Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

“O homem que vive para servir...

Edição nº 1626 - 08 de Junho de 2018

“Tenho comigo que a frase de Mahatma Ghandi, “O homem que não vive para servir, não serve para viver” expressa uma verdade universal, só comparada à frase do Cristo, quando diz no Evangelho de João, 'Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus irmãos'. 

Esses conceitos máximos me vieram do berço. Aprendi desde criança vendo a lida cotidiana de meus pais que a caridade é a maior de todas as virtudes, por isso S. Tiago traduziu as palavras do Cristo na sua carta: “Meus irmãos, que interessa se alguém disser que tem fé em Deus e não fizer prova disso através de obras”. Guardei sempre essa lembrança de meu lar, meu pai expressando a seu modo rude, sempre calado, a sua caridade através de doações inúmeras, e minha mãe, integrando-se ao Grupo das Irmãs Zeladoras da Santa Casa revelou-se uma grande benemérita e grande amiga das Irmãs de São José de Cluny, que faziam de nossa casa uma hospedagem da Congregação, até que ganharam a clausura e a capela, construídas através de doações de meu pai, Marquezinho,  e Sr. Ferrúcio Bonatti. 

Alguns anos depois, já estudante do curso Clássico, no Colégio Beneditino de São Paulo, constatei na prática, através de trabalho social junto aos pobres da periferia, a grande verdade do apóstolo, de que a ' Fé sem obras é morta'. 

Retornando à cidade natal, nasceu em mim o desejo de contribuir política e socialmente com minha Sacramento, integrando-me a um grupo de amigos para a formação da ODUS – Organização dos Universitários de Sacramento, fundando o jornal O Passa Perto, e daí nos submetendo ao veredicto da vontade popular para alçarmos uma cadeira à Câmara Municipal de Sacramento, onde pudemos dar uma contribuição direcionada ao progresso e desenvolvimento da cidade, a começar com a iluminação da Cemig. 

Ao final do ano de 1970, vencido meu mandato como vereador, a convite de um grupo de amigos, lancei meu nome como candidato a prefeito de Sacramento. Eleito para um mandato de dois anos, meu primeiro olhar foi para a Saúde do município, em especial um comprometimento com a melhoria das condições da Santa Casa. Especialmente, a partir de um terrível acidente ocorrido no dia 22 de fevereiro de 1971, a menos de um mês no cargo. 

Eu me lembro que, vindo com o Walmor, à noite, de Uberaba, onde fazia o curso de Letras, na Faculdade de Filosofia Sto. Tomás de Aquino, fomos ultrapassados pelo médico ortopedista, Dr.  Renê Barsan. Naquele momento, fiquei trêmulo, pensando o que teria acontecido. Fazia 22 dias que eu havia tomado posse como prefeito. Pensei no Cine Capitólio, pois corria o boato que ele poderia desabar. E foi para lá que nos dirigimos, logo que chegamos. Felizmente, tudo bem. E nos dirigimos para a Santa Casa. Qual não foi meu espanto ao ver tanto sofrimento, tantos mortos e feridos nos quartos, e em colchonetes esparramados pelos corredores do hospital. 

Naquela noite chuvosa, na descida da 4ª ponte, pela rodovia que nos liga à Franca, havia ocorrido um terrível acidente, quando dois caminhões se chocaram provocando a morte de 14 trabalhadores da Usina de Jaguara, ainda em construção...

Aquela cena me chocou de tal forma que quando terminei meu mandato de dois anos, decidi trabalhar pela Santa Casa. Fui chamado para ser provedor, agradeci e pedi para ser administrador e tesoureiro. Assim como a vi completamente carente naquela noite fatídica, nossa Santa Casa continuava à míngua e, principalmente, sem recursos. Pus-me a trabalhar com o objetivo de transformar aquele nosocômio. Enfrentei o desafio. E com o apoio da comunidade, pude realizar naquele hospital uma das melhores reformas ali já vistas, embora tudo isso não seja uma glória exclusivamente minha. 

Ao enfrentar a tarefa, iniciei fazendo um curso de Administração com Dr. Delcides, na Sociedade Logosófica  de Belo Horizonte. Aprendi arquitetura hospitalar com ele. E com minha tia, Irmã Flávia, então diretora do Hospital São Domingos de Uberaba, aproveitei muitas ideias, com isso transformando todo o sistema administrativo da Santa Casa, desde o trabalho das enfermeiras e demais funcionários ao seu aspecto físico, dando uma nova fachada ao prédio e, no seu interior, transformando todos os quartos em apartamentos. 

Tudo isso, sei hoje, foi uma grande graça de Deus, porque nós temos que servir. “Gutta cavat lapidem non vi sed saepe cadendo” (A gota d´água cava pedra não pela força, mas pela constância e insistência). 

Foi minha modesta contribuição que não me vangloria, antes, reconheço o magnânimo trabalho de tantas pessoas anônimas, diretores, voluntários, colaboradores que ali serviram ao longo desses 90 anos, na acepção evangélica do 'viver para servir', resultando nessa obra gigantesca, que é a Santa Casa.  

É aquilo que diz o Cristo: “Amar o próximo como a si mesmo”, colocar a mão na massa, em vez de lamentar-se: 'Eu tenho dó de fulano, de sicrano...”. Não, minha gente, eu aprendi com meu grande amigo, de saudosa memória, Tomás Novelino, que temos que promover integralmente o homem, em todas as suas dimensões, esta é a verdadeira educação. 

Ao citar esse empresário visionário, reconheço, humildemente, que na minha história de vida, três grandes homens me nortearam. Dr. Tomás, pelo seu ideal e trabalho na construção desse homem integral. Na qualidade de prefeito, apresentei à Câmara Municipal, um projeto de doação de uma grande área para que ali ele construísse o Educandário Eurípedes Barsanulfo, hoje uma escola referência.

O ex-presidente Juscelino Kubistchek pelo avanço das ideias, arrojo e coragem ao transferir a capital do país para o planalto central. E Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, bispo diocesano de Uberaba, pela sua firmeza na condução da Igreja, inteligência e grande oratória.

Enfim, eu me dediquei à Santa Casa, porque aprendi que ali é lugar de cuidar do ser humano. E ali permaneci envolvido com toda essa obra durante quatro anos. Saí triste daquela que já era uma Casa Santa, para me candidatar novamente e assim seguir caminhando. Deixo a todos essa humilde lição, de nos empenharmos na obra do servir o outro, como diretores, voluntários, colaboradores dessa grande parcela da sociedade mais carente.

Eu me senti muito honrado aqui nesta noite. Agradeço à diretoria por esta homenagem, este reconhecimento.  Acredito que tudo o que fazemos é para Deus, mas, às vezes, temos que mostrar, para incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo, mostrar-lhes o caminho do bem, e o caminho do bem é o próximo. “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”, disse Jesus, ou seja, amar a Deus é amar o nosso próximo, como na linda parábola do bom samaritano. Muito obrigado. 

José Alberto Bernardes Borges