O sacramentano, Antonio Marcos Félix, conhecido em Sacrramento no círculo de amigos como Totó, 41, o segundo dos quatro filhos do casal Joaquim Félix e Marlene de Souza Félix. Formado em Engenharia Civil pela Uniube em1998, depois de estagiar em uma empresa, no ramo de cimento e concreto na cidade de Uberaba, após a formatura continuou como funcionário, até ingressar no ramo de construção de linhas de transmissão . No final de 2010, contratado por uma das maiores empesas de construção civil pesada do País, Antonio foi para o Amazonas, para construir uma grande linha de transmissão e a Arena de Manaus. Em visita aos familiares em Sacramento, neste mês de agosto, recebeu o ET, na casa dos pais, para um bate papo, falando dos grandes projetos construídos...
ET - Como foi a sua ida para uma das maiores empresas de construção do país?
Antonio - Foi a partir de um convite da própria empresa, que estava formando uma equipe para uma obra de linha de transmissão no Amazonas, saindo de Oriximiná, no Pará, até Silves, no Amazonas e de lá até Manaus, obra considerada uma das mais difíceis na construção civil, nesse ramo de linha de transmissão já executadas no Brasil. E a dificuldade deve-se à diversidade de clima, relevo e vegetação, com vários trechos, que acredito, nunca ninguém havia pisado. Temos torres que chegaram a 180 metros, por exemplo, na travessia do rio Trombetas. De Oriximiná a Silves são 330 km, e mais um trecho de 250 km até Manaus, construído por outra construtora.
ET - Como foi a experiência na selva, as dificuldades, os desafios e como superaram esses obstáculos?
Antonio - Foi realmente uma obra singular. Dá orgulho dizer que trabalhei numa obra desse porte, tão importante e com esse nível de dificuldade. Não há transporte rodoviário, todo o transporte é feito por balsa, no meio da selva. Não há estradas e não há como construir, devido à topografia, muitas lagoas e muitos rios perenes. A variação entre a cota máxima e a mínima dos rios chega a 14 metros. Há locais onde não se consegue trabalhar, então usamos as 'janelas hidrográficas', aqueles espaços das baixas dos rios, sem no entanto estar seco. Se estiver seco não conseguimos trabalhar, porque não dá pra chegar material, que depende do transporte fluvial; e na época das chuvas há os atoleiros, que dificultam muito o serviço. A experiência profissional foi excelente.
ET - Qual a técnica utilizada para a instalação de uma torre em um local como esse?
Antonio - A maior parte do material e equipamentos transportamos durante as 'janelas', que são aqueles espaços das baixas do rio. Primeiro, estocamos todo o material na época da seca, para isso fizemos um estudo do local e da melhor data para essa estocagem, aliado a um planejamento e um cronograma para saber qual a melhor data para cada fundação. Para a fundação utilizamos muito os premoldados, fabricados no pátio, para depois transportá-los de balsa e instalá-los. Todo o pessoal seguia de lanchas e, para isso, tínhamos 66 lanchas e 32 balsas. Para locomoção do pessoal utilizávamos Jeep Bandeirantes 4 x 4, o único capaz de rodar num ambiente daquele, tudo selva. Caminhão não entrava e tudo era levado até as balsas por trator esteira.
ET - E a questão do impacto ambiental na área da floresta?
Antônio - A questão ambiental foi complicada, porque há todo um procedimento para a supressão vegetal. É proibido destocar qualquer espécie, a faixa de serviço tinha apenas 12 m de largura, por isso todo o projeto e execução eram acompanhados uma forte equipe de engenheiros ambientais e pelo IBAMA, que visitava a obra de dois em constantemente. Só havia supressão de vegetação na faixa de servidão, assim mesmo feita através do corte seletivo. Há árvores, a castanheira por exemplo, chega a medir 50 metros de altura. A supressão a céu aberto, chamado 'dossel', tinha apenas 12. metros de largura, por onde passávamos os equipamentos para o lançamento dos cabos, o restante era só corte seletivo, isto é, só podíamos cortar as copas maiores. E como altura da linha é variável, temos várias alturas de torres, a menor tem 34 metros de altura. Como as torres e cabos não podem ficar por baixo das árvores, éramos obrigados a construir torres mais altas. Torres de 50, 74, 100 metros, até chegar a mais alta do projeto, de 180 metros, que fica na travessia do Rio Trombetas. Esse rio tem uma mineradora bem próximo à travessia e o trânsito de navios de carga é muito grande. Ali tivemos de superar uma área alagada de aproximadamente cinco quilômetros e fizemos com seis torres, duas nas margens e quatro dentro do rio, cravadas com bate estacas em cima de balsa, com concreto transportado também por balsas...
