Não à 'Intervenção Militar'
Meu primeiro alumbramento com o Socialismo, repetindo aqui a palavra do menino Manuel Bandeira, quando viu uma moça nuinha, em 'Evocações do Recife', foi em 1º de janeiro de 1959. Ainda moleque, descia para o Grupão Afonso Pena e vi as belas calçadas de antanho, ainda intactas, pichadas com alvaiade (um pó branco a base de chumbo que misturávamos com água ou leite para fazer tinta). Ninguém sabe, ninguém viu... Mas as inscrições eram um brado de apoio e incentivo a Fidel e Che. “Viva Cuba! Viva Fidel!! Fora EUA!” - pela conquista de Sierra Maestra e a derrubada do governo corrupto e violento de Fulgêncio Batista.
Nos anos 60, a União Estudantil Sacramentana, depois, já universitário, os encontros da UNE, os estudos da Teologia da Libertação, as aulas de Sociologia com Pe. Prata; de Filosofia, com o Prof. Paulo... as Comunidades Eclesiais de Base, Dom Helder, Frei Boff, Luiz Travassos, Vladimir Palmeira, Jango, Lula...
O sentimento arraigado lá de Getúlio de que 'O petróleo é nosso', me transformou num arauto em defesa de nosso patrimônio, a Telebras é nossa, a Eletrobras, a Petrobras, o pré-sal... Em vão! Venceram os vendilhões do templo. Os assassinos dos Herzogs, das Marielles continuam a solta.
Todo esse sentimento de décadas de histórias me veio à mente quando, buscando o melhor ângulo para uma foto, me deparo com uma imensa faixa presa a uma máquina agrícola e na outra ponta um jovem pelejando para mantê-la legível: 'Queremos Intervenção Militar'. Até então, vibrava com a manifestação liderada por essa brava classe trabalhadora, os caminhoneiros, clamando por justas reivindicações em relação à escalada dos preços dos combustíveis, patrocinada pela política neoliberal e conservadora do ilegítimo Temer.
Na carona das carretas e jamantas estacionadas pelas rodovias do País, outra classe merecedora de toda a simpatia da sociedade, o produtor rural, principal alavanca da economia, que responde por 33% da produção nacional, 40% em termos de exportação, se juntou aos bravos caminhoneiros e deles ganharam o apoio para um apelo estapafúrdio, 'Intervenção Militar' no Brasil. Meus Deus, o que tem uma coisa a ver com a outra. Político ladrão, corrupto e safado você aponta as provas, confisca os bens e põe na cadeia. E quem faz isso é o Poder Judiciário e não o Exército, guardião da ordem e da segurança dos poderes constituídos da nação. Tem razão o general Sérgio Etchegoyen quando diz, comentando esse disparate da bancada ruralista: “O tema é um assunto do século passado, não faz nenhum sentido diante da maturidade da sociedade brasileira. As Forças Armadas estão sempre presentes no ambiente democrático, garantindo a segurança e a ordem”. Então, por favor, não invertam as bolas!!
A volta do militarismo é um retrocesso. Está aí a Comissão Nacional da Verdade, que mesmo limitada mostrou os horrores dos 21 anos da ditadura de 64:
“A Comissão confirmou 434 mortes e desaparecimentos de vítimas do regime militar, números que “certamente não correspondem ao total de mortos e desaparecidos”. Assim como fez Rui Barbosa com a documentação escravista do Ministério da Fazenda, o Exército disse oficialmente que destruiu as provas.
Ocorreram crimes contra a Humanidade, conforme as normas imperativas internacionais. Foram “atos desumanos”, contra civis, de forma generalizada ou sistemática e com amplo conhecimento de seus mandantes, sendo atingidos homens, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, clérigos, camponeses, estudantes, etc.” (www.cnv.gov.br)
Concluo, citando o professor e doutor, Leandro Karna, da Unicamp: “Quando eu vejo alguém defendendo a volta dos militares, eu olho para a idade. Se for um jovem eu me sinto no dever de explicar o que é o 'arbítrio', o que é 'cassação de direitos', como o 'habeas corpus', o que foi um 'AI-5', o que é a 'tortura de mulheres grávidas', o que é 'o fim da liberdade de imprensa', o que é 'barbárie da concentração de renda durante a ditadura militar'; e se for uma pessoa de idade, eu atribuo à falta de memória que a idade pode estar provocando na pessoa.
Na verdade, não há como defender, eticamente, moralmente, num plano mínimo de humanidade, uma intervenção militar. Nossos problemas foram piorados pela ditadura. É muito importante lembrar que não se deve nunca questionar a democracia, deve-se aperfeiçoá-la. Por uma pessoa não estar funcionando, o remédio não é executá-la numa câmara de gás, mas mudar o remédio, achar algo mais eficaz.
É um recado importante para os jovens que viveram sob regime de direito pós 1985 ou 88 que foi a Constituição. É preciso estudar o que é a barbárie da ditadura, a quantidade enorme de escândalos financeiros, de gente que enriqueceu ilicitamente acobertada por militares. É preciso insistir nisso, pra que as pessoas não fiquem achando que agora é que nós temos esses problemas”.
Professores, discutam o tema com seus alunos.
(WJS)