Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Sylvio volta a Sacramento aos 92 anos

Edição n° 1281 - 28 Outubro 2011

O criador de gado aposentado, Sylvio Mendes Amado, 92, foi colega de turma do também fazendeiro, Luiz Afonso de Mello, falecido recentemente, na Escola do Prof. César de Oliveira, que se transformaria, muitos anos depois, na E.E. Cel. José Afonso de Almeida. A escola funcionava em um antigo prédio, já demolido há anos, no Largo da Matriz. Ficaram juntos durante um ano. Depois, reencontraram-se em Uberaba, no Colégio Diocesano, onde cursaram juntos o curso ginasial (5ª a 8ª série). Depois disso, nunca mais se viram. 

Um belo dia, o filho de Sylvio, o advogado José Armando viu pela internet o nome do antigo colega de classe de seu pai. Lá estava o Luiz. E desde então, a amizade, também esquecida, foi reatada através de alguns telefonemas de Campo Grande (MS), onde passou a residir, para Sacramento e uma reportagem no ET relatando o reencontro dos dois colegas da escola primária. Como bons contadores de histórias, o tempo foi passando no telefone, com algumas promessas de visitas... até que o já velho companheiro de Sacramento morreu, repentinamente, e puderam se ver pessoalmente.

No início desta semana, ainda esbajando jovialidade, no alto de seus 92 anos, acompanhado do filho, Sylvio bate à porta de Da. Conceição Aparecida Silva Mello, para trazer as condolências à esposa de Luiz. Foi uma emoção grande, onde não faltaram lágrimas, na recordação de uma amizade que nasceu na adolescência, ficou longos anos esquecida, e foi reencontrada na velhice. Foi ali que o ET pôde também conhecer o Sylvio Amado e ouvir um pouco de suas histórias, que já até se transformaram em livro.

 

A Escola do 

Prof. César

 

A minha lembrança do Luiz  é do tempo  da escola. Eu vim estudar em Sacramento, no colégio do professor César. Meus irmãos mais velhos estudaram em Uberaba no colégio dele, como o professor veio para Sacramento, meu pai me mandou prá cá, estudar com ele e aqui conheci o Luiz, que também era de fazenda. O povo antigo morava todo nas fazendas. Fazendeiros moravam nas fazendas, não é como hoje, que vivem nas cidades. Nós morávamos na fazenda, Água Emendada, próximo ao ribeirão Água Emendada e  próximo a Uberlândia, que naquele tempo se chamava Uberabinha.  Os filhos iam para estudar nas cidades, moravam com parentes ou internos. Então meu pai me mandou pra cá, por causa do professor César, que tinha na escola um internato. Fui aluno da professora Isaura. Lembro-me bem do nome dela, Isaura. A outra professora não recordo o nome, só sei que uma vez mandei um livro para ela e ela me mandou uma carta bonita, mas não me lembro do nome. Aqui só tinha o primário. Depois íamos para Uberaba fazer o ginásio”. 

 

O vendedor 

de touros

 

Terminado aqui, fui para o Diocesano, em Uberaba e lá tornei a encontrar o Luiz, fizemos o ginasial. Depois fui para São Paulo cursar Direito e nunca mais vi o Luiz. Em São Paulo eu fazia o pré-jurídico, que durava dois anos, no Colégio São Bento, mas  larguei o curso. Descobri que não era aquilo que eu queria seguir e aí fui para o Rio Grande do Sul, onde morava meu irmão, em 1941. Eu tinha 20 e poucos anos e fui ser vendedor de touro, profissão que me deu muita alegria e tudo o que tenho. Conheci muita gente, pessoas que iam comprar touros, fiz muitas amizades... Mas, como eu disse, perdi contato com o Luiz. Ele  sumiu, até que um dia o José Armando encontrou o nome dele na internet. Eu telefonei, conversamos  muito,  foi uma satisfação...”.

 

O saco de dinheiro

 

Mas, Sylvio foi um dos desbravadores do Mato Grosso, um dos primeiros pecuaristas do estado que progredia, conforme informações contidas no livro de crônicas,  “Histórias e estórias”, escrito por ele mesmo.  “Deus me deu muito tino, eu era um vendedor tremendo e fui para o Mato Grosso, mas sempre vendendo touros”, conta e recorda de uma grande compra de touros na região de Sacramento. “Havia o Lamartine, um homem danado. Uma vez ele me avisou de uma fazenda em Perdizes, que tinha um lote de mil bois. Logo que chegamos à fazenda, o velho proprietário foi logo perguntando: “O senhor trouxe o dinheiro?”. Eu carregava o dinheiro em sacos.  A tourada era muito boa. Na casa, havia uma daquelas mesas antigas, muito grande, e ele disse “despeja aí”. Pegamos o saco de linho, sujo,  com o dinheiro e jogamos tudo na mesa. Juntou gente pra ver. Nunca tinham visto aquele mundo de dinheiro. Aí jantamos e  ele lá  a contar aquele dinheiro. De repente, ele pegou o dinheiro, pegou o  Fordinho dele e sumiu, foi procurar um  banco pra contar o dinheiro, porque não deu conta. Era um milhão, mas tudo em nota miúda. Não havia notas grandes naquele tempo. Lá pelas tantas, chegou o velhinho na maior alegria  e aí deixou apartar o gado. Marcar só depois que saísse da fazenda”. E várias histórias e estórias se seguiram. 

 

O segredo da juventude

 

Hoje aposentado, Sylvio Amado, deixa o serviço a cargo dos filhos. “Ainda vou à fazenda, mas não mando mais nada, a fazenda é dos filhos, cada um tem a sua. Hoje vivo contando causos, não sou escritor, sou escrevinhador, conto causos.  Tenho uma porção de histórias escritas, por isso o livro chama, “Historias e estórias”, porque tem muita coisa de verdadeiro. As pessoas me contam um causo e eu o transformo em estória ou história”.     

Mas ao falar da volta a Sacramento lamenta a perda do amigo. “Foi de tristeza essa vinda aqui, infelizmente não pude rever meu amigo. A vida é assim, dia desses morreu no Mato Grosso meu primeiro amigo lá. Ele me apresentou para muita gente, me ajudou em muita coisa, aquilo me abalou muito e, de repente, a morte do Luiz de Mello, cheguei a passar mal”, conta.

Falando do segredo para viver bem aos 92 anos, lúcido, jovial, bem disposto, o 'escrivinhador' encontrou resposta na vida de trabalho que teve. “Trabalho, não entregar o queijo com a rapadura, se você entregar um dos dois ou os dois já era, esse é o segredo”.