Morreu no Hospital S. Domingos, em Uberaba, na tarde dessa terça-feira, 28, a empresária rural aposentada, Carmelita Bernardes Borges, aos 98 anos. Trasladada para Sacramento, a seu pedido, foi velada em sua casa, no centro da cidade, por familiares, autoridades e um grande número de amigos.
Estavam presentes os seus irmãos Ir. Flávia Bernardes e Hélio Bernardes, o prefeito Wesley De Santi de Melo, o presidente da Câmara, Carlos Alberto Cerchi, prefeito de Rifaina, ex-prefeitos, vereadores, além de muitos trabalhadores braçais, pessoas simples que conviveram com Carmelita.
Estavam também presentes os párocos, Pe. Valmir Ribeiro, da Paróquia Central, e Pe. Pedro, de Rifaina, além de Pe. Luiz Carlos Oliveira, representando a Congregação do Santíssimo Redentor, em reconhecimento ao título de Oblata, que Carmelita recebeu da Congregação Redentorista.
O prefeito Wesley De Santi de Melo decretou luto oficial de três dias em razão de seu falecimento, com as bandeiras hasteadas a meio mastro. O decreta considerou o fato de Carmelita ser primeira-dama da cidade por três gestões e suas ações sociais e filantrópicas na cidade.
Por volta das 9h00 da quarta-feira, o seu féretro foi transportado até a Igreja Matriz por familiares e amigos, onde foram concelebradas as exéquias pelos três sacerdotes. Falando em nome do prefeito Wesley, o amigo da família, vereador Bruno Scalon Cordeiro, recordou fatos de sua vida e fez a leitura do decreto oficial de luto na cidade, em homenagem aos relevantes serviços prestados por Da. Carmelita à cidade.
Os sacerdotes também expressaram mensagens de conforto e fé, tendo Pe. Luiz Carlos, lembrado que, na qualidade de Oblata, Carmelita tornou-se participante de todo o bem espiritual realizado pela Congregação do Santíssimo Redentor.
Carmelita, uma mulher além de seu tempo
Da. Carmelita Bernardes Borges foi uma mulher incomum para o seu tempo. Mãe carinhosa de um único filho, de quem sempre se orgulhou, José Alberto foi o tesouro mais precioso de toda sua existência. Zelosa ao extremo e cheia de esperanças e sonhos com o futuro do filho, dedicou-lhe tudo o que tinha, principalmente educação, em um dos melhores colégios do país. Raríssimos jovens tiveram a sua formação, graças à sapiência e determinação da mãe.
Dona de uma sagacidade indescritível, ela sabia das coisas. E sobre as vicissitudes políticas de uma Sacramento corrompida por facções partidárias rivais, também. Quantos conselhos ouvi, à mesa de jantar, daquela mulher visionária. Mas nunca a vi, ouvi que algum mal a espezinhasse. Forte e doce ao mesmo tempo. Nunca repartiu sua dor. Alegrias, sim, compartilhava com todos, principalmente os atos administrativos de um jovem e dinâmico prefeito...
Durante sua longa enfermidade, não se sentiu num leito de dor. Pelo contrário, fez da fé a sua grande força, virtude permitida àquelas almas generosas. A sua transvivenciação aconteceu na tarde dessa terça-feira, 28, no dia dos Santos Inocentes. Ela, devota dessas criancinhas que o rei Herodes mandou matar, pela arrogância de sua tirania, via nelas o seu primogênito, o filhinho Gustavo, que retornou aos braços do Pai antes de completar dois anos.
Soberana, dona de uma altivez resplandecente, ela irradiava ao mesmo tempo bondade e dureza. Compaixão e razão. Energia e candura. Da. Carmelita não tolerava mentiras. Foi uma Mulher fora de seu tempo. Por isso, o mundo e suas revolucionárias mudanças nunca a escandalizaram.
Mulher culta e inteligente, Carmelita não se entregava às lides domésticas. A cozinha nunca foi o seu picadeiro. As luzes da ribalta se acendiam, até quando Deus lhe deu forças e saúde, nos campos verdejantes do Candula e do rio das Velhas. Avessa ao uso dos óculos escuros para protegê-la do sol causticante no meio das lavouras, conforme recomendação médica, essa teimosia a levou a perder a visão nos últimos anos de sua existência. Foi uma guerreira do trabalho, ao lado do devotado marido, o saudoso Marquezinho, que a deixou ainda plena de vida.
Rica, bonita e elegante, predicados escassos no seu tempo, poderia muito bem, sem nenhum constrangimento, dedicar-se ao 'laissez-faire' ('deixa rolar', literalmente traduzindo). Não! Era madrugada escura, quando recebia seus 'bons camaradas' com um café, no quintal de sua casa, e partia com todos no velho caminhãozinho Mercedes Benz, para uma dura jornada de trabalho, que só terminava à tardinha. Era a Sinhá das fazendas, tomando conta de tudo, enquanto o filho com preocupações maiores, cuidava da cidade, por três administrações. Que primeira-dama faria isso?
Na cidade, entregava-se também junto a outras voluntárias, a um trabalho incessante de ajuda às instituições filantrópicas, como creches, Apae, Lar de S. Vicente... Foi zeladora da Santa Casa nos duros anos em que a entidade passava por grandes dificuldades. Costurava, à noite, com Da. Rita Giani e outras senhoras na confecção de roupas para os pobres de 'Trás do Morro'. Desde a construção do Seminário do Santíssimo Redentor, foi uma constante voluntária e benfeitora da obra do missionário, Pe. Borginho.
Filha de Coronel. Bondoso Coronel Amâncio José Bernardes, que nos brindava, ainda moleques que éramos com nossas caixas de engraxate, próximo ao Bar do Ledo e das Casas Pernambucanas, com guloseimas diversas, todas as vezes que entrava e saia do carteado da banca do Tomás Abrate. Todo moleque queria engraxar os seus sapatos. Carmelita era a quarta filha de uma prole de 11 corajosos e destemidos Bernardes, que o velho Coronel e sua Guiomar criaram.
Por vários anos, tive o prazer de conviver momentos de candura e paz no lar de Da. Carmelita. Primeiro, na qualidade de 'Inspetor Escolar' das escolas municipais, no primeiro governo de seu filho, no início dos anos 70. Depois, quando José Alberto e eu cursamos Língua Portuguesa e Literatura, na Faculdade de Filosofia das irmãs dominicanas, em Uberaba. Diariamente, por quatro anos, antes de partirmos para a Faculdade, me sentava à mesa de jantar para compartilhar de um lanche e de lições de vida. De seu filho, ouvia e me embebia do talento de sua experiência. De Da. Carmelita, recebia as bênçãos e absorvia os conselhos de uma mãe temente e prenhe de bondade.
Na manhã dessa quarta-feira, 29, em honras oficiais, a cidade se despediu dessa mulher agraciada com o título de Oblata Redentorista, privilégio que a tornou participante de todo o bem espiritual realizado pela congregação do SSmo. Redentor, com suas orações e trabalhos apostólicos; exéquias concelebradas por três sacerdotes, na Igreja Mãe da cidade, e decreto de luto oficial na cidade, expedido pelo poder Executivo. Nada mais justo.
Carmelita ultrapassou o monte Carmelo, a montanha na costa de Israel, com vistas para o mar mediterrâneo, cujo significado traz o seu nome e muito bem diz do lugar onde está: 'um jardim ameno e florido, um campo fértil', onde agora colhe com abundância na sua eterna-idade, tudo o que plantou nas terras do Santíssimo Sacramento.
(WJS)