Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Entrevista Breno Bizinoto Franco: Pedalando 17 mil km

Edição nº 1638 - 31 de Agosto de 2018

Breno Bizinoto Franco é um jovem e simpático arquiteto filho de Cely Terezinha Bizinoto e Murilo Fraco Machado, que tem fortes laços com Sacramento através dos avós maternos, Tercílio Bizinoto e Catarina Zago Bizinoto. Mineiríssimo da capital, hoje pode-se dizer é cidadão da América do Sul, que percorreu no pedal durante um ano vivendo uma fantástica experiência. E foi na casa dos avós, que Breno recebeu o ET para falar da sua paixão: o ciclismo, que começou com 11 anos e, agora, aos 27, está na reta de chegada, dos últimos 500 quilômetros para alcançar a marca  invejável de 17 mil quilômetros percorridos pela Latino América.

 

ET - Breno, como nasceu esse amor, essa paixão por bicicleta?

Breno - O ciclismo faz parte da minha vida há 11 anos, competindo todo circuito profissional do Brasil e do exterior. Já viajei bastante e decidi, então, juntar isso com uma outra atividade que é o ciclo turismo que, na realidade, são atividades muito distintas, apesar de parecerem ser a mesma coisa, mas não é. O ciclo turismo é exclusivo de turmas muito isoladas. E como minha especialidade são as competições de longa distância, dentro desse projeto, acabei de fazer uma volta pela América do Sul, competindo as provas mais longas que existem.

 

ET - Pode citar algumas dessas provas?

Breno - Claro! Uma foi no Brasil, uma provas de dois dias, 170 km;  outra de dois dias, na Argentina; outra de cinco dias, 500 km no Chile e uma de 1.800 km, no Peru. Só não competi na Bolívia e no Uruguai, mas passei por esses países, ou seja, passei por todos os países da América do Sul, pedalando. Estou completando aqui em Sacramento, 17 mil km percorridos, muitas histórias, muitas fotos. Desertos, pampas, a Patagônia, sem contar o Brasil, porque passei por oito estados.  Foi fantástico! Agora em setembro completo 11 anos de pedal, o ciclismo foi algo que caiu na minha vida como um paraquedas, fui evoluindo e vi que com dez anos de experiência, tinha bagagem para fazer essa viagem, e o que eu não tinha peguei no meio do caminho.

 

ET - O ciclismo em si não é um esporte barato, o ciclo turismo, então... Você teve algum patrocínio ou ia se virando por onde passava? 

Breno - Meus pais me ajudaram, me deram alguns presentes, mas eu trabalhava como arquiteto antes de sair para a viagem, muita gente até brinca que eu curti a rescisão nesse um ano, mas também tive três patrocínios que foram muito importantes: a Scott, atual campeã mundial de Mountain Bike;  Spott, marca de um rastreador de GPS e a CicloGiro, loja de bicicleta, todos de Belo Horizonte. Eles foram fundamentais, economicamente, para o projeto dar certo. 

 

ET – Dizem que a 'a arte de vencer aprende-se com as derrotas e com as experiências'... O aprendizado valeu a pena, o fez crescer?

Breno - Sem sombra de dúvidas. As experiências vão  desde ficar perdido num caminho a congelar de frio; de coisas simples como conhecer alguém na rua e depois de uma conversa de 20 minutos com um desconhecido criar uma sintonia, um contato que nunca imaginava ter e que levarei para a vida. Vivi alguns poucos momentos críticos, comparado ao que as pessoas diziam que eu viveria...

 

ET – Assaltos, acidentes nas trilhas, nas rodovias...

Breno -  Não, graças a Deus, isso não aconteceu. Os momentos críticos que passei, foram poucos e consegui me sair bem.

 

ET - Poderia nos relatar algum?

Breno – Sim, sito um deles, quando fiquei preso no alto de uma montanha a 4 mil metros de altura, estava entre a Argentina e o Chile, mas num espaço geográfico em que não estava em país nenhum. Ou seja, de um lado estava a aduana Argentina e do outro, o espaço físico sem dono, porque não tinha entrado na aduana do Chile. Era um trecho denominado Passo de Águas Negras, que não pertence a nenhum país. O pior é que depois das 20h essas aduanas fecham e não passa ninguém. Eu fiquei ali sozinho e a quatro mil metros de altura...

 

ET - A que temperatura? 

