Leomar César Brigagão, 60, sacramentano da linhagem da tradicional família Brigagão, filho de Celso Brigagão e Romilda Vasconcelos, neto de Sozípater Vieira Brigagão e Benilda Tormin, tradicionais comerciantes da cidade, ali na rua Antônio Carlos, onde ainda hoje o prédio se mantém já meio deteriorado pelo tempo. Depois de muitos anos, Léo retornou a Sacramento e nos deu o prazer da visita e de uma entrevista. Recordou sua infância, os amigos, as brincadeiras, fez confidências alternadas sempre no seu peculiar bom humor. E revelou-se o Léo de sempre, descontraído, alegre, de bem com a vida e que tem a certeza de que nada tem a esconder. Léo é o que é. E foi assim que fincou pé no novo estado de Tocantins, tornando-se um bem sucedido professor de Ética e Bioética da Universidade Federal de Tocantins e querido na cidade de Palmas, onde reside desde 1991. E cresceu com a cidade... Veja a entrevista.
ET - O bom filho à casa torna, bem disposto, feliz para rever a terra natal...
Leomar – Na verdade, um sacramentano 'postiço' (risos), pois nasci em Goianésia (GO). Meu pai, sacramentano, motorista na construção de Brasília conheceu minha mãe. Logo se juntaram e nascemos eu, depois o Celso. Mamãe faleceu. Celso foi doado para uma família, e eu vim para Sacramento com meu pai. Tinha dois anos e meio quando cheguei a Sacramento como o filho bastardo, nascido em Goiás. Minha avó Benilda cuidava de mim. Meu pai se casou e minha avó logo faleceu. E me virei sozinho, na luta...
ET - Sozinho, mas com muitos amigos e uma cidade que era um encanto natural...
Leomar - É verdade... Minha infância foi no Chafariz. Uma infância maravilhosa, até porque em Sacramento naquela época não tinha como não ter uma infância maravilhosa. Nadávamos todos os dias nos córregos que sempre banham Sacramento. Tínhamos o Bambu, o Chorão, a 'Vortinha'... Jogávamos bola na rua. Não tínhamos vídeogame, nem internet, tínhamos, sim, estilingue, bola de pano, pés descalços, enfim, uma infância verdadeiramente verdadeira.
ET - Sem contar dos tempos do Grupão!!
Leomar - Claro. Estudei no Grupo Escolar Dr. Afonso Pena Júnior. Minha primeira professora foi dona Angélica do Marcelo; a segunda, dona Terezinha Araújo; a terceira, Maria Olímpia Brigagão; a quarta e a quinta, também, porque tomei três bombas na 3ª série (risos); e no quarto ano dona Ivone Alcântara. O curioso é que quando fui aluno de dona Ivone, minha vida começou a mudar, ela foi uma das pessoas mais importantes na minha vida. Nossa formatura do quarto ano foi no Cine Capitólio, tenho até hoje a fotografia que tirei com dona Ivone. Havia outras professoras, dona Sílvia, Luzia Schiffini, numa matéria que chamava 'Trabalhos Manuais'. Mas a dona Ivone me marcou. A diretora era dona Corália, que usava uns óculos espelhados, era muito brava, mas era fantástica e as ajudantes dela eram dona Mariléia e dona Adail Araújo, bravas também... Eu piava fino (risos). Mas tenho muito boas lembranças daquele tempo do Grupão.
ET - Falando em Da. Luziz Schifini, grande artista das artes plásticas, nossa professora de Trabalhos Manuais, você teve também ali na casa dela, aliás eram vizinhos, uma convivência bem familiar, não?
Leomar - Demais! Puxa vida! Fui criado, praticamente, dentro da casa da Da. Luzia Schifini. Veja bem, dentro da casa da Da. Luzia, o Seu Lolô, da. Filó, eles tinham Pato Donald, Tio Patinhas, Cruzeiro, sanfona, violão... Da. Luzia pintava, desenhava... Ela tinha escaleta, um negócio de soprar na boca, uma sanfona de boca. Eu ficava encantado com aquilo. Se eu tenho um pendor assim cultural, erudito foi ali que eu adquiri. Eu agradeço muito a eles. Inclusive uma homenagem que eu recebi em Palmas, eu dediquei a ela, porque de fato ela abriu esse leque na minha vida.
ET - Terminado o quarto ano...
Leomar - Fui para o curso de Admissão ao Ginásio, para ingressar na primeira série ginasial, hoje, sexto ano, nos meados dos anos 60. Mas só estudei a quinta série. Mas nessa época eu já tinha quase 16 anos. Não gostava de estudar. Eu ia pra escola para brincar, porque em casa eu tinha que trabalhar, pajear, lavar, cozinhar. E na escola era um momento só meu. A dona Eleusa Pontes era professora de Educação Física e acho que ela percebeu isso, porque me levava para ajudar nas aulas. Aquilo para mim era a melhor coisa do mundo.
ET - Mas na 5ª série você já não estava no Seminário?
Leomar – Ainda não... Minha vocação sacerdotal nasceu aí, quando estava na 5ª série lá no Coronel. Procurei o padre Gil, falei que queria ir para o Seminário, mas ele me falou que as coisas não eram bem assim (risos). Como me conhecia bem, disse que as coisas não mais daquele jeito... Mas eu não desisti, insisti com aquilo. Até que consegui uma vaga no Seminário Verbo Divino, em Belo Horizonte, dos padres Verbitas Arnaldo Janssen. Fiquei muito feliz, afinal iria realizar meu sonho...
