Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

A ‘Caixa de Brinquedos’ nos faz solidários

Edição n° 1315 - 22 Junho 2012

A psicóloga e psicopedagoga, Mestra em Formação de Professores, Maria Emília Loyola, fundadora, ex-proprietária e diretora da Escola Criativa,  em Uberaba, esteve  ministrando  palestra para os pais e professores do Colégio Rousseau, abordando o tema, Adolescente, Família e Escola.  Para falar do assunto,  simpaticamente, a psicopedagoga recebeu o ET, na casa de seus pais, José e Iraci Loyola, onde esteve, acompanhada do esposo, o economista Sérgio Martins e dos filhos, Otávio, 19 e Ana Teresa, 16. Começou elogiando a educação que recebeu no 'berço'. “Tenho uma coisa importante para colocar. Minha tese de Mestrado foi sobre 'o brincar', e a dediquei ao meu pai e a minha mãe, com quem aprendi a brincar. Mais que isso, aprendi que a vida pode ser brincada e quando assim o é, torna-se mais humana. Para brincar eu preciso do outro”. E a entrevista foi quase uma brincadeira... Veja.

 

ET - Você abordou um tema muito em voga hoje que é a relação adolescente, família e escola, então vamos começar perguntando: Quem é que tem razão? O adolescente que está transformando o seu mundo? A Família ou a Escola?
Maria Emília-
Todos têm. Do lado do adolescente: quando criança tem sempre alguém para sustentar suas ações; ele tem alguém para lhe dizer, “Filho, isso não pode”. Ou seja, ele sempre tem alguém para se responsabilizar por ele. Quando chega na adolescência, ele precisa sair, dar tchau para o mundo da infância e entrar num mundo de transformações, no mundo do adulto e aí vem o medo. Ele não é uma pessoa pronta para assumir as consequências e nem se sustentar, mas ele precisa começar a ensaiar e é aí que vem a turbulência. Primeiro, porque ele tem que dar conta de todas as transformações hormonais e psíquicas que começam a se instalar. É um outro corpo, outra mente e já não combina mais “chorar e pedir colo” para resolver suas questões. Instala-se um conflito e é este conflito que é extremamente importante para ele se firmar como adulto. Se não posso correr para o colo dos pais, preciso eu mesmo encontrar um jeito de crescer! Mas dá muito medo, então o adolescente se rebela contra os pais- as únicas figuras que não o abandonarão- quando na verdade está se rebelando contra uma gigantesca mudança que é a idéia de que “eu não sou mais quem eu era, quem sou eu, então?

ET - Este conflito se instala, porque a família não aceita as mudanças ou porque os pais não têm respostas?
Maria Emília –
Penso que o conflito se instala porque o adolescente vai provocar esse conflito. Os pais deixam de ser os heróis, o menino e a menina quando pequeninos, têm os pais como heróis,  os acham o máximo, mas na adolescência  eles precisam encontrar fora do meio familiar outras pessoas, outros heróis... E, para isso, têm que achar o pai e a mãe inadequados para dar conta de se desligarem deles. A beleza disso é poder haver o conflito e os pais suportarem a chateação (e isso não significa se render aos caprichos e falta de educação dos filhos), a amolação e até a indiferença e a chegada de outros ídolos. O adolescente sabe que, haja o que houver, os pais estão ali. O conflito não é problema, o problema é não haver espaço para o conflito. Os pais passam muita raiva e os filhos também.  Mas se os filhos ficarem sempre pregados nos pais, eles não vão crescer. E eles precisam brigar, achar os pais muito chatos para terem coragem de enfrentar a vida. 

ET – Afinal, o que os pais têm que fazer pra se tornarem heróis para eles?
Maria Emília -
Nada. Pais são pais. Eles são heróis sendo só pai e mãe.  E ser pai e mãe é cuidar. Podem até ter uma relação amistosa, mas o papel dos pais é serem pais e mães, que impõem regras, os  valores da casa e cobrar isso deles, impor limites. E limite é uma coisa importantíssima. O adolescente precisa aprender saber distinguir “o que eu quero” do “o que eu posso”. E é aí que ele passa a enxergar o outro, ele deixa de achar que as coisas giram ao seu redor.