Breno - Menos 15 graus celsius. A cada 100 metros que subimos perdemos muita temperatura e perdemos oxigênio também. Foi uma noite muito longa e perigosa. E esse foi meu grande erro, porque eu não tinha experiência de acampar em altas altitudes, mas, graças a Deus, consegui sobreviver, com muita fé e muito jeito.  Eu fiz um vídeo que se chama, “Passo Águas Negras”, onde relato como fiquei congelado ali, um lugar extremamente isolado, que só fica aberto três meses no ano, durante o verão. Nos meses restantes é pura neve, nenhum veículo transita por lá. O cronômetro registrou menos 15 graus. No dia seguinte, minha bicicleta, a água, tudo estava congelado.

 

ET - Alimentação diferente, esforço físico além do limite, clima inóspito... Você viveu algum problema de saúde?

Breno - Tive alguns probleminhas, mas nada grave. E isso foi uma das coisas que aprendi. O que nos adoece não é o frio que pegamos, as comidas de procedência duvidosa... pois tive poucos problemas de saúde e não foram graves. Aprendi que adoecemos com muito mais frequência quando vivemos uma vida de muito estresse, muita pressão. Tive outras experiências de adoecer muito mais graves do que nessa viagem.  

 

ET - Mas de qualquer forma, você se preveniu. Que tipo de medicamentos levou na mochila para uma emergência em lugares isolados?

Breno - Sim, claro, na bagagem levei alguns medicamentos, antibióticos diversos, homeopatias e cheguei a levar um kit de adrenalina para o caso de eu ser picado por marimbondo, porque sou alérgico, mas não precisei usar. Só fiz uso da homeopatia para a garganta. 

 

ET - E muito chimarrão...

Breno - Muito... muito chimarrão, era uma overdose. É quase uma ofensa a gente recusar a bebida, que oferecem. A bomba compartilhada é uma ofensa, não aceitar. Mas é um chimarrão como o nosso daqui. A diferença que senti foi com o chá de coca, na Bolívia...

 

ET - ... é meio alucinógeno...

Breno - Não, não é alucinógeno. Comparando, é como o café que tomamos no Brasil; na Argentina toma-se o chimarrão e na Bolívia o chá de folha de coca. Só que ele é mais viciante. Mas lá eles mascam as folhas, colocam quase meio quilo de folha de coca na boca de uma vez. Eu tomava apenas o chá que, como o nosso café, é estimulante, revigorante. Tentei mascar a folha, mas não gostei. A vantagem do chá, e mais ainda das folhas, é que ele faz o corpo se adaptar melhor à altitude, ao ar rarefeito, que causa muita náusea, dor de cabeça, indisposição.  

 

ET - Como se virou com o idioma. Apesar de ambas as línguas latinas, você saiu dos Brasil dominando bem o espanhol? 

Breno - Não, não estava preparado, não dominava nada. Mas estava decidido que, de algum jeito, iria aprender a falar espanhol, mas não sabia exatamente como, mas até nisso tirei sorte grande quando, no sul do Brasil, uma semana antes de entrar no Uruguai, conheci um argentino, o Guichermo, que estava também viajando de bicicleta e faria o mesmo caminho que eu até chegar a Buenos Aires. Percorreríamos juntos, cerca de 1000 km e, sem forçar, acabamos pedalando juntos. Ele não falava português e eu não falava espanhol e começamos a nos ajudar. 

 

ET - De que maneira?

Breno - Enquanto estávamos no Brasil, eu organizava tudo, hotel, restaurante... E quando entramos no Uruguai, ele passou a fazer tudo, ou seja, eu lhe ensinei português e ele me ensinou espanhol.  Ao chegarmos em Buenos Aires, ambos já dominávamos os idiomas e a amizade. Lá, nos hospedamos na casa da mãe dele; três cidades pra frente me hospedei na casa da filha dele e, na cidade seguinte, era onde ele morava. Quando nos separamos, eu já falava espanhol muito bem e ele o português. Foi muito legal e nos tornamos amigos. Quando eu estava no Chile, ele foi me visitar, passamos três dias juntos, tempo suficiente para fazermos outra viagem juntos. Foi muito bom, ele esteve comigo em quatro países diferentes

 

ET - Oito estados no Brasil, todos os países da América do Sul... Fechou o ciclo ou há outros projetos?

