Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Pedro Marceneiro não ficou esperando o trem...

Edição n° 1316 - 29 Junho 2012

 

Ao contrário do Pedro Pedreiro, de Chico Buarque, que passou a vida “esperando o trem, o aumento, o sol, o carnaval, a sorte e até o filho...”, o Pedro Marceneiro correu atrás, foi à luta e conquista hoje o seu primeiro diploma universitário... A vida de Pedro Rogério Ribeiro da Silva, 54, é uma lição de persistência. No final do ano passado, ele viveu as emoções da festa de formatura em Educação Física, pela Universidade de Franca (Unifran), mas tudo passou em silêncio. Avesso à publicidade, quis festejar apenas com a família a tão sonhada formatura. Mas diante da história de vida de Pedro, o ET ficou sabendo e correu atrás. E descobriu que atrás daquele diploma, a festa foi apenas um detalhe, pois tudo aquilo que ocorreu até ali, foram fatos ricos de força de vontade, de lutas, persistência e sonhos realizados...Veja a entrevista com o marceneiro e Prof. Pedro Rogério.

 

 

 

Quem é Pedro Marceneiro

Órfão de mãe aos cinco anos, Pedro e os irmãos, José Luiz e Carlos, foram entregues à Vila Alexandre Simpson, orfanato dirigido pelossaudososingleses,Mr. Leonardo Nye e Irene Ney, e os escoceses, William, de saudosa memória, e Da. Cristina. “Minha mãe, Alexandra Ribeiro da Silva, faleceu e meu pai, João Geraldo, sem condições de nos criar, nos levou para Vila. José Luiz e eu permanecemos ali até completarmos a maioridade. Ali entramos crianças, ignorantes, e saímos homens feitos, educados com os mais puros conceitos religiosos, éticos e de cidadania”, disse.

 

Educação e profissão

A pedagogia de Mr. Nye, além da educação formal, era também ensinar aos internos uma profissão. “Aprendemos a profissão de marceneiro, que foi a razão de nossa sobrevivência no mercado de trabalho. Eu tenho minha marcenaria em Sacramento e José Luiz é gerente da marcenaria da Santa Casa e do Hospital do Coração de Franca.Meu irmão Carlos foi criado por americanos e hojeé professor numa escola de idiomasem São Paulo”, disse mais.

 

Gratidão

Grato pela criação que teve na Vila Simpson, Pedro agradece: “Agradeço muito àquela família de escoceses e ingleses. Devo a minha disciplina, persistência, enfim o que sou hoje, à criação recebida de 'seu' Leonardo e seus auxiliares. Lá, aprendíamos de tudo um pouco e começávamos desde cedo: limpando o chão, os móveis, o quintal, encerrandoa casa; depois, íamos para a oficina e lá começávamos na limpeza, organizando madeira, limpando; depois, engraxando as máquinas e assim sucessivamente até chegarmos a trabalhar nas máquinas e aprender a profissão, onde teve sua primeira carteira assinada como marceneiro. O inglês prima pela pontualidade. Tudo era feito com pontualidade britânica, tinha horário para tudo: lazer, trabalho, estudo, formação, canto, orações...”.

 

O início da vida própria

Aos 19 anos, Pedro deixou a Vila e foi viver sua vida. “Eu havia terminadoa8ª série, cursei o1º ano do Técnico em Contabilidade, o 1ºColegial, e parei por aí. Nessa época, Dr. José Alberto era prefeitoena Vila, nós fazíamos muito serviço para ele, e a partir daí cultivamos uma amizade. Quando saí da Vila, eu o procurei em busca de um serviço na Prefeitura. Só que ele estava afastado, por problemas de saúde. Mesmo assim, conseguiu um emprego para trabalhar com sua mãe, Da. Carmelita, nas fazendas. Fui para a casa deles e lá fiquei onze anos”, contou.