ET - Com certeza, em termos de construção de linha, você viveu uma experiência sui generis, única na sua vida?
Antonio - Sem dúvida. Foi fantástico! Uma experiência única em todos os sentidos, mesmo porque, essa foi a primeira obra desse tipo no Brasil. A torre de 180 metros, durante seis meses ficou como sendo a maior torre de linha de transmissão no Brasil, depois foi construída uma maior para fazer a travessia do Rio Amazonas, obra que é do mesmo complexo, só que essa vai de Tucuruí até Manaus e, ela faz toda a interligação do Sistema Nacional de Energia. Antigamente, a região norte não era ligada ao Sistema, agora está todo o sistema interligado. São 1.100.000 quilowatts (1 kw corresponde a 1.000 w), numa linha com circuito duplo de 550 kvk cada um. Dois circuitos numa torre só, com seis feixes de quatro cabos, tanto nas torres autoportantes, construídas com grandes alturas e que ocupam menores espaços, e as estaiadas, para locais com menos vegetação e onde não há grandes vãos.
ET - Sua atividade dentro da obra foi a de um engenheiro projetista, que só permanece dentro do acampamento ou vai também para o canteiro de obras?
Antonio - 'Boto a mão na massa', isto é, trabalho dentro do canteiro de obras com os 480 funcionários. Sou o engenheiro de produção e, além de mim, tem também o gerente de obras. Nos 330 km são nove canteiros de obras e eu fui responsável por dois canteiros, do Km 133 ao 274, quase a metade da obra. O acampamento é uma cidade. Em cada trecho havia um canteiro de obras. Começamos a obra em Urucará, no Amazonas, e fomos até Caburi, uma vila às margens do rio Amazonas, distrito de Parintins.
ET - Como são essas cidades em termos de infraestrutura urbana?
Antônio – Urucará é uma cidade com 18 mil habitantes, limpa, muito boa e o que chama a atenção são as recentes escolas construídas e administradas pelo governo federal dotadas de laboratórios de internet, ar condicionado, com lanchas disponíveis para transportar os alunos ribeirinhos das pequenas vilas onde moram ao longo do rio à escola, na cidade.
ET - E a vila Caburi?
Antônio - Como o nome indica é ainda uma vila, distrito de Parintins, cidade onde realizam o grande Festival de Parintins, com apenas 1.700 habitantes. A energia é por gerador a diesel, telefone fixo raramente funciona, TV também não, mesmo com parabólica, muito mal. E celular não tem sinal, fizemos várias tentativas, chegamos a colocar uma torre de 70 metros para termos contato com a família e não conseguimos sinal. Nossa comunicação era via internet. Montamos um link de internet e com esses telefones multifuncionais conseguimos comunicação.
ET - Uma viagem de Caburi a Sacramento é uma aventura...
Antônio - Se é!.. No mínimo, com todas as condições a favor, 23 horas de viagem. Começamos com um percurso de uma hora com caminhontete pra sair da vila , depois mais 6 horas de lancha Pelo Rio Amazonas até a cidade de Itapiranga, e mais 6 horas até Manaus. As lanchas com motor de popa de de até 250 CV, com capacidade para até 70 pessoas. Daí até Uberlândia são mais 7horas de voo(contanto com as conexões) e, mais duas de carro até a casa da Da. Marlene.
ET - Nesse tempo todo, o que foi o lazer pra você?
