O jovem sacramentano, Rafael Crema Carvalho 18 chegou ao Brasil de retorno da Alemanha, onde passou um ano, no dia de Santos Reis 6. Quer dizer, abençoado. Não é fácil para um brasileiro acostumado ao clima tropical, suportar o inverno nórdico, o difícil idioma germânico e um povo meio 'fechado'... Mas o espírito de aventura e alegria, aliado a uma inteligência peculiar fez o jovem 'tirar de letra' toda a idiossincrasia alemã e viver um ano maravilhoso, onde estudou, aprendeu, cantou e deixou o cabelo crescer a 'black power'. Filho de Ana Maria Araújo Crema e Jair Carvalho de Oliveira, Rafael viveu experiências marcantes nesses 12 meses vivendo com famílias rotarianas nas cidades de Johannesberg e Mainaschaff, no estado da Bavaria.
Nova visão de mundo
Para Rafael, o intercâmbio pelo Rotary proporcionou-lhe experiências diversas e muito interessantes. “Pelo fato de o Rotary ser uma organização mundial, pude encontrar e conviver com intercambistas do mundo inteiro e, tive a oportunidade de fazer várias viagens e conhecer bastantes lugares, pessoas e fazer amizades que são para a vida inteira. São como se fossem família. Essa experiência fez minha visão de mundo diminuir e aumentar ao mesmo tempo, porque além de poder conhecer pessoas de todos os lugares, vi que as pessoas são muito parecidas, embora tenham culturas diferentes. Vi que pessoas, são pessoas e quão grande é o mundo, justamente pela diversidade que pude conhecer e vivenciar todos os dias lá”.
Apesar de fechados, os alemães recebem bem imigrantes do mundo inteiro. Só na minha sala da escola onde estudei, mais da metade dos alunos éramos imigrantes ou filhos de imigrantes. Turcos, sírios, russos, africanos, espanhóis, orientais, enfim gente de todas as culturas e, alguns residentes no país, outros, intercambistas e isso revela a mistura cultural que está ocorrendo, não só na Alemanha, mas na Europa como um todo, algo que me surpreendeu e me proporcionou uma nova visão de mundo. A gente vê que o mundo é grande e pequeno ao mesmo tempo, que pessoas são pessoas, independente da sua cultura”.
A queda do Muro de Berlim
Falando sobre a diferença entre as duas Alemanhas, ocidental e oriental, Rafael pôde aprofundar-se sobre o assunto. “A diferença hoje é física, a política não existe mais”, percebeu. O Muro de Berlin foi derrubado exatamente há dez anos, em 1989. Construído em 1961, durante a Guerra Fria, ele dividiu a Alemanha em dois blocos por 28 anos: a República Democrática da Alemanha, ocidental, capital Bonn, que seguia o regime socialista, alinhada ao Pacto de Varsóvia, e a República Federal da Alemanha, conduzida sob o regime capitalista da OTAN”.
“O muro começou a ser derrubado em 9 de novembro de 1989 e a Alemanha foi reunificada em 3/10/1990. Eu morava na parte ocidental, norte da Bavaria, mas tive vários amigos que moravam na parte oriental. Diferenças, hoje em dia, não tem, a diferença que existe é na arquitetura dos prédios. No lado ocidental, os prédios são diversificados, já na parte oriental são monoblocos, construções estilo soviético”, diferencia.
Eu tive a oportunidade de conversar com pessoas mais velhas que viveram dos dois lados e pude perceber a diferença que era a vida das pessoas de cada lado. Fui a Berlim duas vezes, uma cidade maravilhosa e lá podemos ver, perfeitamente, a divisão, o muro que cortava a cidade, a arquitetura peculiar dos prédios e os resquícios que as pessoas deixavam para se lembrar daquele tempo. Há por exemplo faixas no chão que demarcam onde passava o muro. O majestoso 'Portão de Brandemburgo', que antes tinha o muro bem à sua frente é o marco principal daquele tempo. Podemos ainda ver a linha onde passava o muro. Mas hoje ele está todo bonito e imponente” (foto).
