Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Dona Eva deixa um legado de trabalho e de cultura

Edição nº 1673 - 03 de Maio de 2019

Eva dos Santos Nascimento, a Dona Eva do Carnaval, morreu aos 88 anos na noite do dia último dia 25, no Hospital Municipal de Nova Ponte, cidade residiu nos últimos anos de sua vida, mas sempre presente nos eventos carnavalescos de Sacramento. Casada com Francisco Antônio Nascimento (Chico Preto), Dona Eva deixou uma grande prole, composta de oito filhos, três deles do coração, que lhe deram cerca de 50 outros descendentes entre netos, bisnetos e tataranetos, mas deixa sobretudo, um grande legado de trabalho e dedicação ao carnaval sacramentano. 

 

A trajetória até chegar a Sacramento nos anos 60

Natural de Xique-xique (BA), dona Eva se casou com Francisco, na cidade de Remanso (BA), onde nasceu a primogênita, Luzia. Mas conforme os familiares, devido à profissão do pai, que era canteiro (profissional que trabalha na arte de talhar blocos de rocha bruta de forma a constituir paralelepípedos), a família se mudou para a divisa do Maranhão  e mais tarde para São Paulo, onde nasceram mais três filhas, Maria  Lúcia, Maria Luiza e Maria José. De São Paulo, a família se mudou para Brasília, onde nasceu Maria Lucilene. Retornam a Minas e, em Araguari, nasceu Marlon. Dali vieram para Sacramento. Primeiro veio Chico Preto, para trabalhar na mina de pedra da cidade, no segundo mandato do então prefeito, José Sebastião de Almeida, com outros dois canteiros, Nego Chico e Chico Branco. Conforme registros no site da Câmara Municipal, entre outras obras, José Sebastião calçou 4 mil m² de ruas com paralelepídos (hoje, lamentavelmente encobertos pelo asfalto). Ainda como curiosidade, o valor da obra foi NCR$ 16.000,00 (dezesseis mil cruzeiros novos). 
Findo o serviço, Chico Preto saiu em busca de outra pedreira. Foi trabalhar no sul do país, Paraná e Santa Catarina. No início, mantinha contato com a família, depois desapareceu. Sua última visita à família foi na Copa do Mundo de 1970. Afirmou na época, através de carta, que viria buscar Da. Eva e os filhos no final do ano, porém nunca mais entrou em contato. A família escreveu no endereço sobrescritado por Chico Preto, mas todas retornaram ao remetente.
Com a maioria dos filhos ainda pequenos, a brava Eva foi à luta. Trabalhando por muitos anos como doméstica até que deixou o serviço para se dedicar à panha de café. Os filhos cresceram e ela pôde enfim dar um fôlego e logo lhe chegaram mais dois filhos do coração, Wellington e Evellyn, o que demonstra que seu amor pelo próximo era bem maior que se corpo, franzino, porém ágil, conforme demonstrava a cada carnaval sempre como destaque entre as baianas, aliás, baiana de corpo, alma e nascimento. 
E fez história no carnaval 

O carnaval há tempos fazia parte da história de Sacramento, com os cordões idealizados e iniciados com Conceição e os bailes nos clubes, Sacramento Clube, XIII de Maio e Operários. Em 1978, o então prefeito José Alberto Bernardes Borges oficializou o Carnaval de Rua e, a partir de então, dona Eva começou a brilhar na passarela como autêntica baiana de Xique-Xique. No início, com os belos vestidos e turbantes brancos, depois com o passar do tempo adotou trajes mais apurados, escolhidos a dedo, e diferenciados dos demais da ala, da qual ela era a destaque.
Brilhou como baiana e foi  premiadíssima até desfilar como hors-concours. Mas nem por isso abandonou a passarela, desfilando em quase todas as escolas de samba da cidade. Começou na XIII de Maio, tendo feito parte da diretoria  do clube, mas desfilou também na Mocidade Alegre Sacramentana, Operários (clube que ajudou a fundar), Unidos da Estação, Beija Flor Sacramentana, em todas com o sorriso e a  alegria extremada de  sempre.  
O seu brilho contagiou também os filhos, que assim como a mãe, por anos participaram dos desfiles, Luzia e Luísa como baianas, Lucilene e Maria José como passistas, Lúcia e o marido Luís Pedro, como porta-bandeira e mestre-sala, as netas Lucília, Márcia,  Gympehra como passistas, madrinhas de baterias e Marlon como mestre de bateria, e vieram outros tantos netos,  todos fazendo história na avenida do samba. Até que foi vencida pela inexorável fragilidade advinda dos anos. O último desfile aconteceu em 2004, quando foi destaque num carro alegórico da Escola de Samba Beija-flor Sacramentana.
Dona Eva, apesar de ter vivido 31 anos em Sacramento e contribuído com a história do carnaval local, nunca recebeu o Título de Cidadania, mas pela sua grande contribuição, à cultura carnavalesca recebeu homenagem da Câmara Municipal de Sacramento, por indicação do vereador Cleber Rosa da Cunha. E em 2017, recebeu também homenagens do Grupo Cultural Identidade Negra.
Os últimos anos em Nova Ponte 

De acordo com a família, há cerca de dez anos, dona Eva teve de amputar uma perna, por complicações do diabetes e passou a usar uma prótese. “A idade veio chegando, a saúde se agravando, mas ela sempre lutando, adorava viver”, reconhecem os filhos. 
Mas, nos últimos meses, seu estado de saúde complicou ainda mais. Esteve internada na Santa Casa de Sacramento em dezembro, no mês seguinte mais uma internação em Nova Ponte, desta vez, vítima de um infarto. E desde então, veio alternando entre o hospital e a casa, até que no dia 24 de abril foi internada pela última vez. Na noite seguinte, o esteio da família Nascimento tombou, deixando um grande legado para a família, amigos, conhecidos e para Sacramento. 
Dona Eva faz jus à máxima de Fernando Pessoa, de que “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Soube combater o bom combate e hoje descansa em Deus.