longe, todas as duas. A de Santa Maria ficava a uns três quilômetros e a da Mumbuca ficava a uns dois quilômetros, naquele tempo a gente não sabia distância. Ia a pé. Não tinha alimentação na escola, a gente ficava o tempo todo sem comer nada. Levávamos frutas pra comer no caminho. Tínhamos duas sedes da fazenda do meu pai, uma distante da outra dois quilômetros. Eu era feliz. Tenho boas e más lembranças também desse tempo. Dos 11 filhos fui o único que apanhou do meu pai. Eu era muito levado. Uma vez fechei uma galinha de pintinho na tuia e matei os filhotes todos espetando com um pedaço de pau. Além de apanhar, fiquei umas três horas de castigo no mesmo lugar, esse lugar existe no passeio até hoje.

ET - Chorou, chorou, mas ficou lá no castigo? Essas lembranças foram as boas ou as ruins? (risos)
J.O. - Essas foram as boas. Fiquei de castigo, mas foi bom, a gente cresceu direito, honesto. Mas tenho outras lembranças ruins. Todo casamento tem umas briguinhas e meus pais brigavam muito (emocionado às lágrimas). Uma vez, durante uma briga, eu cheguei pra eles e falei que se não parassem de brigar eu ia sumir de casa. Foi bom, porque as brigas terminaram. Mas fora isso, meus pais se preocupavam com a gente, ensinaram a ser honestos, respeitar os mais velhos, fazer a gente estudar, mas todos nós trabalhávamos para o um caixa só e meu pai comprava as coisas pra gente.

ET - E quando você veio pra cidade?
J.O. - Vim pra cidade no dia 7 de abril de 1957. Foi engraçado, a gente acabou de tirar leite, era tempo de chuva, a cocheira não era coberta e a gente lá todo molhado. Estávamos eu e meus dois irmãos limpando o barro das botinas. Aí meu irmão falou: 'Ô João, por que você não vai pra cidade aprender fazer botina pra nós'. Foi o que bastou, meu pai me mandou pra cidade. Vim morar com a família do Aresqui da Silva...

ET - Você veio aprender a fazer botina. Aprendeu?
J.O. Aprendi e muito bem, o Aresqui me ensinou. Ele fazia botina na casa, que fica na esquina da Major Lima com a Benedito Valadares, perto da Caixa Econômica. Fiquei com ele uns cinco anos e aprendi a fazer botina boa, sapato de crianças e até hoje se for pra fazer, eu faço. Hoje em dia é tudo com máquinas, mas eu tenho as ferramentas todas guardadas: pé-de-ferro, tesoura, torquês, faca peixe, martelo, tenho tudo, e fiz muita botina com elas.

ET - Meu pai também era campeão das botinas! Era seu concorrente ? (Walmor referindo-se a seu pai, o sapateiro Ledo)
J.O. - Absolutamente seu pai sempre foi amigo. Era excelente profissional do ramo ma, quando eu estava chegando ele estava saindo, valeu a pena porque conheci excelente pessoa!

ET - E os estudos, continuou?
J.O. - Eu fiquei um tempo parado, depois fui fazer o curso de Admissão ao Ginásio, com o Prof. Antenor Germano. Éramos cinco alunos, todos rapazes. A prova era em Uberaba, na EE Castelo Branco. Ficou combinado de eu levar os colegas no dia da prova. Eu tinha um DKW. Passei no posto pra abastecer e o bombeiro colocou óleo no tanque de água e água no tanque de óleo. Não deu outra, quando chegamos no Estreito, o motor fundiu. Pagamos um táxi e fomos pra prova, mas infelizmente eu não passei, aí desanimei e não quis mexer mais com estudo não.

