Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O jovem 'doutor' em Fisioterapia

Edição nº 1189 - 22 Janeiro 2010

Gustavo Jerônimo de Melo Almeida, 30, é um jovem uberlandense, mas com fortíssimos laços com Sacramento, a começar pelos pais sacramentanos, Tércio Almeida e Alzira Jerônimo de Melo. Férias, sempre em Sacramento, para curtir e matar a saudade, principalmente da vovó do coração, Terezinha Jerônimo. Mas depois que foi estudar nos Estados Unidos, só curtiu mesmo a saudade de longe, até que, depois de três anos, conseguiu rever a cidade, familiares e amigos. “Os dias em Sacramento foram muito bons. É sempre bom rever as pessoas, muita gente que eu conheci aos 15 anos, hoje tem 18. Valeu a pena essa vinda pra cá, sem contar que me livrei de um dos piores invernos de Pittsburgh.

De uma simpatia ímpar, Gustavo é um daqueles jovens que sabe bem o que quer e onde quer chegar. Após concluir o curso de Fisioterapia, em 2001, pelo Centro Universitário do Triângulo, bateu asas...

E foi na casa da vovó Tetê que o ET foi conversar um pouco com Gustavo sobre a sua experiência no exterior: faz doutorado na Universidade de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

ET – Bom, depois de concluir Fisioterapia na Unitri, em Uberlândia, onde a mamãe Alzira era Reitora, partiu para as especializações?

Gustavo – Sim,  parti para São Paulo com o objetivo de fazer especialização em Aparelho Lo-comotor no Esporte,  Fisioterapia no Esporte, com vistas ao aspecto neuromuscular, na Universidade Federal de São Paulo – Unifesp,  e, também, fazer residência. A única residência no Brasil nessa área é no Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, em São Paulo, uma clínica particular, onde fui aceito depois de passar na prova, em 2002, e lá permanecer após a Residência.

 

ET – Como convidado? Algum trabalho relevante nesse período de Residência?

Gustavo – Sim, como convidado do Instituto. Primeiro, as pessoas, os pacientes me elogiavam muito, me procuravam muito e, um dia, o Dr. Moisés Cohen, que não  tem a obrigação de conhecer todo mundo, principalmente residentes, quis me conhecer e, em agosto, me convidou a permanecer no Institu-to, após o término da residência, em março de 2003. 

 

ET – Mas a gente sabe que você deu solução para um caso grave que já havia passado por vários profissionais... Pode contar?

Gustavo – Sim, na verdade o que concretizou mesmo o convite foi o atendimento de uma paci-ente vítima de acidente a cavalo. Ela perdeu todos os ligamentos do joelho e o pé ficou caído. Ela passou por vários tratamentos e nada funcionava. O caso dela era neurológico e, em  outubro, eles me mandaram essa paciente.  Adquiram os equipamentos necessários e um mês e meio depois ela estava andando. Com isso o convite se concretizou. Em janeiro de 2003, comecei como assistente de pesquisa do Centro Cochrane do Brasil, criado pelo doutor Álvaro Nagib Atalla, em 1996. E, em março, eu dormi residente e acordei fisioterapeuta do Instituto Cohen

 

ET – Só trabalhando ou continuou os estudos?

Gustavo – Continuei. Ao terminar a especialização, iniciei o curso de Mestrado, em junho de 2003, na Unifesp. Quando passei a trabalhar no Instituto, me perguntaram o que eu pretendia. Aí eu disse que  pretendia seguir nos estudos e trabalhar com pesquisas e precisava de tempo. Perguntei se podia ir fundo e eles deram sinal positivo, porque não é fácil, a gente corre o risco de não conseguir bolsa e não arrumar tempo para trabalhar. Eles me deram todo o suporte e concluí o Mestrado em 2005. Só que, antes, entre janeiro a março de 2004, passei uma pequena temporada na Universidade de Pittsburgh. No curso de Mestrado, descobri que em Pittsburgh estavam os ‘caras’, os melhores em Fisioterapia. Conversando com Dr. Moises Cohen, ele me disse que conhecia Scott Leppard, da Universidade, e disse que arrumaria pra eu passar um tempo com eles e realmente conseguiu, fiquei lá três meses. A Universidade de Pittsburgh está entre as dez melhores do mundo, em Fisioterapia.

 

ET – E como surgiu a oportunidade do Doutorado?

Gustavo - O Mestrado propiciou-me contato com vários centros de estudos em todo o mundo. Fui tomando mais e mais gosto pelos estudos, pela pesquisa. São Paulo é a cidade das oportunidades, elas vão surgindo na nossa frente, todos os dias. Fui trabalhar com o Dr. Marco Túlio de Mello, chefe do Instituto do Sono, junto com doutor Sérgio Tufik, na Unifesp. Dr. Marco Túlio é de Uberlândia, e um dia pedi-lhe para usar o laboratório, que é um dos melhores do país, equipamentos de última geração, para iniciar um projeto para o Doutorado. Ele deu-me a oportunidade e iniciei o projeto, já em 2005. E em junho de 2006, numa maravilhosa tarde de sol, recebi um e-mail convite para fazer doutorado em Pittsburgh com bolsa e tudo o mais. 