Breno - O ciclo está fechado e quero por um bom tempo ficar em casa, mas o projeto continua no sentido de eu, agora sim, reportar tudo que eu vivi, organizar as ideias, fotos e vídeos, que somam bem mais de 100 Gb. São imagens incríveis, captadas por celular e por um drone que levei, para conhecer os lugares por onde eu iria passar. Algumas imagens são assustadoras, e realmente foram. São imagens realmente incríveis! Agora, então, é hora de explorar isso tudo. Vou escrever um livro, que ainda não tem título, mas conteúdo é o que não falta.  

 

ET - Um ano fora de casa, família, amigos, vida profissional... Como conviveu com essa ausência a 4 mil m de altitude, frio e fome?...

Breno - Foi uma saudade intensa... A gente no meio de uma estrada desértica, que não passa um carro sequer, nem um cachorro pra ter fazer companhia, aí a saudade aperta. Eu estava já com seis, sete meses percorridos e me perguntava: o que estou fazendo aqui sozinho? Minha família em casa, banho quente, comida boa e eu aqui pedalando até nove horas por dia, tentando conseguir um banho, frio ou quente, um lugar pra dormir, uma comida... 

 

ET - Pensou em desistir?

Breno - Sim, em alguns momentos, sim... Nessa hora bate uma dúvida muito grande entre continuar ou desistir. É muita saudade e estou muito feliz por voltar, ao contrário de muita gente que se desapega completamente da família, de casa e vive viajando... Eu, por um tempo, no começo, me desapeguei, mas depois me apeguei mais ainda, fiquei com muita vontade de voltar para casa, para a minha família.

 

ET - Longe de casa e da família também?

Breno - De casa, sim, mas da família, não. Minha mãe e meus dois irmãos foram me visitar no Chile. E o interessante é que minha mãe falou pra eles: “Olha, abram os olhos, que vocês vão chegar e encontrar um irmão diferente. São seis meses viajando, seis meses fora de casa, passando aperto ele vai estar completamente diferente”. Mas para a surpresa deles eu era a mesma pessoa.  

 

ET - Você, com 27 anos, não é um pouco cedo para cabelos já grisalhando. Tem a ver com esses dez anos pedalando e, especialmente, essa última maratona pela América Latina?

Breno - (Risos) Nutricionistas, médicos falam que são radicais livres, esforço exagerado, mas olhando pela genética, acho que não é nada disso, não, eu estaria assim do mesmo jeito (apontando os familiares já de cabelos brancos, mesmo os mais jovens).  

 

ET - Que tipo de bicicleta você utiliza para essas competições de longa distância e para a viagem?

Breno - Eu necessito de uma bicicleta que sirva para competição e para viajar, duas coisas completamente distintas. Então, saí com uma Mountain Bike com quadro (chassi) de carbono, um material mais leve, porém mais frágil. Por conta disso, tive que posicionar minha bagagem de forma diferente. Coloquei duas apoiadas na roda da frente e duas na de trás, porque elas não podem ter contato com o quadro, pois pode dar problema. Esse tipo de quadro é o melhor para as competições. Minha bagagem pesava 40 kg, mais 10 kg da bicicleta e mais 60 quilos meus. Nas competições, claro, eu tirava as bagagens. A bicicleta deu conta do recado. Não estourou nenhuma raia, não trincou o quadro e tudo deu certo.  

 

ET - Vamos terminar a entrevista te pedindo um pequeno conselho que seja, uma recomendação para alguém que tenha intenção de viver essa sua experiência.

Breno - Eu acredito que depende muito do que a pessoa tem e do que pretende fazer. Eu já contra recomendei a experiência, isto é, fiz uma pessoa mudar de ideia. Ela veio conversar comigo, pedir dicas, e eu questionei se era realmente o que ela queria. Já outras pessoas que chegam receosas, tímidas, mostrando interesse, mas ao mesmo tempo receio... Não vou dar conta de ficar tanto tempo em cima de bicicleta... Eu respondi: 'Vai, dá conta sim, vai fundo. Compre essa bicicleta e pode sair. Na primeira semana se você sentir que não vai dar conta, na terceira vai ver que já está pronto para enfrentar os outros 11 meses'. O que move muito é a determinação, as pessoas, às vezes, ficam preocupadas com o esforço físico, mas é muito mais psicológico. Neste um ano fiz muito mais esforço psicológico do que físico. 

 

ET - Valeu, Breno! Parabenizando-o pela grande conquista, agradecemos a entrevista, aguardando o lançamento do livro.