Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

ET homenageia Personalidades do Ano

Edição nº 1708 - 03 de Janeiro de 2020

O ET, desde 1972, anualmente, homenageia pessoas que se destacaram pelos seus relevantes serviços prestados na cidade. Cidadãos ou cidadãs que fazem a diferença na sociedade, independente do ramo em que atuem.  Ao longo desses 47 anos, cerca de 200 pessoas foram homenageadas, entre simples trabalhadores a grandes empresários de diversas áreas urbanas e rurais, sacerdotes e religiosas, educadores,  e profissionais liberais, voluntários e até instituições... Afinal elas são feitas de pessoas. 

Este ano, a nossa homenagem vai para três sacramentanos, cujas histórias reunidas dariam um livro:   Antônio Carlos Bertolucci (Toim Leite), que aos 70 anos, curte a merecida aposentadoria e se orgulha das inúmeras construções erguidas na cidade; Fernanda Renata Padovani 34, que faz um brilhante trabalho social e através de seu ideal arrebanha  inúmeros voluntários  e Otanira Maria de Oliveira 73, embora aposentada,  ainda continua na ativa como técnica de enfermagem na Santa Casa de Misericórdia de Sacramento há 42 anos,  e  figura como a técnica de enfermagem mais longeva em atividade. Conheça um pouco da história de suas vidas.  

 

Antigamente, tudo era no braço...

* Antônio Carlos Bertolucci, conhecido como Toim Leite, apelido que herdou quando ainda criança ao buscar nas manhãs de cada dia um litro de leite na Chácara da Japonesa para a família. “Lá vem o Toim Leite...” e o apelido pegou no menino que se tornou ajudante de pedreiro ainda criança, acompanhando o pai, grande mestre de obras, Wilson Bertolucci (ela, Eleonides Alves Betolucci), pais de outros dez filhos: Maria José (Mardônio), Fátima (Arlécio), José Carlos (Isabel), Luzia (Lupércio), Germano (falecido), Fernando (Márcia), Nivaldo (Rosana), Anésio, Guilherme (Rosangela), Marly (Francisco). Casado com Rita Cordeiro Demartine Bertolucci, o casal é pai de coração de Arlete Cordeiro, que lhe deram dois netos; Flávia e Rafael, que são o seu xodó. 

Toim Leite tem uma grande história profissional, no ramo da construção, que aliás é também herança de família, desde o avô passando pelos tios... E lá se foram mais de 50 anos na profissão.  “Meu avô Carlos Bertolucci era pedreiro, meu pai e meus tios Walteno, Washington, Vely e José, todos pedreiros. E eu era menino já acompanhava meu nas obras. Chegava da escola, almoçava e meu pai chamava: 'Vamos lá me ajudar'. Mas na verdade, eu não trabalhava nada, fica por ali ciscando. Ele me levava para não ficar fazendo travessuras, porque a gente ia muito nadar nos córregos. Às vezes pedia pra ir brincar lá na Japonesa  e ele me liberava. Meu pai era um santo. Papai e mamãe foram muito bons para nós”, recorda, destacando os amigos de infância.

“Éramos uma turma muito animada, os irmãos Biro e Shiro, Avenor, Walmor e seu irmão Tunim e tantos  outros do bairro. Todo mundo morava no Chafariz. Íamos pra chácara da Japonesa, represávamos a água do córrego pra nadar. Seu Onobugi é que ficava bravo, a gente fazia a represa,  ele desmanchava, fazia, desmanchava (risos). Tínhamos até um time de futebol...”

À medida que foi crescendo, Toim Leite foi se aprimorando na profissão trabalhando com o pai e paralelamente seguiu nos estudos até concluir o curso de Contabilidade, profissão que nunca exerceu. Preferiu continuar como pedreiro construtor e, aos 20 anos, começou a trabalhar com carteira assinada e não parou mais até sua aposentadoria, depois de 45 anos de andaime.  

“Trabalhei  com meus tios Washington e o Walteno  e mais tarde passei a ter minha própria firma. E foram muitas construções. Boa parte daquelas casas dos residenciais Bela Vista, próximo ao Seminário. Outras tantas no Skaff, foram construídas por mim. Muitas piscinas e muitas reformas também. Uma delas que me marcou muito foi a casa do Dr. Bereta, na verdade, uma restauração. E teve época que tinha mais de uma obra em andamento, cheguei a ter 16 funcionários e meus irmãos quase todos trabalharam com meus tios e comigo. Trabalhei também uma época para a Prefeitura, no governo do Biro tendo o Tunim, meu amigo de infância, (Antônio Júlio) como Secretário de Obras, quando  construí várias quadras”.

 Toim Leite reconhece que o ramo da construção evoluiu muito. “Hoje é muito fácil ser pedreiro e mestre de obras por conta dessa tecnologia, trena a laser, nível a laser, máquina de escavar, o concreto chega pronto e só despejar. Antigamente, não. Era tudo no braço, na enxada, enxadão, picareta, pá, cavadeira boca de lobo... Quando íamos  fundir uma laje, era de sol a sol, às vezes contratava  10, 15 serventes pra ajudar. Tinha que fazer tudo, escoramento, amarrar ferragem, masseira e carregar tudo nas latas. Era uma mão de obra violenta.  Peguei a betoneira já no finalzinho, quando já estava parando. 

