Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Promovido, delegado Cezar Felipe deixa Sacramento

Edição n° 1321 - 03 Agosto 2012

Há quatro anos e quatro meses o delegado Cezar Felipe Colombari da Silva chegou a Sacramento para ocupar o cargo, que estava vago havia três anos. A cidade clamava por um delegado, autoridades envidavam todos os esforços até que saiu sua nomeação para Sacramento. E ele mostrou a que veio. Seu trabalho chamou atenção dos superiores. Promovido a Delegado Especial há pouco tempo, chega agora outra promoção. Aos 28 anos foi nomeado Delegado Regional de Iturama, no pontal do Triângulo. O Jornal ET visitou o delegado para cumprimentá-lo pela promoção e aproveitou para conversar um pouco sobre esse quadriênio. Veja a entrevista. 

 

ET - Promoção não dá prá recusar, não é doutor?

Cezar Colombari - Ainda mais quando se é tão jovem, não dá pra recusar. Mas lamento muito ter que sair de Sacramento. Há coisas na vida da gente, que não dá pra recusar, infelizmente. Primeiro, que uma recusa poderia ser encarada como indisciplina e a gente vir a ser penalizado; segundo, é aquela história do 'cavalo passando arreado e não montá-lo'. Perder uma chance dessa, talvez nunca mais. Mas, desde já, ressalto, a aceitação da indicação se deu, principalmente, pela proximidade da Cidade com minha terra natal.

 

ET - Sacramento marcou sua vida tanto assim?...

Cezar Colombari – Sim, marcou! Aqui há muitas, muitas pessoas que considero a minha família. É difícil desvincular das pessoas de que a gente aprende a conhecer e a gostar. Hoje, sinto-me como me senti há seis anos atrás, quando sai do Paraná pra vir para Minas, ingressar na Polícia Civil. Deixar família, amigos, o lugar... A despedida é uma coisa dolorida. 

 

ET – As portas estarão sempre abertas, somos uma cidade hospitaleira...

Del. Cezar – E como sei disso. Tanto que vou dizer uma coisa, com sinceridade. Estou indo embora, mas um dia ainda vou voltar a morar em Sacramento, de uma forma ou de outra. Eu nunca pensei em fazer carreira, sempre quis chegar ao nível geral da profissão por questão salarial, mas nunca quis ser chefe de departamento. E pelo que recebi em Sacramento durante esse tempo, a manifestação de estímulo, apoio e a tristeza que estou sentindo de ir embora, faz com que eu pense em progredir em Iturama e, em breve, assumir, por exemplo, o departamento de Uberaba. E aí posso fazer como meu chefe hoje, Dr. Heli, que mora em Uberaba e é delegado em Araxá. Chegando a Uberaba poderei optar por morar em Sacramento. 

 

ET - Quatro anos de bons resultados, doutor?

Del. Cezar - Não dá pra fazer comparação. Não há motivos para matar bicho que já está morto, porque quando a gente chega numa cidade que, em tese, está abandonada, por estar há três anos sem um delegado titular, a cidade e a população sem o serviço da Polícia Civil, como aconteceu com Sacramento, com o falecimento do Dr. José Carlos, não dá pra comparar. Chegar numa cidade assim dá uma certa tranquilidade. Se fizer o básico, já está fazendo mais do que a cidade tinha. Quero deixar claro para Sacramento, que fiz o básico. 

 

ET – Modéstia, doutor, você fez muito mais que o básico...

Del. Cezar - Pode chegar aqui alguém melhor ou pior do que eu. Não substituí nin-guém e tudo o que fizesse daria a impressão de que estava fazendo muito, porque eu fiz onde ninguém fazia. Casos de repercussão não eram apurados, a população não tinha atendimento diário, porque não havia delegado. Não sou melhor que ninguém, fiz o meu serviço e tudo o que faço levo muito a sério. Se eu escolhi uma cidade para viver, para criar os meus filhos - infelizmente não vou poder fazer isso em Sacramento - quero que seja no melhor ambiente possível, por isso faço o melhor possível no meu serviço.

 

ET – Sacramento hoje e quatro anos atrás... Podemos afirmar que é uma cidade tranquila?

Del. Cezar – Se dissesse que sim, estaria mentindo. Não posso dizer que Sacramento seja uma cidade tranquila. Está crescendo demais o consumo de drogas. Não está adiantando prender traficantes. A cidade precisa, urgente, de uma política voltada para a educação nesse sentido. O consumo de drogas cresceu tanto que qualquer delegado que vier pra cá, qualquer estrutura policial não vai acabar com o tráfico, porque o número de usuários aumentou de forma alarmante. Sacramento precisa de uma política específica para isso, envolvendo autoridades, escolas, igrejas, saúde, família. Se não unir forças vai ficar difícil, porque a facilidade para drogas hoje é muito grande. Não posso dizer que Sacramento é uma cidade tranquila, porque infelizmente as drogas não nos deixam tranquilos. Afora as drogas, estou saindo de Sacramento num  período de tranquilidade, não há crimes violentos, há mais de um ano não há roubos, como ocorriam no passado, na zona rural...


