Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Com a palavra, o Professor Pasquale

Edição n° 1271 - 19 Agosto 2011

È sempre gostoso ler um livro de Pasquale Cipro Neto. De maneira objetiva, simples e recheadas de exemplos, as lições do Prof. Pasquale levam ao leitor o prazer de ler e conhecer a Língua Pátria. O professor prima pela norma culta, claro, principalmente nos bancos escolares. Mas não despreza 'o bom negro e o bom branco da nação brasileira quando dizem todos os dias: deixa disso camarada, 'me' dá um cigarro'.

Passando por Sacramento, de férias com a esposa, a também professora, Juliana Loyola, o grande mestre nos recebeu na casa dos simpáticos Inacinho e Derly. 


Professor, alguém quis aprender a nadar sem mestre. Decorou o livro e quando caiu n'água se afogou... Na língua, mais vale a prática do que a gramática?

Depende. Há situações em que a prática resolve muitíssimo bem e outras que temos que recorrer á gramática, para a escrita, sobretudo, e  até para a leitura. E o não saber conciliar a prática e a gramática, não sei se é um problema dos estudantes ou dos professores, lembrando que falo de língua formal, porque a informal não precisa de nada. As pessoas nascem sabendo, falam e pronto.  O papel precípuo da escola no que diz respeito ao ensino da língua não é esse, ensinar o que não precisa ser ensinado. O papel da escola é ensinar a língua formal. E esse, no que diz respeito à língua, talvez seja um dos grandes problemas  da educação hoje, porque nós passamos de um extremo ao outro, isto é, passamos do excesso de gramática, a gramatiquice,  ao abandono completo  do ensino da gramática na escola ou o mau ensino da gramática. Vemos coisas absurdas, horrorosas em textos, tudo isso vem desse péssimo ensino de língua. 

 

Quem ensina pior, a escola pública ou a privada? 

Não faço essa distinção. Eu tenho visto coisas em escolas particulares que Deus nos livre! E a gente questiona: É essa que é a tal excelência? Que na rede pública é pior é fato, mas há ilhas, escolas públicas  muito boas, como há escolas privadas péssimas. Não se deve generalizar e nem estigmatizar se a escola pública é ruim, se a privada é boa.  

 

O problema está na formação dos professores?

Pelo que sei, posso estar enganado, as faculdades estão distantes da sala de aula. As faculdades de Letras não formam professores que vão dar aulas de português ou literatura. As faculdades não formam professores de matemática que vão dar aulas de matemática, e assim por diante. E aí fica essa coisa distante. Na minha opinião, o que falta às faculdades é a noção de realidade, de saber como a vida é. Não gosto de generalizar, não vou dizer que o professores não sabem, porque seria injusto, mas a esses que não sabem ou que fazem mal, faltam conhecimentos, ciência, leitura... E aí é procurar solucionar, adquirir esses conhecimentos, suprir as faltas. 

 

As condições físicas das salas, o salário medíocre... tudo não contribui um pouco?

Sim. Eu estudei na Itália e levei um choque. Eu vinha de sala com 45 alunos e lá peguei sala com 19 alunos e os professores se queixavam  que eram muitos. Era um convívio quase individual com o professor. São situações distintas, mas que têm que ser levadas em conta, sem falar da péssima remuneração do professor. 

 

A internet tirou do aluno o prazer de ler um livro?

A internet é um território vastíssimo onde moram Deus e o Diabo, e fica a pergunta: o estudante do ensino fundamental e até médio tem condições de separar Deus e o Diabo? Há de tudo ali. Entre pegar um livro e ler um resumo na internet há o fato de que talvez o formato do livro assuste. No computador, as páginas não aparecem todas de uma vez. Computador é uma coisa fascinante, ali o aluno pode fazer de tudo, escrever como quer.  Mas vejo que a continuar assim, vai chegar num ponto em que as pessoas vão escrever o seu nome apenas. As pessoas não escrevem mais com a mão. No Japão, já se tem consciência clara dos malefícios desse excesso de modernidade, e as escolas no Japão estão voltando à escrita. Cito o Japão, porque ele é pai dessa tecnologia que está aí. Eles estão preocupados com a falta da escrita à mão. Aqui no Brasil cada vez mais as escolas se informatizam. O charme hoje é dizer que a escola tem um computador por aluno, e o sujeito fica lá fazendo tudo no computador. Isso é fato, a pessoa precisa ter o discernimento. Internet tem Deus e o Diabo e se a pessoa não puder separar o joio do trigo vira tudo uma coisa só.

 

Professor e a polêmica sobre o livro didático, 'Por uma vida melhor', de Heloísa Ramos, com a expressão, “nós pega o peixe”? 

Isso foi uma sucessão de equívocos... Tudo começou com o blog de um jornalista e deu a repercussão que deu. De acordo com o blog, o livro ensina errado. Só que ninguém  foi checar. Dali surgiu uma série de matérias jornalísticas, quase todas baseadas nesse equívoco. Quando as coisas foram postas no devido lugar, viu-se que o livro fazia a distinção entre as variedades de língua com ênfase na variedade popular e variedade culta. Em nenhum momento o livro nega a existência da variedade culta, mas aí o estrago estava feito. Até no Senado foi dito bobagem, chegou-se ao ponto de uma ação. E, muita gente ainda acha que a verdade ainda é a primeira. Feito o estrago, é difícil corrigir. Eu recebi mensagens e mensagens de professores cobrando: “E agora, professor, como vou ensinar as novas regras?”. E aí a gente vê como vamos mal das pernas em relação à língua.