As famílias alemãs
“Quando cheguei fui recebido como um filho pelas duas famílias que me abrigaram. Passei um tempo muito om com elas. A primeira eram só a mãe e a filha de 13 anos e foi muito legal, porque elas me ajudaram muito no começo e fizemos uma amizade muito forte, porque fiquei sete meses com elas. A segunda era uma família bem maior, a mãe, o namorado da mãe, que tem três filhos, uma de 17 anos, que tinha acabado de voltar do intercâmbio na Austrália e um casal de gêmeos, de 15 anos. Foi também muito legal o tempo com eles, principalmente, porque foi uma grande diferença pra mim, uma mudança grande, porque havia barulho e movimento o tempo todo na casa”.
Uma língua muito difícil
Mas, como nem tudo é perfeito, o idioma foi a pegadinha para Rafael. “Não vou mentir, o idioma alemão é difícil, muito difícil e até hoje não consigo falar o alemão perfeito por conta da gramática e suas declinações. Você tem que saber direitinho, não é como o português que a gente pode jogar com as palavras, no alemão, não, se a palavra é na segunda posição, tem que ser na segunda posição, não dá pra inverter ou seja, tem que falar tudo direito. É muito difícil, e não tem nada parecido com o inglês que domino bem. E eu só pude ter um curso formal de alemão em outubro, ou seja três meses antes de voltar. Então, a parte da gramática mesmo não deu para eu aprender, falta muito para a proficiência, mas falo fluente com os meus amigos e entendo tudo, ou seja, eu aprendi falando. Falo e entendo o alemão, só não sei a norma culta”.
Educação pública diferenciada
Rafael, que já havia concluído o ensino médio no Brasil, estudou em duas escolas no país, uma exigência rotária. “Por conta do clima, o ano escolar é diferente do nosso. Como saí do Brasil em janeiro, peguei o segundo semestre de um ano escolar e o primeiro do outro. Então, iniciei no último semestre em uma escola cuja experiência não foi muito boa, não fiz amigos, o pessoal era muito fechado. Mesmo entre eles, percebi que não havia amizade, mas, fora da escola pude conhecer e conviver com muitos amigos. Já no semestre seguinte tive a oportunidade de ir para outra escola, onde meus amigos estudavam e a experiência foi completamente diferente, todos muitos atenciosos, receptivos, inclusive os professores”.
Maioria das escolas são públicas
De acordo com Rafael, na Alemanha existem pouquíssimas escolas particulares. “O que predomina são as escolas públicas com um ensino de primeira, muito bom, seja particular ou público. As escolas cobram demais dos alunos, porque as notas, o rendimento escolar é que dão acesso às universidades, bem diferente das escolas do Brasil, onde você pode ingressar na universidade sem considerar as notas do ensino médio, bastando o Enem ou o vestibular.
Vestibular é na própria escola
Pra começar, as notas vão de 1 a 6, sendo 1 a melhor e 6 a pior. Os professores incentivam e cobram muito dos alunos, porque no final do curso eles fazem uma prova chamada Abitur, que é como um vestibular, aplicado pela própria escola. Por isso, os alunos têm que estar sempre estudando, pesquisando tudo. Cada um quer dar o melhor de si, para conquistar as melhores escolas superiores. O método de cobrança da matéria é totalmente diferente. A aula dada hoje, no dia seguinte, um dos alunos é chamado à frente para expor o assunto, propiciando aos alunos estarem sempre afiados, incentivados ao estudo”, compara.
