Todo o mundo tem os olhos voltados para o Japão, país que teve parte arrasada por um tsunami e que vem sendo diariamente assolado por terremotos, embora de baixa magnitude. Mas a incerteza é grande tanto para os nipônicos que vivem alertas, quanto para o resto do mundo, sobretudo famílias que têm parentes naquele país.
Em Sacramento não é diferente. Pelo menos três famílias vivem dias de angústia e medo pelos seus filhos, pai e demais parentes, embora tenham notícias de que todos estejam bem: Nilton e Vera Nakamura, cuja filha Carla reside em Yamanashi; Ronaldo e Ihana Junqueira Bezerra, que têm o filho Thiago, próximo a Sendai, local do epicentro do terremoto que culminou no tsunami e Letícia Vaz, cujo pai mora em Nagaoka com a esposa Célia Midori Sato Vaz, província de Niigata. O ET visitou essas famílias para saber notícias e solidarizar-se com todos eles.
Vera Nakamura: coloquei nossa filha nas mãos de Deus
Na casa de Nilton e Vera, conversamos com a filha Cintia Harure Nakamura, que residia, até bem pouco tempo, com a irmã Carla em Yamagashi. Cintia retornou ao Brasil no final do ano passado e pensava em retornar após o carnaval, mas agora não sabe por quanto tempo ficará pro aqui. De acordo com Cintia, Carla ligou na madrugada, logo após o terremoto de 8,9 graus da escala Richter. “A cidade onde vivemos fica a 600 km de Sendai, estamos a 100 km de Tóquio”, informa ao lado da mãe Vera que conta: “Estávamos em Ribeirão Preto e a Carla ligou dando notícias, mas elas não me falaram nada. Quando liguei a TV pela manhã e vi, fiquei desesperada, aí eles me tranqüilizaram. O que pude fazer? Coloquei minha filha nas mãos de Deus. É claro que eu gostaria de tê-la aqui perto, mas a Carla não vem, é uma autêntica japonesa, então coloquei nossa filha nas mãos de Deus e vou rezar”, diz, conformada.
Cintia conta que pouco antes de nossa visita na terça-feira, 15, Carla ligara para informar de um terremoto na magnitude de 6.4 graus, na região de Yamanashi. “Carla disse que soou o alarme, houve a evacuação, todos foram para os abrigos. Ele durou dois minutos, isso são horas de terror, porque estamos acostumados a isso, todos são treinados e estão preparados. Os terremotos são constantes, fazem parte do nosso dia a dia, mas eles têm duração de segundos. As ondas mais altas que tivemos antes foi de 30 centímetros, dessa vez chegaram a 10 metros. Mas esse de hoje é preocupante, porque, além do problema com as usinas nucleares, estamos próximos do monte Fuji, 30 km, de casa avistamos o cume.
Segundo Cíntia, o Fuji é um vulcão ativo, está adormecido há muitos anos e o epicentro do tremor de hoje foi na região dele. Ele é a preocupação, porque não se sabe o que pode acontecer. Ele pode ser atingido e entrar em erupção”, explica e acrescenta que desde o último terremoto que abalou o Chile, no dia 28 de fevereiro, o Japão já ficou em alerta, porque as placas estão na mesma linha.
As irmãs Carla e Cíntia residem há mais de 15 anos no Japão, parte de suas vidas foi no Brasil, em Sacramento e quase a metade no Japão. Ambas trabalham na empresa Mix, fabricante dos celulares Sony/Ericson. “Carla está lá passando por isso, mas diz que não vai acovardar-se, diz que vai continuar a ajudar no que puder. Como chefe de sua equipe, ela é responsável também na coordenação do trabalho de suas subalternas, outras 30 moças. Toda empresa possui os equipamentos de proteção necessários, o transporte e no caso de precisar evacuar o local, há uma equipe que coordena tudo, faz a contagem das pessoas... Ela diz que vai ficar”.
Nilton Nakamura é outro que está preocupado com um sobrinho que reside em Fukue. “A cidade dele não foi atingida, fica a 200 km de Sendai. Conversei com a mãe dele, que deu boas notícias”. Nilton tem 66 anos e pelo que sabe, esse é um dos abalos sísmicos mais gravea da história do Japão. “Estive lá há 16 anos, para a reconstrução de Osaka, destruída por um terremoto, mas ele foi muito inferior a esse. Se houve piores, eu não tenho notícias”
Na casa de Nilton e Vera, eles ficam ligados 24 horas por dia, num canal japonês. “Muitas informações divulgadas aqui estão desencontradas das informações que pegamos direto de lá. Aqui nos revezamos 24 horas acompanhando as informações”, finaliza.