ET - E aí fez o quê? Virou comerciante?
J. O. - Continuei trabalhando de empregado, depois abri um comércio. Uma fábrica de calçados, na Clemente Araújo, depois mudei para onde e a Loja Glória. Eu empregava quatro funcionários. Mais tarde, Bichinho, Arnaldo e eu compramos a loja de calçados, onde é hoje a Mercearia Santo Antônio. Ali ficamos até 1969, quando acabamos a sociedade, meus irmãos saíram pra estudar, o Bichinho foi para Araxá e eu fiquei. Em 1973, vendi a loja de calçados e comprei a Auto Peças do Bida, na Benedito Valadares. Com a auto peças mudei várias vezes: pra perto do Bar do Ledo, no centro, com oficina mecânica e tudo. Depois, mudei de novo, pra Castro Alves, onde é a oficina dos Bonetti. Mais uma vez, eu ia mudar em 1975, mas o meu pai faleceu, eu tive duas opções: cuidar da fazenda ou do comércio. Aí vendi a seção de peças para o Maurinho e voltei prá roça.

ET - Quando a Neide começa a fazer parte de sua vida?
J.O. - No velho e gostoso jardim de antigamente, sem aquelas escadas todas, onde a gente dava voltas ao contrário. As moças para um lado, os moços para o outro. Nessa roda de amor, a gente se via duas vezes... Depois, ela passava na porta da loja, a gente começou um papinho hoje, um papinho amanhã e começamos a namorar. Ela morava na chácara fora da cidade, mas não tinha distância. Depois de três anos de namoro, nos casamos em 17 de janeiro de 1967. Ela é filha do Sebastião Borges dos Santos, o Tatão, solteira, professora. Em 38 anos de união, tivemos filhos do coração: a Joana, que é a mãe do Amerson, ela morou conosco desde pequena. Casou-se, teve o Amerson, nosso afilhado, que veio morar conosco desde pequenino, e é o nosso filho, ou neto, né. Está com a gente há 23 anos, formado, bom rapaz e valeu a pena. É um filho para nós.

ET - Morando na cidade, comerciante, você deixou de vez a fazenda ou mantinha alguns negócios lá?
J.O. - Eu só ia lá passear, a fazenda era do meu pai. Só assumi lá depois da morte dele. Eram 70 alqueires de terra, dividiu 35 pra mamãe e o restante para dez filhos (uma já era falecida). Aí no meu pedaço comecei a vida rural, construí a sede, adquiri mais três partes dos meus irmãos. De todos os herdeiros de meu pai, só estamos meu irmão e eu lá, juntos temos 20 alqueires, eu tenho 13, que é a Fazenda Morada do Sol e meu irmão tem sete alqueires. O restante meus irmãos venderam para terceiros.

ET - Mas antes de ir pra fazenda, você fez parte de entidades, chegou a ser presidente do CAS também na década de 60, como foi essa época no esporte?
J.O. - Em 1967 foi convidado a formar uma chapa e nesta chapa saí como vice-presidente, mas dentro de pouco tempo assumi a presidência devido ao afastamento do presidente Dr. José Amir Ribeiro. Em 1968 nós tínhamos um dos melhores times do interior resolvemos participar do Campeonato da 1ª Divisão do Estado, contratamos quatro jogadores de fora e começamos o campeonato. No final do campeonato perdemos a classificação pelo saldo de gol para o Patrocínio, foi uma luta incansável mas valeu a pena. Levamos e fizemos do futebol de Sacramento um nome respeitado em todo Estado, foi um ano de ouro no futebol de Sacramento.

ET - Foi com a ida para a zona rural que nasceu a disposição de luta em prol da classe rural?
J.O. - É, foi aí que vi as dificuldades do homem do campo. Fiquei um pouco meio afastado, mas depois o Sr. Antonio Afonso me convidou para ser vice-presidente de sua chapa no Sindicato Rural e aceitei. Fomos empossados em janeiro de 1988. Em janeiro de 1991, assumi o cargo como presidente e estou terminando a minha quinta gestão. Terminando, mesmo. Passei a bola pra outro, no final do ano ele toma posse e vou tentar outra atividade.