ET – A Suapi – Subsecretaria de Administração Prisional - e a APAC – Associação de Proteção e Assistência ao Condenado - podem ajudar nesse sentido?

Del. Cezar– E muito, principalmente a APAC. Aliás, Sacramento ganhou muito com a vida da SUAPI e vai ganhar muito mais com a APAC. Será muito bom para a cidade e torço para que Sacramento fique melhor ainda, porque um dia quero voltar.

 

ET - O trabalho em equipe foi decisivo para esse êxito?

Del. Cezar  – Sem dúvida! Todo o trabalho realizado aqui foi com uma equipe de funcionários competente. Rogério, Rita, Agnado, Paulo, a estagiária Zezé. Não posso deixar de falar de um dos primeiros agentes penitenciários a chegar, o Arnaldo, que são pessoas que estão sempre ao meu lado dando suporte. A polícia Militar, apesar das divergências institucionais, sempre a tive como irmã, nunca me deixou na mão, sempre pronta para o que preciso fosse. 

 

ET – Também com o Ministério Público e o Judiciário? E aquela história de que o delegado prende e o judiciário solta? (Risos).

Del. Cezar - O Ministério Público foi fantástico. As pessoas podem achar que não é verdade o que vou dizer, mas Sacramento vai sentir falta do Dr. José do Egito se ele sair daqui. Esta extraordinária pessoa acaba levando o título de injusto e a única coisa que faz, com maestria, é cumprir o seu dever. Volto a dizer, a cidade é muito ordeira e grande parte se deve a esse profissional. O poder Judiciário, a Defensoria Pública, a OAB, são todos parceiros. Meu trabalho aqui foi trabalho de equipe. Se há paz na cidade, essa sensação de segurança, é graças a esse conjunto. Não foi o Delegado de Polícia que fez, o diferencial é que estive na frente, não me contentei em ficar atrás de mesa, mas foi um trabalho de muita gente.

 

ET – Agora, são mais três anos sem Delegado?

Del. Cezar – Não, claro que não. Já estamos trabalhando para trazer o delegado de Conquista, Dr. Rafael Jorge, para Sacramento. Posso dizer que ele é cria minha, no seguinte sentido: Ele está aprendendo com meus passos, esteve comigo em todas as operações grandes nesses três últimos anos. É jovem, mas um 'senhor delegado', muito competente e honesto. Já estamos trabalhando para que não haja um outro buraco, três anos sem delegado. E estamos trabalhando não só para que não haja buraco, mas para que ele seja preenchido por pessoa de bom nível, para que não corra o risco de vir uma maçã podre que existe em toda instituição. Só falta ele acabar de decidir, porque é de bom tom que a pessoa vá para um lugar de boa vontade. Mas tenho quase certeza de que vai dar certo.

 

ET – Notamos a sua participação junto à igreja... A religiosidade faz diferença num Delegado?

Del. Cezar – Não apenas na vida de um Delegado. Deus é o norte na vida de qualquer pessoa. Temos que saber que acima de nós há alguém que é superior a tudo, alguém que controla e vai guiando nosso caminho e para mim esse alguém é Deus. A pessoa saber que tem algo maior na sua vida e ter consciência disso, a tendência é trilhar rum caminho reto, com competência, honestidade, respeito. Hoje é mais fácil ir ao jogo, ver um programa na TV, uma novela, que ouvir o padre falar uma hora. Digo padre, porque sou católico, mas serve para qualquer crença. Eu aprendi desde criança a ir à igreja, a rezar e aquilo que eu ouvia ia entrando na minha cabeça. Ter religião, ler a Bíblia, um livro excepcional para o crescimento da gente, me fizeram aprender que na vida há os mandamentos a serem seguidos. Sempre elegi dois deles: Amar a Deus sobre todas as coisas e honrar pai e mãe. Tudo o que fiz na vida foi pensando em Deus, em meu pai e minha mãe. Quando liguei pra contar da minha promoção, a alegria deles soou como, 'cumpri meu papel'. E sou agradecido pelo que me fizeram. 

 

ET – Quando você fala que a sociedade como todo, políticas públicas, família e religião no combate às drogas está se referindo a essa presença de Deus na vida das pessoas?

Del. Cezar – Exatamente. Entendo que religião é uma necessidade na vida das pessoas. Hoje, a falta de religião é o primeiro passo para a família se desvirtuar. Aprendi isso com minha família. Hoje, somos atuantes, minha esposa Talita e eu, integrando a pastoral dos noivos  e isso é gratificante. Neste ponto, queria agradecer muito ao Monsenhor Vlamir e toso integrantes da Postoral dos noivos. Quando a pessoa tem uma religião, procura a sua igreja, tudo muda, começa a cicatrização de feridas, de desavenças e passa a levar uma vida mais certa, mais reta, como que dizendo: 'Deus é o maior juiz, o maior delegado, o maior policial, o maior professor, o maior pai, a maior mãe...'