ET – No meu tempo essa fase passava com umas boas palmadas e todos cresciam em graça e sabedoria... É proibido bater hoje?
Maria Emília –
Penso que a idéia de que bater provoca “trauma” foi e é um grande equívoco. Se umas palmadas estragassem os filhos, estaríamos todos “estragados”. O que faz uma criança crescer em graça, sabedoria e beleza é a certeza de que tem alguém em quem possa confiar. Um pai ou uma mãe que deu umas palmadas porque o filho extrapolou um limite, mas que no dia a dia cuida, conversa, brinca, dá colo, protege e manifesta seu amor, não estraga seu filho. Claro que umas palmadas não é o mesmo que machucar, isso sim, causa danos físicos e psíquicos. O bom senso sempre me parece a melhor alternativa.    

ET - E onde entra a escola nesse conflito. Temos de um lado a escola pública numa crise sem precedentes e a escola privada, que também não é lá essas coisas. Todos sabemos de casos e mais casos de enfrentamento entre adolescente e educadores. Como a escola enfrenta ou deveria enfrentar estas questões?
Maria Emília -
São várias questões. De forma geral, a escola, seja pública ou privada, tem sofrido muito com a falta de educação dos alunos. Os pais têm que ensinar o respeito ao educador, que é figura de autoridade, “Meu filho, é o seu professor, respeite-o!!”. Mas muitas vezes os pais se atropelam. Querem cuidar tanto do filho que se perdem. Muitas vezes o filho chega em casa reclamando do professor e a primeira coisa que os pais fazem é ir à escola “cantando de galo”, vai tirar satisfação, sem nem argumentar, ponderar com o filho sobre a questão ou deixar que o filho resolva. Aí a situação se inverte, o filho passa a ter sempre razão.  Professor está desmoralizado e desvalorizado. Isso, deixemos claro, é de forma genérica, porque sabemos que há professores que se impõem e colocam um “chega pra lá...” Assim como há pais que pregam esse respeito, enxergando culpa no filho, se for o caso... É preciso analisar, ouvir e ver o que de fato aconteceu. Uma outra questão é a formação do professor  para um olhar mais diversificado. Há escolas que investem na formação pedagógica de seus profissionais, tentam resolver juntos os problemas. E essa é outra forma  que penso poderia colaborar. O que propicia um bom convívio na escola é a clareza dos papéis: professor é professor, aluno é aluno. Qual é o papel do professor e qual é o papel do aluno. A escola foi feita para o atendimento grupal. Meu filho será atendido como aluno e não como filho, ou seja existem muitos outros além dele... Então ele precisa saber (e isso cabe à família ensinar) que a escola não está ao seu dispor, e sim ao dispor do grupo. Se em casa o filho está acostumado a ser atendido imediatamente, na escola isso não será possível (embora muitos tentem). Ter esses papéis claros evita muitos conflitos. 

ET - E quando a família delega toda a responsabilidade para a escola?
Maria Emília -
Ela abdica de sua responsabilidade de ser pai e mãe. E isso é muito grave porque escola tem muitas, mas pai e mãe não! Comigo já aconteceu isso como educadora, como dirigente de escola. A mãe chegou e disse: “Dá um jeito aí, eu não dou conta!”. E eu respondi: “Jeito de quê? Como educadora eu sei o que fazer, como mãe ele precisa é de você.” Escola é escola, pais são pais. Quando um pai fala, “dá um jeito nele”, a escola deve mostrar que isso é competência dele como pai e não da escola. A escola pode até ajudar a resolver os conflitos, trocar ideias, sugerir, porque ser pai e mãe hoje não é fácil. Mas não pode assumir papel de pai ou de mãe. Essa confusão não ajuda a formar o adolescente.   