 

A gente sabe que a necessidade de ensinar a língua culta na escola é consenso. Essa norma não faz parte de um programa educacional brasileiro?

Essa foi a grande questão levantada com a polêmica do livro, 'Por uma vida melhor'. O livro introduz ali alguns conceitos de lingüística, que na minha visão foram mal colocados.  Mas o livro levanta essa discussão e aí é que está o grande nó. A escola tem sim que apresentar ao aluno, sobretudo do ensino médio, a língua formal. A escola não vai negar a variedade popular, mas ela tem que centrar o seu esforço no ensino da língua culta. É para isso que o aluno vai à escola. Ele não vai lá para ouvir aquilo que usa em casa, na roda de amigos. Ele só precisa saber que essa língua é como a roupa que tem que ser adequada a situações. Assim é a variedade popular, ela é usada em certas situações, o aluno tem que aprender na escola a língua formal, a outra ele já sabe.  

 

O jeito prático, simples e claro de ensinar é uma exigência midiática ou o Prof. Pasquale sempre foi assim?

Eu tento ser real. Tento transformar o fácil numa coisa real. Eu escrevo para o grande público. Tento traduzir, mostrar, explicar, trabalhar a língua. Já em 1975 eu tentava fazer isso. Meu leque de exemplos sempre foi muito amplo, indo do clássico ao popular, ao televisivo, à propaganda. Já cansei de fazer risos em sala de aula, na televisão. Temos que fazer o fácil ficar mais fácil, porque falta contato com a norma culta. É como o exemplo que o Walmor deu de, 'Como aprender sem mestre'. Ninguém vai aprender a nadar em uma piscina, sem cair na água. Assim é o ensino da língua, a pessoa precisa ler, ter contato com a norma culta, do contrário não terá referências. 

 

Sobre a reforma ortográfica, a acentuação dá pra engolir, mas o hífen... Qual a sua opinião? 

O acordo por enquanto é um desacordo, só o Brasil colocou em prática e o texto em si é falho, é ruim. Na parte relativa à acentuação, ele é claro, embora haja falhas, como,  por exemplo,  a eliminação do acento na forma verbal 'par  a'. Agora, o nó está na parte relativa ao hífen. O fundamento é interessante, mas a redação é ruim, a particularização foi mal feita. A impressão que se tem é de que eles fizeram isso depressa. Isso foi feito em dezembro de 1990, em Lisboa. Acho que eles fizeram muito depressa e não leram. O texto ficou engavetado até 2007, quando o governo resolveu colocar em vigor. E ninguém reviu. A própria Academia Brasileira de Letras se enrolou ao publicar um dicionário autocontraditório, no final de 2007. Um dicionário em cujas páginas iniciais há observações sobre o acordo e, no corpo do dicionário, aqueles exemplos aparecem grafados de outra maneira. Isso em qualquer país sério seria motivo de interdição. 

 

Professor, falando nisso, autocontraditório tem hífen?(risos)Mas, prá terminar, qual sua opinião sobre o Enem como substituto do vestibular?

A ideia em si de um exame só no Brasil para ingresso nas universidades não é ruim. O problema é como fazer isso. Eu não tenho análise de todas as provas do Enem, mas vi descompasso em muitas delas entre as  questões e a realidade. Questões que pouco avaliam. Precisam parar com essa demagogia, no Brasil, de achar que um exame desse tipo não tem que avaliar. O próprio nome indica, 'avaliação'. Vejo uma certa dose de demagogia. Falam em avaliar se o aluno tem ou não conhecimento da diversidade lingüística, e lembro-me de uma questão sobre a variedade lingüística, com gírias da Mooca. Sou mooquense, nasci em Guaratinguetá, mas fui criado na Mooca. Agora, imagine um estudante de Manaus fazendo uma prova baseada num texto que contém gíria da Mooca. Isso é palhaçada. Se é exame nacional, é para avaliar aquilo que a escola ensina em âmbito nacional e no ensino da língua, não é a gíria da Mooca.  A ideia é válida, mas vejo que precisa melhorar muito na elaboração. Se a prova for bem feita, se levar em conta aquilo que se espera de um aluno de ensino médio, que seja. Do contrário, não se fará justiça a quem estudou, se preparou.

 

Quem é o Prof. Pasquale ?

Pasquale Cipro Neto, num dos mais renomados professor de português, colunista do jornal Folha de São Paulo; consultor de língua portuguesa do Departamento de Jornalismo da Rede Globo, em São Paulo, desde 1996;  palestrante em todo o país, idealizador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa,  transmitido pela TV Cultura e da rádio Globo.

Professor Pasquale é autor de várias obras: Gramática de Língua Portuguesa, em co-autoria com Ulisses Infante;  O Brasil na Ponta da Língua, em co-autoria com Gilberto Dimenstein; CD-ROM Nossa Língua Portuguesa (responsável pelo conteúdo didático); Português com o prof. Pasquale, série composta por 7 títulos;  Inculta e Bela, série composta por 4 títulos; O Dia-a-dia da Nossa Língua; Nossa Língua em Letra e Música; Nossa Língua Curiosa; Software "Pasquale Explica". Eagora está nas bancas a série Português Passo a Passo com Pasquale Cipro Neto, composta por 8 volumes.