Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Éramos uma cidade singular

“Vamos, caminhando pelas ruas de nossa cidade
Viver derramando a juventude pelos corações
Tenha fé no nosso povo que ele resiste
Tenha fé no nosso povo que ele insiste
E acorda novo, forte, alegre, cheio de paixão”.

(Milton Nascimento e Fernando Brant)

A rua Capitão Ferreira, aquele mesmo, o pai do Cônego que fundou a cidade, e que tinha ali a sede da sesmaria, da qual doou uns bons alqueires para o filho constituir o padroado de Na. Sa. do Patrocínio do SSmo. Sacramento. Era a famosa rua de Baixo, depois, rua dos Fazendeiros, com suas casas em diferentes estilos que marcaram a arquitetura do século passado.

No final do ano passado o prefeito Dário Berger, de Florianópolis, começou a estrepitosa "Operação Tapete Preto", se propondo a asfaltar mais de 30 ruas desta bela cidade. Toda vez que um administrador público quer fazer demagogia, espalha asfalto. Aparece em grandes extensões e a custo relativamente baixo. Causa a falsa impressão de que está trabalhando. Em todos níveis. Comumente ocorre no início ou no final da gestão. No primeiro caso para encobrir o marasmo e, no segundo, como ocorreu há pouco com o cambaleante governo federal, por mero estardalhaço eleitoreiro.

Os moradores de uma rua do belo bairro de Coqueiros, uma das mais bonitas regiões na parte continental desta capital, se uniram em um abaixo assinado, onde todos os moradores daquele pedaço participaram e, democraticamente, impediram que o despropositado "benefício" chegasse a eles. Os motivos alegados foram dignos da população de uma cidade que ostentou, por muitos anos, o título de capital com a melhor qualidade de vida no Brasil: ecológicos, estéticos, estruturais, históricos.

Sacramento é uma cidade que não se escuda em nenhum desses argumentos para preservar o que resta de sua história, de suas tradições, de suas características mais marcantes.

Na minha infância, década de 60, vi a implantação do calçamento na rua Clemente Araújo, onde moramos alguns anos. Era o progresso fincando suas estacas nas espaçosas ruas de nossas brincadeiras. Calçadas e ruas irregulares, poeira braba nos tempos da seca e lama pra todo lado nos tempos de chuva. E a nossa qualidade de vida sendo melhorada por um pavimento que não agredia o que de mais precioso temos: esta Terra que nos foi arrendada por um Deus poderoso, que confiou em nós e pôs ao nosso dispor a sua mais bela criação. E nós o traímos seguidamente, alteramos de forma contínua a obra perfeita que Ele gerou.

Agora leio no Estadinho que outras tantas ruas de Sacramento estão sendo cobertas pelo lençol asfixiante do asfalto. Vou me deter apenas no lamento citado na primeira página do jornal e rever a rua Capitão Ferreira, ou rua dos Fazendeiros de tempos atrás, imaginar o que um Dr. Clemente, prefeito que era pura alma sacramentana, sentiria ao ver aquele belo calçamento sendo escondido, trocando as linhas ordenadas dos esmerados paralelepípedos pelo lugar comum do asfalto frio; no belo casarão onde vive Da. Termutes e sua filha Iara, culta pedagoga, o que devem estar sentido; Inacinho Loyola, que fundou o Museu do Banco do Brasil, preservando o passado, como deve ter sentido o asfalto em frente à sua bela e já moderna casa. Penso em outros moradores, pessoas que moram há anos numa rua com caprichoso desenho, agora equiparada por baixo com qualquer repetitiva rua de qualquer canto, sem as belezas que Sacramento não está sabendo preservar. O incomparável médico de minha família, Dr. Fábio e sua bela residência; a família do Zé Dentista, Da Agostinha, os irmãos Ramos, Weber e Waldete, os Miranda, cujos filhos, netos, ainda moram ali; Da. Aparecida, do Luiz de Melo e da família Bonatti, enfim, cada uma das pessoas que fazem daquela rua o melhor para se morar.

Certamente que o asfalto não irá fechar apenas os poros que nutrem a mãe terra. Impedirão as gerações futuras de conhecerem como tudo era belo e não sabíamos. Certamente que muitos não irão nem perceber a estúpida mudança que está sendo feita. Certamente, que poucos entendem a violenta agressão a que está sendo subjugada aquele mínimo pedaço do planeta. Mas a sensação que brota em nossos corações é de que, cada vez mais, a insensibilidade daqueles que agem e não pensam, vai dominando o mundo. Quanto mais a informação flui, quanto mais as notícias passam a circular de forma vertiginosa, menos as pessoas estão conseguindo compreender que é nas pequenas atitudes é que reside a esperança de um futuro melhor. De um futuro.

Que cada um escolha um bom motivo para condenar a estupidez que continuadamente está sendo jogada sobre a nossa Sacramento: ecológico, social, estético, histórico, estrutural, sentimental, seja qual for, ou todos eles. Que aqueles que dão plantão no poder sejam forçados a não se dar o direito de proceder como se a cidade fosse um patrimônio seu. Infeliz lugar reserva a história para esses. Quando a agressão ao meio ambiente se tornar um tema compreendido por todos, porque poderão estar sentindo na própria pele o resultado da omissão nos tempos de hoje, aí então poderá ser tarde para julgar o enorme erro agora cometido. O estigma que cairá sobre o nome dos insensatos de hoje, somente o peso e a imparcialidade da história é que poderá dimensionar.

Há 25 anos estou fora de Sacramento. Jamais meu coração a abandonou. Sempre volto a ela para a recarga espiritual que só essa terra tem o poder de a fazer. O Estadinho e a Destaque In, parafraseando mais uma vez o Ministro Sálvio Figueiredo, são o cordão umbilical que nos liga a ela. Somente neste ano tomei coragem e transferi meu título de eleitor daí. Afinal, éramos uma cidade singular, hoje nos nivelamos por baixo. Constatei que não me importa mais onde votar. Dolorosamente constatei.

Alberto de Souza Vieira, Bertim