Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O Buglê da era Pelé

Edição n° 1318 - 13 Julho 2012

José Alberto Bougleux, 65, o Buglê, mais conhecido atualmente como Beto, esteve em visita a Sacramento na última semana, ao lado da esposa Valnice, a convite da amiga da família, a sacramentana, Mariângela França Cunha, residente em Brasília. Recebeu o ET na casas do casal Marilene França e Pavine para uma entrevista. 

Buglê pode até ser desconhecido pelas atuais gerações, mas os mais velhos, sobretudo os torcedores do Atlético Mineiro, Santos e Vasco  sabem bem quem ele é. Magno, por exemplo, sabe. Recordando o encontro, ao ser apresentado a Magno, como o jogador que fez o primeiro e único gol no Mineirão, exatamente no dia 5 de setembro de 1965, quando o estádio foi inaugurado, em um jogo entre a seleção mineira e o River Plate,  Magno, logo disse: “Com todo o respeito, não foi, não! Eu estive no jogo da inauguração. Quem fez o gol foi o Buglê”. E José Alberto revelou: “Eu sou o Buglê”, contam os amigos. Foi um riso só e o “dá cá um abraço”. Isso acontece, Magno, afinal já se passaram 47 anos.

Na entrevista, Buglê, que jogava como meio de campo mais ofensivo, recorda o gol: “Aos sete minutos do segundo tempo, depois de o Delén, do River Plate, perder um pênalti, aconteceu a jogada, que começou com  um lançamento do ponta direita. Ele cruzou,  o goleiro saiu, foi rebater, furou e eu fiquei sozinho”, contou, lembrando mais: “Eu era camisa 8, a 10 era do Dirceu Lopes”, disse, simpaticamente.

O nome 'Buglê' é um aportuguesado do francês 'Bougleux.  “Sou de descendência francesa e o sobrenome 'Bougleux' era muito difícil para as pessoas lerem e  escreverem. Resolvi aportuguesar o nome, que tem o mesmo som”, conta entre risos.

José Alberto Bugleux nasceu em São Gotardo, aqui no Alto Paranaiba. “Joguei durante 14 anos e hoje sou aposentado, com salário mínimo (risos). Jogador nenhum consegue jogar 25 anos para aposentar. Na minha época, jogador já era bem remunerado, mas era tudo entre luvas e ordenado. Dinheiro reunido a gente nunca tinha, porque os pagamentos 'mensais' eram de 90 dias, 120 dias... Os clubes não tinha patrocínio, viviam da renda do público nos estádios”, diz. 

 

A trajetória como meio-campo por 14 anos 

 

Natural de São Gotardo, Buglê foi revelado nas categorias de base do Atlético Mineiro. O jogador participou do elenco profissional do clube alvinegro entre as temporadas de 1963 a 1966. Com a camisa alvinegra fez 85 jogos e marcou 15 gols, um deles o primeiro gol da história do Mineirão, quando no dia 5 de setembro de 1965, atuou pela Seleção Mineira em um amistoso contra o River Plate e marcou o único gol daquela partida, aos sete minutos do segundo tempo. 

A seleção mineira jogou com Fábio; Canindé, Bueno, Grapete e Décio Teixeira; Buglê, Dirceu Lopes e Tostão; Wilson Almeida (Geraldo, depois Noventa), Silvestre (Jair Bala) e Tião. O River jogou com Gatti; Sainz, Ramos Delgado, Crispo e Cap (Civica); Matosas, Sarnari e Delém; Cubilla (Lallana), Artime (Solari) e Más. O público foi de 73.201 pagantes. 

Saindo do Atlético, Buglê  foi para o  Santos, onde ficou dois anos (1967/1968).  “Fiz parte da equipe do  Santos na era Pelé, época em que conquistamos dois campeonatos  paulista consecutivos (1967/1968)”, recorda. 

O terceiro grande clube foi o Vasco da Gama, entre  fins de 1968 até 1974, conquistando com a equipe vascaína o Campeonato Carioca de 1970. Dono do próprio passe, Buglê jogou por dois anos no Paris Saint Germain. “Na época, comprei meu passe do Vasco, fiquei cinco meses no América e fui para a França, sem empresário nem nada.  No Brasil, esse negócio de empresário começou em 1965, mas eu já era considerado velho, nos padrões daquela época”. 

Por causa de uma suspensão de 180 dias não pôde participar da Copa do Mundo de 1968. “Eu estava suspenso e o Tostão foi no meu lugar. Naquele tempo a CBF não levava   jogador com punição.  Minha suspensão, aconteceu dois jogos após inaugurar o Mineirão com o gol. No primeiro jogo  Atlético x Cruzeiro realizado no Mineirão, pelo Campeonato Mineiro houve uma briga entre as equipes e eu estava no meio. Fomos expulsos e  suspensos por 180 dias”, recorda. 

Treinadores foram vários, mas de um ele deles, Buglê não esquece: Zezé Moreira. “Foi ele quem me tirou dos juniores aos 17 anos e me lançou no principal do Atlético Mineiro. O Wilson de Oliveira também foi importante na minha vida, foi ele que me convidou para treinar no Atlético. Devo muita coisa a esses dois”. 

