Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Donaldo e Hebe recordam os bons tempos do rádio

Edição nº 1629 - 29 de Junho de 2018

Num papo gostoso no aniversário das netas, Gabriela e Malu, pouco antes da estreia do Brasil na Copa de 2018, dois longevos torcedores da seleção brasileira, Hebe Portella e Donaldo Rezende toparam com o repórter do ET um papo sobre os tempos em que os jogos eram transmitidos pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, pelas vozes de inesquecíveis narradores, chamados 'speakers', como Jorge Cury, flamenguista doente; Waldir Amaral, Milton Leite, Fiori Gilliotti... “Como papai, eu também preferia o rádio, era muito mais emoçãooooo!!”, diz Hebe, com aprovação do amigo Donaldo. 

 

ET - Qual foi a primeira copa de vocês?

Donaldo - Estou vendo copa do mundo desde 1950... a primeira realizada no Brasil, no ano da inauguração do Maracanã, no dia 16 de junho, quando o Brasil, que precisava de um empate, saiu na frente mas perdeu por 2 a 1, com um gol de Ghiggia. Esse ninguém  esquece. As transmissões eram todas radiofônicas, com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro dominando a audiência aqui pelo interior. 

 

ET - As primeiras transmissões televisadas são de 50...

Donaldo - Mas chegaram depois da copa. Eu me lembro, em 1954, os jogos chegavam em videoteipe. Nessa época, eu estava jogando bola em Sacramento, tinha 18 anos, como não havia televisão aqui, íamos até Igarapava ver o videoteipe do jogo. Lembro que a primeira Copa que tivemos direto na TV foi em 1970, e já era colorida pra quem tinha TV em cores, o que por aqui era raro. Aliás, quem tinha TV era preto e branco. Mas o mais importante daquele tempo não era o sistema de transmissão, mas o talento de Pelé Garrincha, Didi... Hoje não precisa saber jogar, basta ter físico. Naquele tempo os jogadores tinham técnica, não tinha brutalidade. Hoje, não, se tiver preparo físico pra cercar a bola está bom”.

 

ET - E você, Hebe, caladinha aí, viveu essas emoções do Donaldo?

Hebe - Sim, sempre gostei e vivi essas emoções. Mas me declaro mais nacionalista do que futebolista.  Na Copa de 1958, eu já estava casada e residindo em Belo Horizonte. Assisti aos jogos pela TV. O Donaldo falou que viu o jogo de 1970 na TV colorida, eu me lembrei do papai (Dr. Juca). Eu vim a Sacramento e comentei com ele da televisão, colorida. Ele foi a BH e viu o jogo em casa, viu o campo, jogadores, tudo em cores, e eu no maior entusiasmo por ele ver o jogo, perguntei: E aí, pai, gostou? Ele tascou: “Não. Prefiro no rádio.  No rádio é muito mais emoçãããããoo”! (risos).

 

Donaldo - E ele tinha razão, a emoção que o locutor passava, não tem igual. Eles estavam vendo o jogo para nós, eram os nossos olhos e floreavam as jogadas. A gente ficava doido. Pela TV a gente está vendo onde está a bola, no rádio a gente segue a jogada pela voz do narrador. Havia locutores esportivos muito bons, parece que a gente via a bola rodando... Lembro do Jorge Cury, flamenguista doente, o Waldir Amaral, Milton Leite, Fiori Gilliotti... 

 

ET - O comentarista Nelson Rodrigues, grande escritor e dramaturgo carioca...

Donaldo - Era um Fluminense doente. Era uma rivalidade saudável com os flamenguistas. Ele se revelou como um grande cronista esportivo da Rádio Nacional, que sintonizava muito bem por aqui, na época. A gente até ouvia a torcida. Dia de jogo era todo mundo agarrado no rádio. E tem mais, não era todo mundo que tinha rádio bom, não... (risos).

 

ET - E como era a torcida feminina, Hebe?

Hebe - A torcida das mulheres era bem mais velada. O machismo imperava. Mulher não ia a estádios, não era favorável a gente ir, não. Mas a gente podia jogar vôlei, normalmente em âmbito escolar. Como eu vim de um período de ditadura, sou de 1932, cresci sem muito entusiasmos com jogo, a não ser o patriotismo que vem de dentro, não de levantar bandeira de pano, mas levantar nós mesmos, nós éramos o pavilhão nacional. E eu praticava na Escola Normal, que tinha um time muito bom, mas eu era bem ruim de bola, não era titular, não... (risos).

 

Donaldo - Eu me lembro desse time. Era formado por Wandinha, Roberta, Doralice, Sidney, etc. O técnico era o Jorjão do Conde.