Como aprender um idioma
O que chamou a atenção de Rafael também foi a forma como os alunos estudam outros idiomas. “Diferente do que ocorre no Brasil, muito preso à gramática. Nas escolas alemãs eles conseguem, realmente, aprender um novo idioma na escola. A maioria fala inglês muito bem por conta do método. Ao invés de ficar focado no verbo To be até o 3º Colegial, eles aprendem a história dos países. Por exemplo, nas minhas aulas de inglês, o primeiro capítulo foi sobre a 'questão racial nos Estados Unidos', o segundo sobre a questão racial no Reino Unido. Os alunos se preparam através de debates, discussões, vídeos, textos, notícias, tudo em inglês. E discutem também atualidades. Uma das últimas aulas que tive lá, o debate foi sobre o 'Brexit'. O mesmo acontece nas aulas de espanhol, francês, latim...
O músico Rafael na Europa
Músico e expert no violão, que foi o seu companheiro de viagem, Rafael não perdeu tempo. Tirou 'grana' pra se manter no dia a dia, conforme relata. “A música na Alemanha é forte e para mim não foi diferente. Gosto muito de tocar, cantar e eu era o menino do violão a tiracolo. Tanto que fiz uma viagem pela Europa e, na maior parte dos dias, eu não usava o dinheiro que tinha, eu ia para a rua, tocava violão meia hora, uma hora, cantava músicas em inglês, português e, algumas vezes, em alemão. Com esse dinheiro eu me alimentava, saia com os amigos. Rendia bem! Eu valorizava muito a boa música brasileira, que o pessoal gostava muito”, revela, destacando, porém, que algumas vezes chegou a ser impedido de tocar.
“Um dia eu estava tocando no metrô, enquanto esperava uma amiga chegar e do nada chegaram quatro policiais. Por sorte, minha a amiga chegou bem na hora... Outra vez foi em Veneza, na praça São Marcos, eles me pararam depois que eu havia tocado por um bom tempo e ganhado um dinheirinho bom. Mas, enfim fiz isso em vários lugares, inclusive bares na Alemanha e foi muito legal, minha arte estava fazendo parte do ambiente”.
O Brasil para os alemães
De acordo com Rafael, a visão que os alemães têm do Brasil é de um povo feliz, alegre, dançante, divertido, festeiro, e de certa forma tinham razão, porque estávamos sempre cantando, animados. Mas não faltavam as piadinhas do 7x1 (Alemanha derrota o Brasil em casa na semifinal da Copa 2014 por 7x1). E só pararam de encher o saco, depois da Copa de 2018, quando a Coreia do Sul tirou os alemães da Copa ao vencer o jogo por 2x0 na fase de grupo”.
Rafael tem planos para o futuro, claro, mas pelos menos nos próximos meses pretende continuar como professor de inglês no CNA. “Mas vou fazer vestibular na UFU, pretendo ingressas no curso de Relações Internacionais, uma área de que gosto e me interesso muito, gosto de línguas, história, política, economia, assuntos muito ligados ao curso. Conseguindo ingressar na UFU, depois de alguns semestres quero tentar me transferir para a USP e morar em São Paulo, onde tem um mercado internacional maior e poder abrir asas...”
Bolsonaro visto pelos alemães
“Eu acompanhei de longe as eleições do primeiro e segundo turnos. E confesso que foi bom não estar no Brasil, porque eu ficava angustiado, houve noites que não consegui dormir pensando nas eleições. Ver o que estava acontecendo aqui, era algo que me angustiava bastante e os alemães olhavam tudo aquilo incrédulos. Após a eleição, atitudes como as adotadas pelo novo governo brasileiro são inadmissíveis na Europa. Por exemplo, repercutiu muito negativamente, a ameaça de sair do Acordo de Paris, que é algo muito importante, que precisamos ter aqui, pelo fato de o Brasil ser uma potência ambiental. Temos a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, a maior biodiversidade do mundo, então, não dá pra negar esse tipo de coisa. E, fazer o que o presidente está fazendo é algo inaceitável, reflete como se fosse uma facada nas costas, porque lá, eles têm várias medidas pra combater a degradação ambiental, a questão do aquecimento global, o lixo... Eles têm uma cultura reciclável, lá não se vê garrafinhas jogadas, enfim, não se vê lixo, as pessoas são muito verdes, algo que falta muito no Brasil.