Musicoterapeuta Júlio Pucci deixou o Brasil no início do mês de maio, quando embarcou para Dowagiac, no Michigan, nos Estados Unidos para se preparar para trabalhos sociais que seriam realizados a partir de outubro em Moçambique, na África. A previsão era ausentar-se do país por um ano, mas esta semana, depois de dois meses e 14 dias, Júlio retornou às origens. Em entrevista ao ET Júlio falou de sua curta experiência. Veja.
ET- Por que voltou?
Júlio - Eu fui para esse lugar por amor, foi um súbito chamado, mas que não estava ligado, precisamente, à África, mas por viver novas experiências. Fui cego, sem pesquisar, com informações superficiais do projeto, e não sabia o que iria viver lá. Fui de coração aberto, fiquei de coração e retornei de coração. Mas nos primeiros momentos tive muitas frustrações com o que eu vivia em minha particularidade, frustrações ligadas aos meus apegos, aos meus vícios, ligados a uma dependência, eu tinha que transmutar a frustração e isso foi o tempo todo, desde a chegada até o retorno. E chegou um momento em que vi que já era o bastante, já havia chegado ao topo para deixar o saco totalmente vazio dos meus apegos. Aí decidi retornar. É como se eu tivesse morrido em plena vida e renascido.
ET – Cara, você está filosofando, o que aconteceu na prática? (risos)
Júlio - Na prática, no treinamento, vivíamos em comunidade, dividindo tudo – quarto, dinheiro, comida, casa... Raramente, a gente ficava só, apenas quando dormíamos ou estávamos no rodízio de limpar o banheiro da casa. Vivíamos lá com a arrecadação de fundos com nosso trabalho, não recebíamos nada, a não ser a comida. É onde a gente vivia para sobreviver, uma coisa mais natural. Mas, na verdade, a gente vivia numa comunidade onde a divisão não existia, mas não por mal, mas pela educação, pela competitividade, o rótulo. É difícil dividir, é mais fácil competir. Só que chegou um ponto que senti que o sistema era baseado muito no mecanicismo...
ET – Está filosofando de novo... Fale desse mecanicismo.
Júlio – Era uma rotina, acordar sete da manhã, tomar café, limpar a casa, trabalhar com plantio, almoçar, estudar ideologias, limpeza, etc. Sempre estávamos em atividade, não há espaço para o ócio e comecei a sentir que meu antigo ‘eu’ estava sendo esvaziado e se alimentava desse ser político ativista, e minha veia de artista estava sendo dilapidada. Senti-me no sistema nazista, sem tempo para informações, imagens, fala.
ET – Não havia atividades de lazer?
Júlio – Sim, claro, até introduzi o palhaço, mas o sistema aniquila o sentimento, cria uma imparcialidade, entende?
ET – Não. E os fins de semana?
Júlio - Os domingos são dias de folga para quem está bem nas atividades. Mas com tantas atividades, só aproveita mesmo quem consegue sair bem na divisão da rotina. E o meu domingo era para tirar atrasos naquilo que eu tinha dificuldades, no caso, por exemplo, o inglês. Todo estudo é em inglês e tudo que aprendíamos tínhamos que apresentar o feedback num seminário, afinal a gente vai para ser professor, vai para ensinar alguém. Mas o seminário é em inglês, numa explanação obvia e clara. E foi aí que pegou (risos).
ET – O bicho pegou... (risos)
Júlio – Então, o abstrato, que é o meu natural, eu consegui colocar, mas tive dificuldades para fazê-los entender e aí vivi o preconceito de que isso não chega a lugar nenhum. Ou seja, não deixam você ser você e aí a gente começa a se alienar. O domingo que é livre não dava para ser livre, porque a cobrança é grande é como se tivéssemos sob olhos o tempo todo.
ET – Vocês eram quantos no treinamento?
Júlio - Havia cerca de 30 pessoas, dividas em times para seguir para a África. No meu grupo éramos oito, todos latino americanos. Já no grupo que vai para a África em agosto havia mais jovens. Cinco pessoas ficam na promoção, eles divulgam e vendem o programa, além dos diretores.
ET – Mesmo falando desse desencontro, ao deixar o grupo, rompendo aquele início afinidade, você agiu naturalmente?
Júlio – Sim, foi um desligamento natural, porém doloroso, porque criei muitos amigos. Mas quando vim para cá veio o desapego, porque eu sentia falta de ar, era como se eu estivesse vivendo numa prisão. Eu, literalmente, me senti preso, porque toda a minha sensibilidade não era mais usada para criação...”.
ET – Pisando novamente este nosso chão, voltando às águas do Borá, como se sente?
Júlio - Ao chegar me senti apagado, é..., me senti apagado. Não sei se é o inverno... mas olhei para um lado, vi árvores, olhei pra outro vi flores, vi pessoas... Olhei, vi uma torre e vi que o progresso não é isso, o progresso é outra coisa. Achei Sacramento feia, triste e fui sincero ao dizer isso. Mas agora que o saco está vazio vou enchê-lo com muito cuidado. Até então a sociedade dizia o que pôr no saco, mas agora sou eu quem vou decidir o que colocar.