Antonio - É até interessante perguntar isso, porque não havia uma televisão para assistir, então o lazer era a conversa, o que era muito bom. A gente fez um quiosque, um fogão de lenha e ali fazíamos um feijão mineiro, uma galinha caipira, sentávamos e papeávamos, jogávamos conversa fora, dávamos boas risadas. Para mim, além do aprendizado profissional, o crescimento como pessoa foi muito grande.
ET - Muita miséria na região?
Antonio - Não. Não se vê ninguém passando fome, o peixe é abundante, a base da alimentação: peixe com farinha. E muito ao contrário do que as pessoas imaginam, de que ali é só miséria e só há índios, enganam-se. São pessoas muito parecidas com os mineiros, porque recebem e tratam muito bem quem chega. Fiz muito boas amizades e é gratificante o carisma das pessoas com a gente. Há pessoas pobres, mas não passam fome, são abundantes a farinha e o peixe. Há trabalho, por exemplo, nas roças de mandioca, fabricação de farinha, colheita de castanha-do-brasil, cupuaçu etc. A região não é produtora de seringa, mas produz guaraná. Então, cada um tem seu meio e sua forma de trabalhar, dentro da sua perspectiva de vida.
ET - Você trabalhou na obra até sua conclusão?
Antonio - Do início ao fim, da primeira fundação até a entrega final para Abengoa Brasil, empresa espanhola, que fez um consórcio com a Eletronorte.
ET - Depois vieram as obras da Copa?
Antônio - Sim. Saindo de Manaus fui para o Estádio Mané Garrincha, em Brasília, dois meses e meio, já na etapa final, no checklist, a vistoria final e, depois para a Arena da Amazônia, onde trabalhei até ao fim. E, modéstia a parte, a Arena é, disparado, o estádio mais bonito do Brasil. Embora seja construída em um estado que não tem grandes times, o estádio é uma arena multiuso, serve para shows, para eventos diversos e que será muito utilizada. O Mané Garrincha é um estádio para 72 mil pessoas, muito bonito também, muito bem acabado, uma arquitetura bonita... Já a Arena de Manaus é bem menor, para 44 mil pessoas, só que o diferencial foi sua concepção, em forma de um cesto. Os arquitetos foram muito felizes ao concebê-la e o acabamento interno é excelente. Dentro do estádio foi imaginada uma salada de frutas, por isso cada ambiente tem a cor de uma fruta da região. A cobertura é toda metálica, com cada segmento separado, pesando 110 toneladas, montado módulo a módulo e, cobertos por uma membrana, fabricada na Alemanha, que capta os raios ultravioletas e os absorve, não deixando passar nada para dentro e, quanto mais ela absorve, mais branca ela fica, é como se fosse um filtro. Toda água da chuva que cai sobre essa manta vai para tanques projetados, de onde é reutilizada, nos banheiros, limpeza de pátio, de escada, etc. E antes de a água ser lançada no esgoto, ela é tratada.
ET - Quando você viu a presidenta Dilma entrar para visitar um estádio desses e você ali como engenheiro, que emoção você viveu?
Antonio - Foi incrível! Uma emoção muito grande, a gente chega ao ápice por ver que ajudou a construir tudo aquilo com outras pessoas, cada um no seu trabalho desde o servente que carregou a massa, as cadeiras, isto é, cada um deixou um pouquinho do seu suor, foi muito gratificante.
ET - Durante a construção desses estádios houve muita crítica, por conta dos gastos... Você compartilha com essa posição, especialmente, alavancada pela grande mídia do país?
Antonio - Não. É que a gente fica muito focado dentro da parte de planejamento e construção. Há os gerentes que comentam alguma coisa, mas o foco é tão grande, que a gente fica praticamente o dia e noite trabalhando. Quantas vezes, cheguei às 6h da manhã e saí 2h da madrugada? Foram inúmeras vezes, fazendo planejamento, trabalhando junto com o pessoal. E, realmente, críticas existem, afirmando que se gastou muito dinheiro, que as obras foram demoradas, valores contestados, que se punam os culpados. Para isso existem os Tribunais de Conta... Mas um estádio desses para uma Copa do Mundo, que foi muito elogiada pela Fifa, como um dos eventos mais bem organizados da copa do mundo do Brasil, faz com que as pessoas deixem isso para trás.