Mas o sonho era mesmo abrir a sua própria marcenaria. E foi à luta. Começou trabalhando com o marceneiro Cassiano Afonso, onde permaneceu por quatro anos.  “Foi o tempo suficiente de uma reaprendizagem de tudo aquilo que aprendi na Vila e então montei minha própria marcenaria, ali na rua Afonso Pena por quatro anos, reformava móveis usados, que eu mesmo recuperava e vendia”, contou mais. 

 

Experiência em São Paulo

Em 1993, realizou uma experiência longe de Sacramento. Foi trabalhar no mesmo ramo, mas em São Paulo, em uma fábrica de móveis de japoneses, num trabalho que conseguiu através do ex-prefeito Biro. “Fiquei apenas cinco meses, não gostei de morar lá. E voltei pra minha marcenaria, em um novo endereço, na ruaRui Barbosa, onde estou até hoje há 26 anos”, lembrou.

 

Furto na primeira oficina

E foi neste endereço que Pedro foi vítima de um grande prejuízo. Com sacrifícios e economias conseguiu comprar várias máquinas novas para montar sua oficina. Estava indo muito bem. Mas, numa triste manhã, ao abrir a oficina, notou que todas as máquinas, a exceção de uma, e as ferramentas haviam sido furtadas. Esse fato não o levou ao desespero. 

“E agora? – indagou - Sem dinheiro pra comprar outras, tive de me virar. Mas eu não estava no fundo do poço. Peguei uma máquina que sobrou, troquei com o Beto Marceneiro por peças, e aí montei as minhas máquinas, aproveitando peças, motores, até que construí todas. E desde 1993, trabalho com essas máquinas improvisadas”. 

 

Bendita herança

Contando essa história, Pedro reconheceu que uma das heranças de Mr. Nye o ajudou a se reerguer. “De lá herdei tudo, sobretudo a disciplina. Seu Leonardo foi mais que um pai para nós todos, uma educação de primeiro mundo. Eles nos deram amor, educação, disciplina, casa, comida e profissão e também força para não desanimar diante dos empecilhos da vida”, reconheceu. 


O sonho de Mr. Nye

Contou mais Pedro que Mr. Nye era um especialista em várias profissões: “'Seu' Leonardo era tudo, engenheiro, mecânico, marceneiro,sabia fazer muita coisa e nos passou isso. E ele tinha sonhos. Queria construir uma grande fábrica de móveis, ali no João XXIII, onde hoje é a Marmoraria João XXIII,   para que todos nós, Marco Antonio, Cidão,  Dirceu, Luiz, além do meu irmão, José Luiz, que mora em Franca, pudéssemos  ter emprego lá”. 

“A vontade dele – prosseguiu - era que, quando nós completássemos a maioridade, continuássemos juntos trabalhando. Ele começou a fábrica, mas faleceu antes de concluí-la. Foi uma pena!”.

 

Casal unido no trabalho

Pedro é casado com Salete Aparecida Borges, com quem teve o filho Victor, 16. E foi a companheira uma outra lutadora na vida de Pedro, que ele próprio reconhece. “Nosso primeiro sonho, sonhado juntos, foi o de ter nossa casa própria. Para isso, fomos à luta. Montamos um varejão, no bairro do Rosário. Eu me levantava às 5h da manhã, buscava verduras no Ceasa, em Uberaba, abastecia o varejão e vinha para a marcenaria. Salete ficava no varejão com nosso filho”, recordou.

Inovadores, Pedro e Salete, tiveram a ideia pioneira de fazer um Varejão com um diferencial. Além das frutas e verduras, fazia vitaminas e sucos, aos domingos, vendiam salpicão, maionese e frangos assados. “Minha esposa e meu filho ficavam no varejão e eu ia fazer as entregas, nos finais de semana”, lembra, revelando que a esposa Salete foi a primeira motociclista de varejão da cidade. “Até que vendemos o Varejão e montamos a lanchonete Calipyso, que é hoje o restaurante Dedo de Moça”, conta.