ET - O adolescente e a internet. Seria a internet uma das responsáveis por tantas transformações?  
Maria Emilia –
Penso que a adolescência é um período conturbado em qualquer época, com ou sem internet. Mas que temos visto muita briga entre pais e filhos por conta do uso e do tempo na internet, é um fato. Existe um mundo novo, tecnológico, não podemos negar... Penso que a internet nos trouxe excelentes oportunidades de descobertas, encontros, agilidade de informações e tantas outras vantagens. Mas também falta de respeito e ética na veiculação inadequada de imagens e ideias. Buscar o que de bom as novas tecnologias têm a nos oferecer só pode ser construtivo. Como pais e mestres devemos observar o tempo dos adolescentes diante da tela do computador que, se abusivo, prejudica assim como passar muito tempo diante da TV. Outra questão que tem sido palco de discussão é a linguagem “internetês”. Os adolescentes criaram uma escrita própria muitas vezes incompreensível, mais ou menos assim: “vamu na festa hj blz?” (que significa “vamos à festa hoje, beleza?”). Para eles o importante é se fazer entendido com os amigos e só. Isso por mais que choque os pais e professores, para eles, é só um jeito de se comunicar e que escrever certinho, vai ser “zoado” e isso é tudo o que eles não querem. O internetês ou a norma culta? Os dois: internetês entre eles e a norma culta no contexto escolar ou onde ela se fizer necessária. 

ET – Nesse momento, seria a hora da imposição dos limites?
Maria Emília –
Limites combinam em qualquer tempo e qualquer lugar. É impossível conviver bem sem limites. A boa convivência supõe isso.

ET - Faltam nas escolas, por exemplo, psicólogos, psicopedagogos?...
Maria Emília –
Falta sim. Esses profissionais têm como objetivo geral a saúde da instituição escolar. Podem ouvir os alunos, os pais, os educadores e colaboradores, buscando a qualidade da comunicação. Sem a pretensão de apontar um caminho, ao contrário, promove espaço de convivência, esclarecimento e interação, aspectos essenciais para a boa convivência. 

ET - Na sua experiência como mãe, educadora, e psicóloga, quais os principais problemas que você detectou e que merecem atenção especial?
Maria Emília –
Como se trata de uma questão muito complexa vou resumir num aspecto: o problema é NÃO assumir os devidos papéis com responsabilidade. Como mãe e pai, precisamos educar nossos filhos pensando que estão conosco por um breve período de suas vidas, mas que serão cidadãos do mundo. Isso implica educá-los para a convivência mútua e fraterna, com a consciência de que para viver em sociedade preciso tolerar idéias, espaços e limites diferentes dos meus e que a soma de nossas ações pode ser produtiva e bela. Como educadora conhecer a fase de desenvolvimento dos alunos com os quais trabalho e buscar constantemente aprimorar a prática pedagógica e estudar muito! Como psicóloga acolher toda situação de conflito seja na instituição escolar ou na clínica abrindo espaço para esclarecer o papel de cada um ampliar o diálogo que permita o crescimento de cada parte. 

ET – Marcos Bagno, professor e lingüista, contou esta semana em entrevista que foi matricular os filhos  e perguntou qual o objetivo principal da escola. O diretor respondeu que era dar uma formação capaz de fazer o aluno passar no vestibular.  Ele pegou os filhos e foi embora. Na sua opinião, por que a 'Caixa de Ferramentas' (estudo conteudístico) vem sobrepondo à 'Caixa de Brinquedos (Valores e arte), conforme bem diz nosso Rubem Alves?
Maria Emília -
Sem dúvida, é a Caixa de Brinquedos que nos faz solidários, nos faz cidadãos. Que tristeza quando a escola “fecha a caixa de brinquedos” e abre apenas a “caixa de ferramentas”! Eu não concordo com esse conteúdo exagerado que muitas escolas defendem em nome do vestibular. Já trabalhei com ensino universitário e constatei quanta imaturidade assola os jovens que chegam à universidade. Tanto conteúdo por tantos anos e a maioria não gosta de ler, acha chato refletir, debater, escrever, inventar! Fui muito criticada quando montei a Escola Criativa de Uberaba junto a 4 colegas por defender uma Educação Infantil e um Ensino Fundamental baseados na “caixa de brinquedos”. Muitos disseram que isso seria pouco diante da exigência do vestibular e buscaram outra escola. Outros, entretanto, disseram que era exatamente isso que procuravam para que, mais tarde, na maturidade, seus filhos encontrassem sentido nas “caixas de ferramentas” que a vida haveria de lhes trazer.