 

ET – Foi uma decisão difícil?

Gustavo - De princípio foi um susto, porque eu teria quer a resposta no outro dia. E foi, realmente, uma decisão difícil, eu bem empregado, com uma clientela muito boa, um salário que poucos fisioterapeutas têm no Brasil. Conversei com meus pais. E eles me apoiaram, porque era uma oportunidade única, até que, finalmente, decidi ir. Foi aquela correria pra fazer as provas, aprontar tudo. Foram dois meses trabalhando, dando aulas e fazendo provas. Em 18 de dezembro de 2006, mudei para Pittsburgh. 

 

ET - Passados três anos, continua estudando... Até quando?

Gustavo - No nosso departamento, a média do curso de Doutorado é de sete anos. Nesses três anos terminei os estudos teóricos, todos os créditos, passei nos exames de qualificação e, agora, vou me dedicar a escrever artigos. Quero terminar o doutorado com  no mínimo  20 artigos publicados. Vou me dedicar a duas pesquisas que estamos coordenando: uma em fortalecimento da coxa, para pacientes com artrite reumatóide e outra de avaliação dos níveis de atividade física em pacientes com prótese total dos joelhos e trabalhando no meu projeto final do doutorado.

 

ET – Vamos falar agora das principais dificuldades que você encontrou... 

Gustavo - Sair de um país de clima tropical e enfrentar a Pensilvânia, não é fácil. Pittsburgh, é a segunda cidade mais populosa do Estado americano de Pensilvânia. Apenas a cidade de Filadélfia possui mais habitantes. Pittsburgh está localizada no sudoeste do Estado. Até meados de 1960, Pittsburgh éera considerada o maior pólo siderúgico e o maior produtor de aço do mundo, daí o cognome Cidade do Aço. É completamente diferente do Brasil, não só a universidade, mas tudo. No início foi muito duro, demorei uns seis meses para me adaptar com a língua e com o frio. É terrível, nevascas muito fortes. Senti muita falta de família, aquele calor de família me fez muita falta.. Sou muito família...

 

ET  - Tempo pra diversão?

Gustavo – Não. Pittsburgh é um campus aberto, mas não tem muito tempo para diversão, não. Moro a 30 minutos a pé universidade, mas não é fácil. Felizmente tudo é gratuito, inclusive o transporte. A cidade é bonita, oferece muitas opções, com uma atividade cultural muito intensa. São quase dois milhões e habitantes, mas não dá muito tempo, não. Mas digo que vale a pena, porque estou fazendo o que gosto.

 

ET -  A Fisioterapia é um curso relativamente recente, hoje muito assíduo, mas muitos formandos abandonam a profissão... Como você vê esse aspecto?

Gustavo - Fisioterapia está muito em voga e houve uma corrida para o curso, mas grande parte dos formados não se especializam. Boa parte dos que formam em fisioterapia é por falta de opção, ou, como segunda opção nos vestibulares. Fisioterapia é uma válvula de escape para muita gente. Grande parte trabalha por um tempo e pára, opta por outra coisa. Talvez, não haviam se decidido com certeza. Acho que é preciso determinação e certeza pra qualquer opção que você fizer. Quando no 3º ano Colegial eu decidi pela Fisioterapia, já sabia que queria ortopedia e, desde o primeiro ano, comecei em estágios que me guiaram  para esse ramo. Agradeço a todos os fisioterapeutas que me orientaram no estágio, desde o primeiro ano do curso. Eu precisava ver na prática aquilo que via na teoria.  

 

ET – Que contribuição você trará para o Brasil logo que terminar seu doutorado? Se retornar, claro...

Gustavo - São inúmeras, mesmo porque eu gostaria muito de poder contribuir com a pesquisa no Brasil, embora saiba  que é muito difícil. E a barreira que mais encontro, e uma das mais terríveis, é a roubalheira. E já  vivi isso aqui. Ganhamos R$ 120 mil reais, da secretaria de Esportes de São Paulo para montar um centro de pesquisa, no centro de Traumatologia no Esporte, dentro da Unifesp. O dinheiro tem que passar pela universidade. Fizemos o orçamento dos equipamentos em R$ 116 mil, fui embora e hoje sei que tudo o que foi adquirido não chega a R$ 70 mil e o dinheiro acabou. É esse o problema do Brasil.   Em Pittsburgh, minha orientadora ganhou 600 mil dólares para pesquisa e tenho a certeza de que serão gastos em pesquisa pelo menos U$ 599.999,99, tudo isso é revertido para aquele fim, sem desvios ou superfaturamento. Sinceramente, eu gostaria de estar no Ministério da Saúde aqui no Brasil e trabalhar na raiz, aí sim, poderemos trazer para o  Brasil uma qualidade melhor e nos investimentos em pesquisa e saúde.

 

ET – Especialista em cuidar de músculos lesionados... tem cuidado de seu coração?

Gustavo – (risos) Não... como músculo ele está muito bem, mas estou solteiríssimo. Já tentei ocupar meu coração, mas acabou me atrapalhando nos estudos, pesquisas, aí decidi terminar para partir para as coisas da razão. Sempre haverá tempo.