É sabido que o Desemboque, vilarejo nascido das catas de ouro de aluvião no século XVIII tinha muitos negros escravos. Até o seu declínio, no primeiro quartel do século XIX, muitos desses africanos ou afrodescentes, já nascidos em terras brasileiras, acompanharam seus donos nas entradas pelo Brasil central, irradiando povoações a partir de todo o Sertão da Farinha Podre.
Em 1888, com a libertação dos escravos e livres do jugo da casa grande se espalharam pelas cidades, recém fundadas, entre elas, Sacramento. E por aqui aportaram os primeiros habitantes negros dessa leva africana. Possivelmente, os bisavôs dos Caianas que, segundo essa grande família, levou o nome por conta de um de seus descendentes, João Manuel da Silva (João Caiana) fabricante de rapadura, que tinha a cana tipo 'caiana', como sua matéria prima básica. (Veja abaixo)
A convite da família, o ET esteve na festa para registrar o encontro da grande família, cuja história daria um livro e foi relatada por vários Caianas, cada um puxando na memória um trecho. Terezinha e Maria Lúcia puxaram a prosa...
“João Caiana teve duas mulheres e 15 filhos. Com a primeira, Alexis Cândida da Silva, nasceram os filhos, Maria Izabel, Adelina, Terezinha, Manuel, Sebastião, Celma, Maria Madalena e Antonio, dos quais restam vivos, Terezinha e Madalena. Viúvo, casa-se com a segunda mulher, Maria Antônia da Silva, que lhe rendeu outros oito filhos, João Batista, Luiz Fernando, Hélia, Gilmar, Maria Lúcia, Ana Maria e Eugênia, todos vivos. E dessa numerosa prole, nascem os primeiros netos e dos netos, bisnetos e dos bisnetos, tataranetos que somam hoje mais de 100 descendentes...”, enumeram.
E para comemorar essa descendência, talvez o tronco africano mais longevo a aportar pelas terras sacramentanas, os Caianas, realizaram em 2015, graças a uma ideia Terezinha, a mais velha dos filhos vivos de João Caiana e Alexis; e de Maria Lúcia, filha de João e Maria Antonia, a I Festa dos Caianas.
Já a II Festa dos Caianas, realizada nesse 15 de Novembro, no Clube XIII de Maio, nasceu por uma iniciativa de Sônia, filha do saudoso Sebastião Caiana e acatada por todos. Além de Sônia, fazem parte da equipe da organizadora, Solange, Fabiana, Nilvânia, Tânia, Graciene, Rose e Cirlene todas primas entre si.
A prole Caiana renderam 62 netos, bisnetos e tataranetos, que não sabem precisar quantos. “Já pensou, 62 netos, se cada teve dois filhos são 124, mas teve gente que tem mais de dois. É muito neto. A família é muito grande, pena que nunca se reúnem todos. Sempre há alguém que não pode vir”, lamenta Terezinha, elogiando o encontro:
“- É uma festa bonita, oportunidade de confraternização, de reencontros e de conhecer a parentada, criança cresce, muda as feições, às vezes chegam e dizem, 'bença, tia'. E aí a gente não sabe quem é. Além disso, os mais novos têm que conhecer a família, por isso dei a ideia de fazer o encontro, a gente faz a festa e vamos nos conhecendo”, afirma Terezinha, que teve toda razão em querer preservar a família unida. Para João Batista Caiana, o mais velho do segundo casamento do pai, “a festa é aguardada com ansiedade. É muito bom ver todo mundo reunido, claro, que não é todo mundo, mas é muita gente e só alegria”.
A origem do 'Caiana'
De acordo com os filhos mais velhos, João Caiana e Alexis são descendentes de escravos na região do Desemboque. “Meus bisavós do lado da minha mãe, Alexis, foram escravos no município de Sacramento, mas acho que do lado do papai foram também. Já a Maria Antônia veio de Cruzeiro de Fortaleza, mas antigamente a maioria era escravo, os pais deles e os avós devem ter sido também. Não temos muitas informações sobre eles. Sabemos que papai veio de Uberlândia, ele foi pra lá com meus tios Antônio e José, mas viveram no Desemboque. Sabemos que papai tinha também duas irmãs Maria Abadia e Sebastiana, mas não temos contato. Não sabemos se ainda são vivas”, afirmam as irmãs Terezinha e Lúcia, acrescentando explicações de onde vem o cognome “Caiana”.
“- Meu avô, pai do meu papai, fazia rapadura e eles só plantavam cana caiana, uma cana muito macia. Quando a gente era criança, papai plantava aqui em casa, pegava a cana, torcia, tirava o caldo pra mamãe fazer café. Mas voltando ao apelido deles, papai dizia que meu avô e os filhos saíam vendendo rapadura e o pessoal falava 'é o Antoin da rapadura da cana caiana. Aquele é o João da rapadura da cana caiana...'. Acho que com o tempo foram diminuindo o nome até que ficou só o Caiana. 'Aquele é o Antoin Caiana, é o João Caiana' e pegou. Lá em Uberlândia também, eles eram chamados de 'Caiana', eles plantaram cana lá também e faziam rapadura”, relatam as irmãs com orgulho.
O cognome Caiana já está incorporado na família, mas se tiverem interesse podem incorporá-lo no registro. Pela lei de Registros Públicos (Lei 6015/73), o prenome (1º nome) definitivo, só pode ser mudando mediante autorização judicial, mas o apelido público notório, desde que seja lícito, pode ser incorporado ao nome da família, conforme a Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73). Um exemplo dessa incorporação vem do ex-presidente Lula, cujo nome original era Luís Inácio da Silva, passando depois para Luís Inácio Lula da Silva.
A Vila dos Caiana tem lugar para todos...
Da prole de João Caiana, boa parte nasceu quando a família já morava na cidade. Assim que chegou a Sacramento, João Caiana se estabeleceu com a família, no alto da rua Antônio Carlos, antigamente chamada Rua 12, em referência ao 12 de Outubro, data da restauração da comarca. Terezinha não soube precisar quando foi isso, mas destaca: “Só que papai faleceu são mais de 40 anos e já morávamos todos aqui”.
A área onde cresceram os filhos, tornou-se a hoje conhecida, “Vila dos Caianas”, onde residem cerca de dez famílias, dentre elas, a de Terezinha e de Maria Lúcia. E vivem todos irmãmente, cada um respeitando o espaço do outro. “Os filhos foram se casando, se não tinha onde morar, papai deixava fazer a casa aqui. Hoje vivemos cada um na sua casa, mas todos unidos. A área da frente, onde era a sede, a casa do papai, ali pertence à Eugênia, que é a caçula e mora em São Paulo”, revela Maria Lúcia.
Missão de não deixar esses laços se perderem”
Para o jovem Josimar Silva de Oliveira, filho de Ana Maria e Valmir Campos de Oliveira (Mirim), “poder reunir a família é uma bênção, porque a partir do momento que começam a organizar a festa é uma empolgação só. Para nós é uma alegria, uma grande honra poder participar de uma festa de tamanha proporção, dando continuidade àquilo que nosso avós ensinaram e deixaram, que é a união da família. Eu, e acredito que todos os netos e bisnetos pensam assim, acho que nós temos a grande responsabilidade e a missão de não deixar esses laços se perderem”, afirma.
Josimar, que é, um dos músicos da família, destaca também a parte cultural cultivada desde os tempos dos avós. “Sempre houve muitas festas, cantoria, danças, muito samba e não podemos deixar morrer nem as nossas raízes nem o samba, como bem diz a música, “não deixa o samba morrer,/ não deixa o samba acabar... Então vai ser uma festa completa”.