Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Para quem é pai/mãe e para aqueles que o serão...

Edição n° 1192 - 12 Fevereiro 2010

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes  de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.

Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do Maternal? A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil.

E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! 

Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros. Ali estamos, com os cabelos esbranquiçados. 

Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não repitam. 

Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos. Não mais os pega-remos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. 

Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de ade-sivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores.

Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao Shopping, não lhes demos suficientes hambúr-gueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que  gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela  janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.

Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados. Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes". 

Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar) para que eles acertem nas escolhas em busca de feli-cidade. E que a conquistem do modo mais completo possível.

O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.  Por isso os avós são tão desmesu-rados e distribuem tão incontrolável carinho. 

Os netos são a última oportunidade de re-editar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam. Aprendemos a ser filhos depois que somos pais. 

“Só aprendemos a ser pais depois que somos avós...”.          

 

Affonso Romano de Sant'Anna