 

ET - Voltando aqui para o esporte doméstico, se a Hebe foi ruim de bola, você, Donaldo compôs um dos grandes times que o Clube Atlético Sacramentano (CAS) já teve, não?

Donaldo - Modéstia à parte, sim. Em 1950, o Atlético formou um dos melhores times de sua história. Mas entre os homens, não havia esse clima político e patriótico que fala a Hebe, não. Naquela época, para nós do interior, o que havia eram o Carnaval do clube e o futebol, que movimentavam a cidade...

 

ET - Escale o time da época...

Donaldo - Éramos Japão, goleiro; Jezebel, Negrinho, Sô Zé, Marinho, Liberto, Pereira, Donaldo, Chuca, João Alfredo, Marinho e Quinzinho. O técnico era Almerindo Tomaz. Todo domingo havia jogos com as cidades vizinhas. O assunto da segunda-feira era o jogo. O nome do clube, Atlético, veio por influência do Dr. João Cordeiro, então prefeito, que construiu o campo. Quando fazia Medicina em BH, era craque do Atlético Mineiro. Depois de formado, voltou, montou o time e jogou na inauguração. O Atlético foi, de fato, um marco no esporte sacramentano.

 

ET - E o Sucuri? O Flamengo?...

Donaldo - O Sucuri apareceu bem depois, mas essa é outra história... (risos). Já o Flamengo é uma paixão também muito antiga, que começa com as transmissões do campeonato carioca pela Rádio Nacional, a única que a gente sintonizava bem, por isso os clubes do Rio eram os preferidos. O Som do Borjão torcia para o Amerquinha do Rio; meu tio Rui era Fluminense.  

 

ET - O Amur, irmão da Hebe, botafoguense, o Urbaninho Bezerra, fluminenchi... 

Donaldo - E aí com a chegada da TV, as novelas, os campeonatos estaduais de outros estados, principalmente de São Paulo e Minas novas opções de preferência foram surgindo. E começa também a decadência dos clubes nas cidades do interior. Os jogos transmitidos pelas TVs, à tarde, tiram o público dos campos de futebol. 

 

ET - E a Hebe é o quê?

Hebe - Sou cruzeirense, com muita honra, por causa do meu filho. Em casa todo mundo era atleticano.  Não existia Mineirão ainda, e quando ele foi inaugurado, as mulheres já podiam ir aos estádios. E em casa, eu tinha o meu filho, José Antônio, atleticano doente. Ele era gago, fez tratamento até com Helena Antipoffi e chegou-se à conclusão de que ele precisava ser valorizado e, por orientação dela, eu deveria ser adversária dele. E qual é o maior adversário dos atleticanos? Eu aceitei. Vim a Sacramento, a Profa. Luzia Schiffini me fez uma bandeira do Atlético e outra do Cruzeiro, com uma raposa comendo uma coxa de galo. E com elas fomos para o Mineirão. Ele chorava, queria rasgar minha bandeira, queria morrer... Foi um tratamento de choque, que deu certo. E eu me tornei cruzeirense para sempre. 

 

ET - Vamos terminar. Donaldo, acredita na seleção do Tite?

Donaldo - Sim, espero que o Brasil seja campeão. Espero que o Brasil ganhe para o povo ficar um pouco alegre, porque não está tendo razão para ficar feliz hora nenhuma... 

 

ET - E a Da. Hebe?

Hebe - Sou uma pessoa espiritualizada, rezo muito e ultimamente não rezo pra mim ou minha família, rezo por Sacramento, pelo País de maneira geral e para a Humanidade. Estou extremamente desencantada com o mundo todo. Fico na televisão, não estou ausente do mundo. Mas como eu sei e é sabido, o futebol é o ópio do povo, respeito. Já assisti a muitas coisas no futebol: briga, morte, felicidade... E o povo lá, feliz. Criança de colo os pais já vestem o bebê com uma camisa de seu time. Então, futebol é uma coisa do ser humano. E eu penso o seguinte: não quero saber. Se o Brasil ganhar essa Copa, não estou nem aí, mas gostaria que não ganhasse...

 

ET - Por quê?

Hebe - Porque o país está num momento muito triste.  Estamos a dois, três meses das eleições e não temos nem candidatos. O que se apresenta é um desencanto. E aí me lembro de papai, que dizia: “Minas Gerais é um estaleiro de políticos”. E hoje eu espremo Minas Gerais e não encontro ninguém. Então, é uma desilusão muito grande, porque sou patriota. Eu amo o Brasil. Sei cantar o Hino Nacional que aprendi na escola, o Hino da Bandeira, o Hino da República, Independência... e essa geração de hoje não sabe. Ela não tem esse afã patriota que tivemos. Eu vejo o futebol, mas não tenho aquele entusiasmo que meu pai tinha ouvindo os jogos pelo rádio.