Depois que minha avó Ada partiu, por diversas vezes eu quis escrever algo. Talvez me despedir novamente dela, me alimentar das lembranças ou até mesmo agradecer as dezenas de manifestações de carinho e solidariedade que recebemos. Não tive coragem.
Mas por esses dias, quando atravessei aquele enorme casarão, com tantas recordações que aquela casa ainda me proporciona, atravessei pelos seus cômodos, quase todos já vazios, e me deparei na sala de jantar principal com algo que me chamou a atenção. No canto dela, havia um pequeno prego em que todos os anos prendíamos a árvore de Natal que erguíamos para celebrar a vinda do Menino Jesus. Nela havia presentes para todos. E quantos...
Me aproximei e segurei nele como se fosse a tábua da salvação naquele mar de saudade que nos consome a todos. Ali, naquele momento, segurando o prego eu lamentei e chorei a sua falta. E num princípio de desespero, me questionei: como será o nosso Natal este ano? Para onde vou e irão todos?
A partida de minha avó deixou em nós um misto de sentimentos. De que ainda poderíamos sugar mais dela tanta vitalidade e sabedoria e a da missão cumprida, de alguém que foi mais que uma mulher, foi uma mulher presente em tudo. Talvez por isso, ainda estejamos meio que perdidos.
Já li tantas vezes e por tantas mãos, que o tempo não espera e é implacável. Pura verdade! Os nossos Natais eram maravilhosos. Não faltava nenhum de nós. Recebíamos amigos e compartilhávamos o pão do encontro. Era sagrado. A oração, o abraço, o sino, o presente, o reencontro, as brincadeiras, as mesas fartas, eram ingredientes permanentes para que as nossas vidas tivessem mais alegria e sentido.
Primeiro foi o meu avô João que partiu, deixando o seu lugar vazio à mesa. Mas ela, como uma coluna inquebrável, nos sustentou sozinha por vinte anos, até que ela mesma ruiu nos deixando uma pergunta: e o Natal?
Depois que nasci, será o primeiro Natal que não irei passar naquela casa, conhecida carinhosamente como o ''Casarão dos Cordeiros'', nem com as mesmas pessoas reunidas.
Assim, peço que me lembrem de avisar ao Papai Noel que este ano não precisa levar presentes na Praça Getúlio Vargas, 52. Peço que lembrem que este ano não vai ter a tradicional foto na escadaria da casa, sempre todos nas mesmas posições. Peço que me lembrem de avisar aos amigos que ao avistarem aquele endereço por volta das onze da noite do dia 24 verão que as luzes daquele alpendre estarão apagadas e em silêncio profundo.
Quando a Matriz badalar os sinos celebrando a Noite Feliz, certamente nos lembraremos que este ano não ouviremos o chamado do sino dela, num convite para rodearmos a mesa de jantar, para que no entorno da manjedoura, agradecessemos mais um ano que estávamos juntos. Acabou, como acabam, um dia, os momentos mais felizes de nossas vidas.
Não sei mesmo, de verdade, como será o nosso Natal este ano e como reagiremos à falta daquela que por dezenas de anos foi a grande referência de nossa família. Mas tenho certeza de uma coisa: o Natal vai continuar tendo Deus, aquele Mesmo que meu avô João e minha avó Ada nos ensinaram a amar. E Nele haveremos de nos sustentar e de nos encontrarmos sempre.
Àquelas famílias que ainda possuem o prego que seguram suas árvores de Natal, aproveitem-no ao máximo, e nele se agarrem para comemorar a alegria do encontro e não para chorar a dor da partida.
FELIZ NATAL a todos!