Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Reflexão

Edição nº 1190 - 29 Janeiro 2010

Igual ao anoitecer de um dia, nos sentimos cansados e nos recolhemos na introspecção de nossos pensamentos. Analisamos valores que nos foram passados e assimilados, buscamos a razão, estudamos no inconsciente nossas fragilidades e limitações.

Igual ao amanhecer de um dia, somos o sol, que com a sua imponência vasculha e aquece tudo que se põe ao seu alcance, e faz com que aqueles que não o querem se escondam admirados com tamanha força da natureza.

Somos assim, tristeza e alegria, fraqueza e poder, pensamento e ação. Muitas vezes o homem questiona o mistério da existência, o assunto é de fé e a fé não se discute, sente, não se aprende, descobre.

A vida é o presente divino nos dado por Deus, pois, se aqui choramos, se aqui sofremos, se aqui caímos; aqui também sorrimos, nos levantamos, e seguimos. E não existe sensação mais sublime do que a da superação dos obstáculos. E se ainda nascemos fisicamente perfeitos no seio de uma família que nos propicia uma existência digna, somos mais abençoados ainda.

Mas, dessa realidade, deve nascer uma responsabilidade, porque se o corpo é completo, a alma se constrói a cada pequeno gesto. Não precisamos do talento para fazermos as coisas quando somos agraciados pela sinceridade do coração.

Os atos importantes da vida seguem-se esquecidos, sobrepujados que são pelo império massifi-cante e alienante do consumismo desenfreado. A integridade do caráter, a índole da bondade, a abnegação presente em todas as formas de caridade são artigos de segunda mão, sufocados numa crescente onda de supervalorização da futilidade e da bestialidade da violência em detrimento dos ideais religiosos. E para combatermos essas agressões pertinentes aos seres humanos, devemos usar a arma dos filósofos, aquela a quem Vítor Hugo caracterizou por ter a ligeireza do vento e o poder do raio: a caneta. E exortou: “Nunca, nenhum sábio conseguirá abalar estes dois augustos pontos de apoio do trabalho social, a justiça e a esperança, e todos respeitarão o juiz, se for a encarnação da justiça, e todos hão de venerar o padre, se representar a esperança. Mas, se a magistratura se chamar a tortura, se a igreja se chamar a inquisição, a humanidade as encara, e diz ao juiz: não quero a tua lei; e diz ao padre: não quero o teu dogma, não quero a tua fogueira na terra, nem o teu inferno no céu! Então, o filósofo, irritado, levanta-se e denuncia o juiz à justiça, e denuncia o padre a Deus!”

O educador e escritor Rubem Alves, em interessante exteriorização reflexiva assim pontuou: “Às vezes, desaprender pode ser mais importante que aprender. A educação engessada e os costumes retrógrados vão nos cobrindo com sucessivas camadas de saberes, de hábitos, de preconceitos, de maneiras de ver e de sentir que, ao final, se transformam em armaduras que aprisionam corpo e alma. E é preciso que nos livremos dessas armaduras para que nos tornemos seres melhores”. E ilustra o raciocínio com a seguinte passagem: “As cigarras passam a maior parte de suas vidas dentro da terra. Algumas chegam a viver mais de 15 anos como seres subterrâneos. Mas, de repente, alguma coisa lhes diz que é preciso sair, é preciso voar. Elas saem então de dentro da terra, de dentro de suas cascas, que ficam agarradas, vazias, nos troncos das árvores. A cigarra para tornar-se um ser alado tem de esquecer sua maneira subterrânea de ser. Isso é verdade também para nós seres humanos”.

A psicanalista Inês Lemos nos convoca a cuidarmos de nossos capitais afetivos, sublimatórios, lembrando que a sublimação circula pela arte, pela música, pelo belo. E cita Goethe: “Aquele que tem ciência e arte, tem também religião; o que não tem nenhuma delas, que tenha religião!”. E ainda traz à lume Freud, ao reconhecer que a vida é demasiadamente dura para que o homem possa suportá-la sem lançar mão de alguns recursos como a ciência (o saber e a arte) e a religião.

Essas teorias, deduzidas por esses monumentais pensadores, talvez se materializem na realidade dos que se julgam ateus. Se observarmos essas pessoas veremos que possuem razoável cultura, será difícil encontrá-las entre os mais ignorantes e pobres, que apesar de lhes terem sido negado o direito sagrado do saber, são infinitamente felizes, pois inabaláveis em sua fé. (aqui o termo “saber” é empregado como técnica formal, visto que até um mendigo possui sabedoria e pode ensinar coisas ao mais letrado dos homens).

Certo é que, aquele que sofre, que leva uma vida de sacrifícios, restrições e muitas vezes de desespero, invoca com maior freqüência e talvez até com mais legitimidade a ajuda divina.

Por outro lado, a fé é algo que transcende o mundo material, é a essência que preenche o vazio espiritual, vazio este que não escolhe classe social por ser inerente ao ser humano, existindo em ricos e pobres, em cultos e ignorantes. O que leva-nos a crer que não existe regra, mas opção, autonomia para seguir e acreditar naquilo que o nosso coração nos chamar.

E somente assim, acreditando no coração, saberemos admirar o mistério da noite, a magia do crepúsculo, depois, é claro, de já termos visualizado a beleza nítida do amanhecer.

 

Ricardo Alexandre de Moura Costa (Da Matta)

- advogado -