Diz Toim Leite, comparando, que se estivesse ainda na ativa, seria difícil se adaptar. “Só pra ter ideia, não havia um engenheiro como responsável técnico. Em Sacramento, dois desenhistas assinavam  as plantas, o Walter Fonseca e o Eurípedes Ferreira e o mestre de   obras, acompanhava.  Era a prática que mandava. E tínhamos funcionários muito competentes e dedicados. Ninguém usava EPI (Equipamento de Proteção Individual). Era tudo no zelo, no cuidado, e graças a Deus, na minha trajetória profissional, nunca tive problemas com acidentes”.

Finalizando, Toim Leite é categórico ao afirmar: “Se fosse pra começar, hoje minha vida profissional, eu seria de novo pedreiro. Uma profissão muito gratificante. Fico feliz por ver o resultado do meu trabalho aí firme e forte”.  

Por toda a sua trajetória e grande sua contribuição no ramo da construção civil na cidade, Toim Leite é Personalidade do Ano de 2019.

 

Tudo isso graças a uma grande equipe de voluntários...

* Fernanda Renata Padovani Gomes 34 é filha de Segimar Ferreira da Cunha e de Eisenhower Fernando Padovani, neta do saudoso João Padovani e de Aveli, conhecida por todos como Dilica. Cresceu com os irmãos, Daniela e Roberto, Gabriel, e Igor, irmão do coração. “Papai sempre foi caminhoneiro, viajando o país inteiro. Foram 36 anos de serviços na Luandri, aposentou-se e hoje trabalha por conta. 

Os filhos fomos criados aqui pela minha mãe e minha avó, que tinha um bar na esquina. Mamãe começou a cozinhar para a minha avó e a fornecer marmita. Toda vida foi cozinheira, forneceu marmitas para o presídio durante muitos anos. Foi com ela que aprendi a dominar as panelas. Quando comecei a ajudá-la na cozinha, tinha nove anos...” 

 Fernanda é auxiliar administrativa escolar em duas escolas municipais, Divisa e Jaguara. E residindo na zona rural, na região do Morro Vermelho, sempre que tem tempo, sobretudo nas férias, ajuda o marido Elias Rodrigues Gomes, nas lides rurais. “Moro na zona rural, venho e volto diariamente, usando o transporte escolar. E em casa, ajudo Elias no que for preciso. Aos domingos a gente vem para a cidade pra eu fazer o Marmitex”.  Os filhos João Pedro e Sofia ficam na cidade com a avó e o caçula Otávio, de quatro anos, fica na fazenda com os pais. 

Fernanda, que concluiu o ensino médio, ao falar da sua vida escolar, revela que não foi fácil, porque teve de enfrentar o preconceitos. “Sofri muito na escola, por causa do lugar onde morava. Nascemos aqui no alto da av. Antônio Carlos, onde algumas casas serviam como prostíbulos. E aqui fomos criados, dignamente. Quem faz a pessoa é ela mesma e não o lugar onde mora, mas eu sofri demais preconceitos. Hoje, graças a Deus, meus filhos não sofrem esse tipo de discriminação”. 

Fernanda se mostra e é uma mulher forte, que se destaca ainda mais pelo trabalho social que realiza e que reúne muitos voluntários. Há 13 anos, ela promove a Festa de São Cosme e Damião, protetores das crianças enfermas e dos médicos, cuja data é celebrada no dia 26/09, para centenas de crianças. A festa é fruto de uma promessa feita para o filho João Pedro. Mas antes disso, a mãe Segimar já distribuía doces e bolos para as crianças no dia da festa. 

“O João Pedro era bebê e ficou doente, aí fiz a promessa e naquele mesmo ano fiz a festa aqui na porta de casa com um bolo de um metro. Este ano o bolo teve oito metros. Durante  seis anos fiz a festa aqui na porta de casa ou na porta da casa dos meus avós. A partir da construção da Quadra Joélcio, passamos para lá. Hoje a festa começa às 9h e encerra às 17h e tem de tudo: durante todo o dia muitas brincadeiras, pula-pula, jogos diversos, contação de histórias, bala, pipoca, algodão doce, reza do terço,  almoço  e, a partir das 14h, servimos o bolo com os saquinhos de surpresa. Tudo isso graças a uma grande equipe de voluntários que nos ajudam desde a primeira festa”.  

Não satisfeita com a festa para as crianças, Fernanda realizou na véspera de Natal 23 outro sonho,  ela criou o projeto 'Ceia de Natal na Rua'. “Se não acreditarmos em nós mesmos, temos que  acreditar no próximo. Essa ceia era um projeto antigo que este ano saiu do papel. Eu queria juntar as famílias ali, para as pessoas verem o quanto é bom ver um sorriso na face do outro, porque muita gente não tem o que comer na noite de Natal, quando muito um arroz e feijão. Eu sei, porque eu já passei por isso. Para mim foi uma alegria muito grande ver mais de 700 pessoas participando da ceia. Foi um presente que Deus me deu de poder fazer isso e vou continuar enquanto forças e condições eu tiver”, diz, emocionada.  