ET - Qual era a realidade do Sindicato Rural quando você assumiu a presidência? E hoje?
J.O. - Naquela época eram 151associados, 52 sócios quites. Hoje vamos fechar o ano com 23000 associados, com mais de 1000 associados quites. Temos mais de três mil propriedades, mas nem todos contribuem. A contribuição é uma anuidade, que este ano foi no valor de R$ 380,00. Só que o valor é calculado de acordo com o tamanho da propriedade, o valor mínimo da anuidade é de $ 100,00, para pequenas propriedades Em contrapartida, eles têm benefícios. Diretamente, o sócio contribuinte tem direito a toda parte de contabilidade, assistência jurídica, convênios médicos, odontológico e outros. Indiretamente, o associado faz jus a todos os benefícios conseguidos pelo Sindicato, para a classe. Agora, o mais importante é que ele está dando apoio a uma entidade criada por ele e que é dele, além disso,

ET - João, nesses 15 anos à frente do Sindicato, você revolucionou, comprou e construiu a nova sede, aumentou vinte vezes o número de sócios. Como é dirigir um sindicato de produtor?
J.O. - Agradeço muito a Deus, acho que sou uma pessoa privilegiada, porque estudei pouco, mas sempre tive idéias e lutei para realizar aquilo que eu penso. Quando eu assumi, vi que tinha muito o que fazer, que éramos muito esquecidos política e juridicamente, tudo esquecido. Avaliei o que eu tinha que fazer. Muitas vezes eu vinha da roça, de bicicleta e vinha pensando no que fazer e acho que consegui fazer alguma coisa. Vi muitos sindicatos e a possibilidade de crescer, porque quando não se tem nada, há a possibilidade de fazer alguma coisa. Tentei conquistar a confiança do produtor rural, que é muito arisco, desconfiado. Devagar fui conversando e convencendo o pessoal. A primeira vez que peguei num microfone foi em 1994, em Brasília, para falar em favor do produtor rural.

ET - Mas parece que você angariou desafetos, também?
J.O. - Tem gente que gosta de denegrir o trabalho dos outros. Eu entrei no sindicato e me preparei pra tudo, mas tem coisas que machuca muito. Uma pessoa que está lá no meio rural, que não estudou, que não entende as coisas, é fácil de a gente lidar, mas com uma pessoa estudada, que finge que não sabe das coisas, é difícil. O problema que eu tive foi por causa da CNA. Falaram de mim como pessoa, procuraram me denegrir como pessoa. Mas a CNA é uma coisa legal, é uma contribuição nacional e as pessoas que falam contra mim sabem que a contribuição é legal. Às vezes eu penso que fazem isso, por eu não ter estudo...

ET - Não acho que seja questão de denegrir... Mas um jeito de contestar um direito que é também do produtor. Por exemplo, muitos consideram a cobrança da CNA legal, mas ilegítima. Achando até que o Sindicato deveria lutar para acabar com ela. Você não entende assim?
J.O. - Acho que o produtor tem todo o direito de contestar mas precisa entender que é legal. O que não pode é culpar o presidente do Sindicato por esta cobrança eu acho que ela é muito necessária para que as Federações tenham condições de sobreviver. Não concordo em acabar, mas reduzir o preço. Quando o Sindicato aplica bem esses recursos todos seus associados são beneficiados, nosso sindicato é um exemplo disso!

ET - Me desculpe, mas quero insistir um pouquinho mais. Por que os produtores rurais, vivendo uma fase histórica tão difícil, prá não dizer caótica, são obrigados a conviver com cobranças referentes a execuções judiciais da CNA, de uma entidade que, teoricamente, foi criada para defender a classe? A gente sabe que há muitos produtores sendo executados com valores que variam de R$ 2 a R$ 20, R$ 30 mil...
J.O. - Reconheço que estamos atravessando não uma das piores, mas a pior crise desde 1975 quando comecei a trabalhar por conta própria. A CNA não foi criada para atender basicamente o produtor, mas sim, principalmente, defendendo os produtores em todos os sentidos. Ai do produtor se não tivéssemos a CNA e as federações. Quanto às execuções, só estão sendo executados aqueles que não pagaram em dia a sua contribuição e esses valores citados são a realidade, pelo menos até o presente momento. São valores altos mas não tanto!

“Estamos atravessando a pior crise desde 1975...”
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