ET – O 'amar o próximo como a si mesmo' ajuda o delegado a não bater, espancar o presidiário em busca da confissão?

Del. Cezar – Claro, sempre usei esse mandamento no meu dia a dia, nas minhas relações com o outro, realizando um trabalho sempre humanitário e com respeito à dignidade humana. Perguntam-me se não tenho medo de minha profissão. Eu respondo que não, porque nunca precisei plantar prova em ninguém para conseguir prisão e nunca pus a mão em alguém para obter qualquer prova que fosse. É tudo na conversa. O presidiário, o detento, o taxado de criminoso, que na verdade é o infrator, ele fez coisa errada, mas há as formas legais de ele pagar. Se é justo ou não, se é certo ou não, não vem ao caso. Isso é questão legal. Sempre fui contrário a isso, porque acho que prisão não ressocializa nem humaniza ninguém da forma que está hoje. 


ET – Como foi seu relacionamento com os presidiários?

Del. Cezar - Quando assumimos a cadeia pública, nossa tendência foi tratar as pessoas de igual para igual, como seres humanos. Sempre lhes mostrei que tinham condições de se tornarem pessoas de bem ao saírem da prisão. E eu sempre pensava que, dos 137 presos que tivemos, no auge, se um consertasse com o nosso tratamento, isso já seria um ganho. Com a cadeia sob nossa responsabilidade, muitas vezes a coisa estava 'pegando fogo', eu descia e, quando eles me viam, baixavam a cabeça e conversávamos. Nunca usei a força para controlar rebelião ou motim. Eu conversava com eles como seres humanos, como pessoas que são, de igual para igual e eles, “sim, senhor”. Ora, se a gente faz isto com um detendo, não vai fazer aqui fora? Aqui atendemos todo tipo de pessoas, desde esposa ou marido traídos até mães desesperadas com os filhos envolvidos em drogas. Ás vezes as coisas nem são resolvidas na delegacia, mas as pessoas, e com o preso é a mesma coisa, ele ou ela quer falar com o delegado, ou seja, ele quer ser ouvido... 

 

ET – Por quê?

Del. Cezar - Muitas vezes, simplesmente, para ser ouvido. Ele está, às vezes, há mais de 30 dias sem ver alguém da família... Ele só quer desabafar, quer ser ouvido, quer ter uma resposta ainda que negativa. Fazer isso é tratá-lo como pessoa, tratá-lo com dignidade.


ET – Vamos terminar assim: O que deixa e o que leva de Sacramento? 

Del. Cezar  – (Só respondeu depois que se recuperou da emoção) Recebi muitos e-mails e mensagens de amigos, dizendo da alegria pela minha promoção e preocupados com a cidade. Ninguém chegou pra mim dizendo que ia tentar reverter, muito pelo contrário, recebi incentivo, apoio. Por isso quero agradecer a população de Sacramento como um todo e faço isso em nome de duas famílias, do Tatu e Lúcia e do Zé Bento e Dona Joana (nossos pais de consideração), meus padrinhos, pessoas a quem devo muito, são a extensão da minha família aqui. O que levo é a alegria de ter feito amigos, de ter sido bem recebido, de ter tido tantos apoios. Cheguei onde estou hoje porque caí aqui, numa cidade abençoada, e que hoje sinto como minha. Levo tudo isso no meu coração e deixo o meu agradecimento de coração. Às Autoridades constituídas desta Cidade, também só tenho a agradecer. Nunca tentaram influenciar em minha profissão e nas minhas decisões. Aqui, agradeço nas pessoas do Dr. Wesley/Baguá e Dr. Bruno Cordeiro. Sacramento é privilegiada por ter excelentes autoridades públicas gerindo a Cidade.

 

ET – A gente costuma dizer que, 'quem bebe a água do Borá, quer sempre voltar' e ainda cantamos, assim, para aquelas pessoas que nos deixam: “Vem, vem, andando contra o vento; vem, vem, fugir do teu tormento; vem, vem ser feliz um só momento; vem, vem, vem morar em Sacramento!'... Obrigado por tudo, parabéns e que Deus continue iluminando seus passos.

Del. Cezar - Eu agradeço... (Emocionado) a vocês também, da imprensa, de uma maneira muito especial. Já trabalhei em lugar que a imprensa é casca grossa com a polícia, ao contrário de vocês, que noticiaram os fatos com imparcialidade, sempre procurando informações sobre a solução dos casos. Essa imprensa imparcial e comprometida com a verdade, mostra para a sociedade: 'Olha, aqui tem polícia trabalhando'. Isso valoriza a instituição, seja ela Polícia Civil ou Militar. Isso é companheirismo e agradeço demais esse trabalho de vocês, porque é um dos grandes fatores para eu estar chegando onde cheguei. Continuem assim com este jornalismo sério, porque isso é muito bom. E, quanto à música, eu já decorei o refrão, e um dia venho morar aqui.