 

O professor Pedro Rogério

Mas ao lado de tudo isso, Pedro nutria um sonho maior: ser professor. “Eu queria me formar e um dia encarei. Fiz o telecurso do Colegial, concluindo as matérias num ano. Passados quatro anos, prestei vestibular na Unifran e iniciei o curso de Educação Física,que era o meu sonho. Mas não parei com a marcenaria. Trabalhava aqui o dia todo e à noite ia pra Franca estudar com recursos próprios”, recordou.

E emocionado, Pedro lembra o dia da formatura. “Foi um dos melhores dias da minha vida, aliás, os anos de faculdade, foram os melhores anos que tive, mesmo com a dificuldade das viagens diárias.

 

O aluno vovô

Ingressei na faculdade com 51 anos. Eu era o vovô da turma e enfrentei barreiras com professores e colegas, que achavam que eu não daria conta. Eles me chamavam de seu Nonô, aquele do Big Brother. Mas eu levei na brincadeira edava olé neles”, conta sorrindo. Mas a idade também não foi empecilho nas práticas esportivas. “Eu fazia todos os exercícios, todos os movimentos, praticava todos os esportes, chegando a ser o terceiro nadador da turma”. E foi aí que ele lembrou da grande lagoa da Vila, onde aprendeu a nadar com a molecada e a supervisão de Mr. Nye. 

“Na vila olímpica – recorda mais - eu corria junto com eles, porque sempre gostei de esportes.Eu superei as expectativas, porque passei muitos anos sem estudar e durante todo o curso nunca peguei recuperação, nem dependência e recebi muitos elogios. No dia da formatura foi uma emoção, fui o mais aplaudido, ovacionado pela turma e pelos professores. Foi lindo!”, contou, emocionado. 

Realizado o sonho de se formar, Pedro quer mais. “Vou completar o bacharelado, porque aí podereitrabalhar em academias, em empresas como educador de ginástica laboral, personaltrainer. Além disso, fiz inscrição nas escolas e aguardo vaga no processo seletivo realizado pela Prefeitura. Entre os 12 classificados, fiquei em sétimo lugar”, afirmou.

 

Lição final é de gratidão

A perseverante luta de Pedro é sentida em suas palavras: “Temos que ter um objetivo e correr atrás dele, não esmorecer nunca. Não podemos desistir dos sonhos, temos que ser perseverantes, persistentes, ter coragem. Sou feliz, muito feliz como sou. Dinheiro não é tudo, o importante é viver de bem com a vida, pela educação que recebi. Mas eutenho mais dois sonhos, um é abrir um salão de estética para a Salete. Ela fez o curso e quero realizar o seu sonho”.

 

Marcenaria para aprendizes

Lembrando o seu passado, a educação que recebeu na Vila Alexandre Simpson, Pedro quer realizar um sonho mais altruísta. “É uma realização pessoal minha mesmo. Inclusive, já falei com prefeitos, mais de uma vez pra conseguir isto. O meu sonho é passar para a frente o que aprendi e espero,  um dia ter o apoio da Prefeitura pra montar uma boa marcenaria e poder ensinar a crianças carentes, na área profissional (trabalho), educacional e esportes”.

Pedro é voluntário no Instituto Scala, onde todas as terças-feiras dá aulas de marcenaria. “Mas o que quero mesmo é ter uma boa oficina para ensinar as pessoas a arte de fabricar móveis”, destaca, ressaltando sua gratidão.  “Sou grato a Deus, a meus pais pela minha vida; ao 'seu' Leonardo e a todos os ingleses que nos formaram; à dona Carmelita, José Alberto, Cassiano, professores e colegas da faculdade. Enfim, grato a todos os que acreditaram em mim e que me apoiaram e me deram oportunidades. Sou grato aos meus amigos. E, sobretudo, sou grato á minha esposa Saletee ao meu filho Victor, que sempre me incentivaram”.