Por todo o seu idealismo e garra que desperta o mesmo sentimento em tantos voluntários e colaboradores, Fernanda é Personalidade do Ano de 2019. 

 

A SC foi meu primeiro e único emprego...

* Otanira Maria Oliveira  é viúva de Manuel Oliveira há 44 anos e mãe de três filhos, Virgínia (Walter), Alessandra (João), ambas trabalhadoras na área da saúde, e do engenheiro Júlio, filhos que lhe deram   quatro netos e uma bisneta.  Otanira é sacramentana, mas logo que se casou mudou-se para Uberlândia acompanhando o marido, onde permaneceu por dez anos, até a morte do marido por afogamento no rio Tijuco. 

“Minha vida não foi fácil depois da morte de Manuel. Eu tinha  10 anos de casada, 29 anos de idade e três filhos, o caçula Júlio tinha quatro meses, Virginia ia completar seis anos e Alessandra, quatro. Manuel trabalhava como autônomo e não pagava o INPS (hoje INSS). Quando ele morreu fazia quatro meses que tinha assinado carteira, mas não consegui a pensão”.  

Diante das dificuldades, Otanira retorna para Sacramento e foi morar com os pais. Sem experiência no trabalho a não ser o de casa, Tanira, como é conhecida, viu que precisava ir à luta.  E foi. Em 1977, ingressou num curso de Atendente de Enfermagem, ministrado na Santa Casa (SC) pelas irmãs de São José de Cluny e o médico Milton Skaff, para formar mão de obra. Concluindo o curso, pela sua dedicação foi convidada a trabalhar na Santa Casa. E lá vão 42 anos. 

“A SC foi meu primeiro e único emprego. Dali tirei o sustento dos meus filhos. Quando comecei, o provedor era o seu Italo Cerchi e as irmãs eram  Tereza e depois, Ir. Benigna, depois vieram outras. Eles estavam construindo a pediatria e o posto 6. Os médicos da época eram Dr. Milton, Fábio, Adilson, Francisco e João Cordeiro. As enfermeiras mais antigas eram a Nininha, Heliodora e Dirce”. 

Anos depois, Tanira fez o curso de Técnica em Enfermagem e nesses 42 anos, fez de tudo um pouco. “Centro cirúrgico, pronto socorro, atendimento de pacientes nos quartos e acompanhamento de gestantes. Fiz de tudo, só não operei (risos). Trabalhei à noite por 20 anos. As irmãs sempre cobravam muito,  principalmente,  respeito com pacientes, cuidado no desperdício e sobriedade no vestir. Sempre acompanhava as gestantes. Quando chegava a hora, ligava pro médico. Na minha opinião, na época das irmãs havia mais humanidade, mais respeito tanto entre os funcionários como com os profissionais, visitantes... Fazíamos o que era necessário”.  

“Os atendimentos gratuitos da Santa Casa eram só para os contribuintes, com carteira assinada, do INPS, os produtores rurais tinham o Funrual. Mas ambos, caso quisessem quartos particulares, pagavam a diferença. Com relação aos sem recursos, os mais pobres, a Santa Casa atendia a todos. Havia também os irmãos que contribuíam mensalmente. A evolução foi grande, hoje o SUS (Sistema Único de Saúde, criado pelo artigo 196 da Constituição de 1988,  determinando que a Saúde é um “direito de todos” e “dever do Estado” – grifo nosso) cobre tudo. Então, hoje todos são atendidos tenham plano de saúde ou não, hoje há mais facilidade”. 

 Nesses 42 anos de Santa Casa, Tanira já viu muito sofrimento,  muita morte, mas muita vida também. “Ver a vida nascer é maravilhoso. Mas acho que a gente vai ficando mais velha, vai ficando também mais sensível. Hoje me emociono em muitos casos, não gosto de ver as pessoas chorarem”, diz, lembrando que suas grandes alegrias ali foi o nascimento dos netos. “Todos os quatro nasceram ali comigo, eu dentro da sala, era a primeira a tê-los nos braços”. 

Tanira está pensando em sair da Santa Casa e aproveitar um pouco a vida. “Se eu ganhasse um tostão pelas idas e vindas  no trajeto de casa até a Santa Casa,  estaria rica. Hoje, agradeço a Deus todo momento,  porque foi de lá que dei conta de criar meus filhos. Graças a Deus, valeu a pena e acho que tenho alguma coisa ainda para passar para os colegas que estão chegando”, afirma, agradecida a todas as irmãs com quem conviveu, aos médicos que já se foram e aos atuais, colegas de serviço... E finaliza deixando uma mensagem aos novos profissionais. “Respeito e muita atenção, sejam carinhosos, porque trabalhamos com vida, ali é lugar de cuidar de vida”. 

Por sua história de vida e seu zelo e trabalho na SC, Tanira é Personalidade do Ano de 2019.