A chegada de Buglê ao futebol  profissional foi graças à mudança da família para Belo Horizonte. “Papai era contador e mamãe diretora de escola. Ela foi transferida para a capital e nos mudamos para o Barro Preto  e ingressei no futebol de Salão do Cruzeiro, junto com Tostão, Ronaldo, que depois foram meus colegas de seleção e de clube”. 

O futebol ontem e hoje
De acordo com Buglê, o futebol da atualidade é muito diferente daquele futebol que ele jogou. “Hoje é muito diferente, nem se compara. No meu tempo tínhamos mais amor à camisa, a gente jogava por gosto. Não beijava escudo nem nada, mas gostávamos do clube. Pra vocês terem uma ideia, em 1967, no  Santos, jogávamos cerca de 90 partidas por ano, uma média de quatro partidas por semana. Depois é que veio a lei estabelecendo o limite de partidas, duas por semana
Também não havia os grandes salários como pagam hoje. A gente jogava por amor à camisa, não por dinheiro. tanto é que os jogadores hoje não têm clubes. Eu sou atleticano, santista e vascaíno e tenho amor a esses três clubes. Hoje, os jogadores  vão para os clubes que pagarem mais”, ressalta. E dá certa razão aos jogadores: “É muito efêmera a carreira do jogador,se não conseguir arrumar um tanto de dinheiro que dê pra chegar ao fim da vida de forma digna, vai aposentar com um salário mínimo, como eu. E o reconhecimento é muito pouco, porque passados poucos meses, ninguém se lembra mais. Eu, particularmente, não posso reclamar disso, porque sou lembrado sempre pelo primeiro gol no Mineirão”.  
A tecnologia no futebol
Para Buglê, a tecnologia é fator fundamental para o planejamento do futebol. ”A tecnologia veio, entrou no futebol  para melhorar em todos os sentidos, principalmente na parte física. Antigamente, fazíamos uma hora de ginástica, somente para aquecer; hoje, eles têm um  preparo muito maior, os jogadores correm realmente os 90 minutos. No nosso tempo, quem corria era a bola. Hoje eles estudam as táticas de jogos dos adversários num computador, montam estratégias, nós não. A gente quando muito, ouvia pelo rádio, nós descobríamos como o adversário jogava era durante o jogo, era quase que um confronto direto. Muitas vezes a gente chegava no campo e nem sabia com quem iríamos jogar. A tecnologia hoje permite que os jogadores entrem em campo sabendo a capacidade do adversário, as táticas, a tecnologia permite isso,  é muito mais eficaz”. 
Jogador nasce jogador, mas não basta 
Para Buglê, um atleta nasce com a vocação de atleta de futebol. “Mas só isso não basta  - afirma - ainda mais nos dias de hoje, precisa aprimorar e muito, daí a importância das escolinhas. O jogador por si só não desponta. Um jogador precisa aprender muita coisa, mesmo que tenha vocação para o esporte, ele precisa de um clube, precisa estar no meio de profissionais, precisa competir, buscar oportunidades, precisa ter um excelente treinador, porque é dali que parte todo conhecimento e sabedoria. Ficar só no amadorismo não se chega a lugar nenhum”. 
Buglê hoje é sitiante em Brasília
José Alberto reside há alguns anos em Brasília, onde cuida de um sítio com a esposa Val. “Tenho essa chácara, coisa que eu gosto e vivo do comércio rural e tenho algumas coisinhas que adquiri com o futebol e a minha aposentadoria.   O futebol ficou para trás”, conta. 
O fato de residir em Brasília, talvez o tenha feito desgostar-se do futebol ou talvez até pela falta de contato com os grandes clubes, com os jogadores de seu tempo.  Buglê saiu de cena e justifica. “Tenho verdadeira ojeriza do futebol de Brasília, uma capital, com três milhões de habitantes  e não tem nenhum  time nem na segunda divisão. Fico triste, porque Brasília é um celeiro enorme de atletas, de jogadores de futebol, mas as pessoas que militam no futebol lá só querem levar vantagem, não revelam ninguém a não ser o Kaká, mas isso há muito tempo. O governador Arruda fez as vilas olímpicas  que estão lá abandonadas”, critica.
Para Blugê, futebol em Brasília só pela TV, assim mesmo, apenas os clássicos. “Às vezes assisto pela TV, algum  clássico como por exemplo  Corinthians e Boca na semana que vem. Acredito que isso seja uma característica  do lugar onde vivo, Brasília não vive futebol, lá não existe futebol, ninguém liga”. 
Falando sobre a vinda a Sacramento afirma: “Descobri a cidade através da Mariângela, em Brasília, e há muito ela nos convida pra vir. Sempre viajamos   juntos, criamos um vínculo de amizade muito grande. E adorei Sacramento, sobretudo pela acolhida que tivemos, cidade bonita e vou ter que tomar água do Borá, porque quero voltar”.
José Alberto é casado em segunda núpcias com Valnice Maria da Costa de Almeida e juntos têm quatro filhos, dois dele e dois dela, e dois netos.  
Na cidade, Buglê pode redescobrir um pouco do futebol, batendo uma bolinha, no último domingo, com os veteranos do STC.