O drama do jovem Thiago Junqueira
“Finalmente, após mais de 26 horas dentro de um carro, conseguimos chegar a Tóquio!”, diz Thiago Junqueira
O jovem Thiago Junqueira de Castro Bezerra, filho de Ronaldo e Ihana Junqueira Bezerra, reside na Universidade de Toroko, nos arredores de Sendai, onde faz doutorado em Física Nuclear. No e-mail enviado aos pais, às 10h20, do dia 12, contou o seu drama. “Finalmente, após mais de 26 horas dentro de um carro, conseguimos chegar a Tóquio! Incrivelmente, ainda podemos sentir pequenos tremores agora”, escreve.
No seu email, afirma que o dia começou normal, com alguns pequenos terremotos pela manhã. Veja a sua narração.
“- Eu estava no laboratório, quando, um pouco antes das 3:00 horas da tarde tudo começou a sacudir. Diferentemente das outras vezes, esse foi muito mais forte e longo, e a única coisa que pude fazer foi esconder-me e podia ver as impressoras caminhando e uma chuva de livros caindo.
Logo que tudo acalmou saímos do prédio, todos muito assustados, e aguardamos por informações do que era para ser feito daquele momento em diante. Nisso o fornecimento de eletricidade foi cortado, estava muito frio e nevando. Após as instruções para evacuar, eu e meus dois amigos, Furuta-san e Thomas, saímos de Sendai. Apenas passamos em casa para pegar o básico. Thiago disse que ao chegar viu tudo espalhado e pode ver água acumulada no banheiro, mas a água e o gás já haviam sido cortados.
E rumamos para Tóquio, uma viagem feita normalmente em poucas horas, levamos 26 horas. Durante todo esse tempo fui registrando mentalmente as impressões e tentando mandar notícias. “Os celulares não estavam funcionando, não sei se por causa de congestionamento do sistema ou para garantir que pelo menos as chamadas de emergência pudessem ser feitas...”.
Para os pais, foram grandes os momentos de angústia. “Eu estava dando aulas de hidroginástica, entre sete e oito horas da manhã e o Ronaldo me ligou, interrompendo a aula. Eu levei muito susto, porque ele nunca faz isso. Ele pediu o número do telefone do Thiago, porque tinha ocorrido um terremoto e ele queria entrar em contato. Na hora, fiquei preocupada, mas não tanto, porque ele já havia passado por outros terremotos, mas liguei a TV e vi o que estava ocorrendo em Sendai, o chão se abriu. Entrei em pânico. O desespero foi total”.
Conta Ihana que o filho mandou notícias através de um email de madrugada, mas só entrou na caixa às 10h00 da manhã. “Ele dizia que estava bem e que ia procurar um abrigo. Eu não sabia o que fazer, então liguei na Unicamp e falei com um professor dele, um japonês e ele me acalmou, dizendo que a universidade ficava um pouco distante, bem equipada, preparada para essas situações. Ele disse que ia buscar informações para nós. E foi o que aconteceu. À tarde ele ligou, dizendo que estavam indo para Tóquio. Mas o alívio só veio mesmo quando falei com ele”, diz Ihana.
Filhos aflitos pelo pai no Japão
O drama das filhas Letícia e Patrícia Vaz não foi diferente dos pais de Carla e Thiago. O seu pai, Cláudio Antônio Vaz mora em Nagaoka com a esposa, Célia Midori Sato Vaz. Apesar de distante de Sendai, Cláudio contou por telefone às filhas que nunca viveu um drama tão alarmante nesses 11 anos em que estão no Japão. “Víamos pela TV toda aquela tragédia, mas não conseguíamos falar com nosso pai. Foi só no dia 14 que recebemos um telefonema dele, contando como tudo aconteceu e que ele estava bem, apesar de tudo”, diz Letícia.
“- Estamos a 600 Km de Sendai, mas o país todo está sentindo as consequências da tragédia” – contou Cláudio às filhas. “A comida está difícil, água racionalizada, apenas três litros por família e faltam alimentos, principalmente verdura e carne. Há longas filas nos postos de combustível, que já começa a faltar, porque várias refinarias pegaram fogo”, contou.
Claúdio informou também que a tragédia está refletindo na indústria, com a dispensa de funcionários. No setor de alimentos, por exemplo, a área onde trabalha, as fábricas começam a parar. “E agora, o que mais preocupa é a radiação”, informou o pai às filhas, que viveram o drama durante três dias até conseguir falar com Cláudio.
“- Recebi o telefonema de meu tio João, mas não assustei, porque são comuns esses tremores, conforme nosso pai sempre dizia. Mas ao chegar em casa e ver pela TV, eu assustei e como não conseguíamos contato, a gente se entrega na oração, a Deus, pedindo. O alívio só chegou, dia 14, quando conseguimos falar com nosso pai”, conta.