ET - Ou se ver livre da cozinha...
Leomar - Também! (risos). Só que para ingressar no seminário, eu precisava de uma carta do padre da cidade. Na época era o padre Júlio Negrizzolo, muito gente fina, mas que fez uma carta sincera demais... (risos). Em dado momento da carta, ele cita Lucas: “Deus pode fazer surgir das pedras filhos de Abraão”. E, verdeiramente, ele sabia das coisas. Hoje sei que Deus ouviu as preces de padre Júlio....
ET - Como foi sua vida dentro do Seminário?
Leomar - Bom, eu tinha uns 17 anos... E para ingressar no seminário, viver uma nova experiência, diferente da vida que eu tinha, foi difícil. Com os verbitas, comecei a viver uma vida diferente, mas não deu certo, porque eles queriam vocação, coisa que eu não tinha e com uma carta daquelas do Pe. Júlio, não houve jeito mesmo (risos). Aí fui para outro seminário, dos padres sacramentinos. Quando os encontrei vi que combinava com Sacramento e, na hora pensei: Sacramento, Sacramentino, lá é o meu lugar. E não é que o padre gostou da minha ideia e me aceitou? Mas eu precisava de uma nova carta de apresentação. E dessa vez a carta foi boa (risos). Dr. Amur me apresentou, mas me apresentou com dignidade e aí eu fiquei no seminário.
ET - Com uma simples carta, ele te deu dignidade...
Leomar - Pra você ver como são as coisas... Agradeço muito ao Dr. Amur pelo que ele fez. Ele está no meu coração. Me deu o que eu precisava, dignidade. Lá com os Sacramentinos, como eu não tinha o ginásio, os padre me colocaram pra fazer o supletivo no Colégio Champagnat e eu fazia reforço no Colégio Arnaldo. Conclui o ensino médio e cursei Filosofia, mas acabei saindo de lá. Na verdade, eu não tinha vocação. Entre uma saída e outra, passei dez anos em seminários. Digo em seminários, porque passei por outros como os Franciscanos e Camilianos. Eles me mandavam embora de um, eu procurava outro... E nessas idas e vindas, sempre encontrava um porto aqui em Sacramento.
ET - Você, sem dúvida, ficou famoso com suas andanças e histórias em sua vida de seminarista... Mas nenhuma foi mais engraçada como a que aconteceu em Cáceres, quando a Leila Jacób o viu celebrando uma missa... (risos).
Leomar - Vou contar essa história de uma forma bem verdadeira, sem subterfúgios. Eu estava no seminário dos padres Camilianos, na cidade de Sinop MT. No início dos anos 80, eu ministrava aulas num colégio estadual e me apaixonei por uma aluna. Os padres, claro, não permitiram, aí larguei tudo em 1982 e fui para Cáceres, onde mora meu irmão por parte de mãe, o Luizmar. Eu era muito de igreja e fui visitar a igreja de São Luiz, de Cáceres. E o que de fato aconteceu? No domingo eu fui para a missa. Só que em vez de eu entrar pela frente da igreja, entrei pela sacristia. Eu havia tomado um litro e meio de vodca, estava no maior fogo. Entrei e me apresentei ao padre, dizendo que era da Ordem Camiliana, aí ele me deu uma estola, uma túnica, eu vesti aquilo e fui. Ele entrou na frente e eu fui atrás. Só que eu não me lembre de que o celebrante que entrava atrás, presidia a celebração. Chegando ao presbitério, ele me passou o altar e eu comecei a missa, numa boa...
ET - Imagino, com um litro e meio de vodka na cabeça...
Leomar - Então!! Acho que nem foi pecado... (risos). Lembro-me de que o evangelho era de Mateus, que dizia: “Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento”. E aí fiz uma homilia maravilhosa, falei sobre vocação. Quando terminou o sermão, veio o x da questão...
ET - O Ofertório e a Consagração...
Leomar - Quando pensei nisso... Eu teria que fazer a transubstanciação, a consagração do vinho e do pão. Aí a consciência bateu forte e eu não tive coragem de continuar. E como falar no meio da missa? Mas, graças a Deus, o padre percebeu. Ele foi tão perspicaz que percebeu minha hesitação e deu sequência. Mas eu ajudei na hora da comunhão. Acabou a missa, saí e fui para um boteco tomar cerveja. Isso saiu nos jornais, foi o maior blá blá blá. Mas elogiaram o que falei, não saiu coisa ruim, não. Porém, ficou chato, afinal eu não era padre, nunca fui. E fiquei em Cáceres dois meses.
ET - Depois dessa, você encerrou sua vida de seminarista?
Leomar – Não, voltei para o Seminário em São Paulo com os padres Camilianos, com padre Pessini, da capela do hospital das Clínicas e lá fiz curso de enfermagem. Permaneci em São Paulo até 1984 e fui para os padres Agostinianos, em Franca, só que não deu certo. E aí cheguei á conclusão de que não era mais do meu alvitre seguir esse caminho. Eu não tinha mesmo vocação. Larguei de vez e me mudei para Brasília. Lá lecionei nos colégio JK, La Salle e Marista.
ET - Foi onde conheceu sua esposa e sua verdadeira vocação...
Leomar - Você conhece bem a história... Só que hoje é ex-esposa, a Edivânia, uma mulher maravilhosa, nutricionista, com quem fiquei casado 25 anos. Temos três filhos, Lucas (27), que é filho só de Edvânia. Ele tinha um ano quando nos casamos, mas ele ficou meu filho também. Depois, tivemos Athos (23) e Edith (20).