ET - Não veem o retorno...
Antônio - Exatamente. Foram muitos empregos gerados. A renda que os turistas deixaram para a cidade, o desenvolvimento que houve com a construção de hotéis, readequação das vias urbanas, transporte público. Muitas vezes as pessoas olham o que foi gasto, mas o que houve de benefícios não se consegue mensurar. Na construção da Arena eram 3.600 pessoas trabalhando e agora ela passa a receber grandes espetáculos e haverá jogos de clubes do sudeste. Por exemplo, a maior torcida na cidade existente em Manaus é flamenguista, além de outros clubes grandes do Brasil. Portanto, qualquer jogo desses na Arena de Manaus é certeza de casa cheia.
ET - Nesse tempo todo na região Norte, chegou a desfrutar da cultura local, como por exemplo, o festival de Parintins? Aliás, você passou uma temporada lá pertinho...
Antonio - Sim, claro, quando estava em Caburi... O festival é muito bonito, ele é realizado dentro do Bumbódromo. E o interessante é que em Parintins tudo é dividido, a lata da Coca Cola, por exemplo, é vermelha de um lado e azul do outro, relacionada aos bois Caprichoso, que é azul, e o Garantido, que é vermelho. O banco Bradesco é metade azul, metade vermelho, é uma rivalidade muito grande, mas saudável, até a cidade, uma parte é do Caprichoso, outra é do Garantido. E é uma festa espetacular, uma coreografia que não perde para o Carnaval no Rio de Janeiro. Tudo muito bem feito. O bumbódromo é dividido, cada boi desfila de um lado e cada torcida só se manifesta na hora do seu desfile, aí pode gritar, aplaudir, fotografar... Se alguém do outro boi se manifestar, o boi é penalizado, por isso a torcida adversária fica quietinha, caladinha, quando a rival desfila. Em 2011, um fato me chamou a atenção e me emocionou. O Caprichoso estava desfilando com uma enorme serpente, a cobra grande da Amazônia, e foram várias coreografias. E quando pensamos que o desfile estava acabando, a serpente abriu a boca e saíram centenas de 'cunhã-porans', que são mocinhas vestidas de índias. E aí foi emocionante, toda a torcida se levantou e começou aplaudir. Isso me marcou muito, a criatividade daquele povo.
ET – O que vem agora pela frente na vida do engenheiro Antônio, em termos de obras?
Antonio – Atualmente, já estou em Salvador (BA), como responsável pela construção das estações de metrô de superfície, em fase de construção há 10 anos e estava parada, recomeçamos agora no final de 2013. Quatro estações estão prontas. É uma obra prevista para 40 meses, com duas linhas, uma do centro até região de Pirajá e, outra, do Acesso Norte até o aeroporto. Trata-se de um projeto novo, onde já está prevista também uma ampliação de mais oito quilômetros das linhas um e dois. A previsão é de que eu permaneça por lá uns quatro anos. É uma cidade bonita em termo de paisagem, e como o povo baiano tem uma cultura completamente diferente da nossa, eu ainda estou me adaptando... O baiano, cada um tem a sua peculiaridade, mas o povo gosta muito de praia, de regue, de festa e a gente tem que aprender a conviver dentro de sua rica cultura. A vantagem é de estar bem mais perto de casa...
ET - Finalizando... Totó, você se sente gratificado pelo que já ajudou a construir?
Antonio - Muito, muito... É muito gratificante ser filho da dona Marlene cozinheira e do seu Joaquim, que deram educação e estudo pra gente, na sua simplicidade e humildade. Estudei a vida inteira na Escola Coronel, colega do Renato do Luiz Rodrigues, do Odair, Marizete, Toninha... E, depois, estudando em Uberaba, indo e voltando a cada noite, e chegar onde cheguei é, sem dúvida, gratificante. Sinto-me orgulhoso das obras que fiz, chegar onde cheguei, sendo filho de Sacramento e de poder olhar para trás e afirmar que consegui vencer grandes desafios, chegar num estágio a que poucas pessoas chegaram, que é ter a oportunidade de trabalhar na construção de estádios tão colossais... só tenho que dar graças a Deus!