Irmã Mafalda do Menino Jesus, uma das pioneiras da Congregação de São José de Cluny na cidade nos anos 1960, esteve na cidade na semana passada, visitando as irmãs Juliana, Célia, Izabel e amigos. No alto de seus belíssimos 90 anos, continua um exemplo de mulher e de religiosa, esbanjando vitalidade e alegria como sempre foi e dando lições de vida. Ao ser questionada sobre o segredo da juventude, serena, respondeu: “Não sei até quando Deus me quer aqui, estou pronta para ir embora, agora, neste momento, ou quando Ele quiser. Ele é meu dono. Mas minha vida foi de serviço, de amor a Deus, doação e serviço. Esse é o segredo. É isso que nos faz viver”, disse mostrando sua verdadeira vocação de religiosa, de despojamento e simplicidade. Passando alguns dias em Sacramento, recebeu o ET na pequena clausura da Creche Ciju, onde as irmãs estão morando.
ET - Irmã Mafalda, a senhora nasceu Beatriz e, ao ingressar na Congregação São José de Cluny, deram-lhe o nome de Mafalda. A senhora diz que não gostou do nome. Por quê?
Ir. Mafalda - Na minha terra existe a Santa Mafalda, que era neta de Afonso Henriques, rei de Portugal. Três netas dele foram canonizadas. Mas a Mafalda está intacta, no Mosteiro de Arouca, minha cidade. Ela era uma menina que foi prometida em casamento para um príncipe da Espanha e, no dia do casamento, foram para uma caça e o príncipe foi atingido por um tiro e morreu. Mafalda se casou, mas o casamento não foi consumado. Uma irmã de Mafalda estava num convento em Coimbra e ela foi para lá, mas, como ela tinha todo o patrimônio de Arouca, voltou a viver ali. Não chegou a ser irmã professa, mas viveu como tal. Ela era uma pessoa boníssima, uma rainha muito estimada. Ela construiu a abadia de Arouca. O povo a chamava “rainha santa”. Ela morreu em 1790 mais ou menos, não sei exato. Eu vivi à sombra do convento onde ela está e quando Deus me chamou, recebi o nome dela. No começo, eu não gostava do nome, pois era um nome muito caro, nobre e santo para minha pequenez. Mas depois mudei de idéia.
ET - A Senhora viveu em Arouca até quando?
Ir. Mafalda- Até os 19 anos, quando entrei no convento. Nasci em 13 de maio de 1920. Éramos 13 irmãos. Meu pai faleceu, deixou mamãe com quatro filhos. No segundo casamento, nasceram mais nove filhos. Hoje restamos dois irmãos. Vivíamos em Arouca e, às vezes, íamos ao Porto. Estudei em casa com minha mãe. Naquele tempo, havia muitas guerrilhas. A professora não quis ficar em Arouca e foi embora. Mamãe e um moço que havia estado no seminário passaram a ensinar a 'culturinha', que podiam dar para a criançada. Mamãe era muito instruída, letrada. Minha casa era tudo, escola pra ensinar a ler e escrever e escola de catequese. Todos a frequentavam. E o interessante é que naquela época eu tive os primeiros conhecimentos sobre o Brasil, os primeiros contatos. É que os homens emigravam para o Brasil e lá ficavam as famílias. Mamãe escrevia as cartas para o Brasil e lia as cartas que chegavam. Quando os maridos iam a Portugal, levavam umas prendinhas para nós, uma coisinha qualquer e com isso, o Brasil não nos saia da cabeça. Eu pensava comigo mesma: 'O Brasil é um país de fadas. Quando eu crescer hei de ir ao Brasil'. Depois a vocação apresentou-se e isso ficou para trás... Aos 19 anos fui para o convento em Torres Novas, perto de Lisboa.
ET - Como nasceu sua vocação? Teve a ver com Santa Mafalda, a santa filha do Rei?
Ir. Mafalda – Não. A minha vocação, acho que nasceu na primeira Eucaristia. Naquele dia, fiz um pacto com a Santíssima Trindade. Eu tinha nove anos e, no dia da 1ª Eucaristia, ganhei três bolinhos numa bolsinha. Um bolinho tinha formato de coraçãozinho, outro era compacto e o terceiro redondo. Eu peguei-os e disse: 'Ofereço meu corpo ao Pai; minha alma, ao Espírito santo e o meu coração a Jesus'. O tempo foi passando, fui vivendo a vida como toda mocinha da época, mas sempre pensava no convento. Minha vocação começou aos nove, dez anos, depois decidi ir para o convento.
ET – Logo que a Sra. professou, já veio para o Brasil?
Ir. Mafalda - Não, ainda demorou. Professei os votos em 1942, aos 22 anos. Durante dois anos trabalhei em Torres Novas e, depois, fui trabalhar no Colégio Santa Izabel, em Coimbra. Cuidava de crianças e adultos. Fazia de tudo, fora e dentro do convento. Só não dava aulas, mas administrava a casa. Lá havia crianças de ambos os sexos, que se alimentavam, estudavam e ia para casa, mas havia meninas internas. O trabalho ia até a meia–noite. Fiquei no convento Santa Izabel até vir para cá, em 1960.
ET - Como se deu a vinda de vocês para o Brasil?
Ir. Mafalda - Em 1958, um padre de Marília (SP) conheceu as irmãs da congregação. Ele foi a Paris, adoeceu esteve hospitalizado. Nossa congregação tinha a direção do hospital. Ele ficou impressionado com o tratamento, agradeceu muito e veio embora. Chegando ao Brasil, ele contou das irmãs para o bispo de S. José do Rio Preto, Dom Hugo, e disse que fora muito bem tratado e que poderiam trazer a Congregação pra cá. Logo, o bispo tratou de escrever para a França pedindo a vinda das irmãs. Madre Geral respondeu que não poderia mandar ninguém, porque a congregação estava desbastada, devido à guerra. Tinha muito trabalho, mas ela disse para esperar uns dois anos. Naquela época, havia 22 moças se preparando para a profissão. Vencido o prazo, ele escreveu novamente, pedindo para as irmãs virem aprender a língua. A madre respondeu: “- A língua já está sabida, irão para o Brasil, irmãs portuguesas”.
ET – Entre elas, a senhora... Mas como foi feita essa escolha?
Ir. Mafalda -A madre fez uma reunião. Éramos 27 irmãs reunidas e, quando ela disse que talvez abriria uma casa no Brasil, na hora, eu dei um pulo e um grito de alegria. As outras, algumas se escondiam, outras abaixavam a cabeça, não queriam ser apontadas. Ninguém quis se manifestar. Meu nome foi o primeiro da lista. Em 1960, madre Maria veio de avião para conhecer o lugar. No dia 7 de maio, embarcamos no mesmo navio, Vera Cruz, que no mês anterior trouxe o cardeal de Lisboa para a inauguração de Brasília, no dia 21 de abril. Saímos de Portugal no dia 7 de maio e nove dias depois desembarcamos aqui: eu, irmã Tereza Vaz, irmã Francisca Tereza e irmã Maria dos Santos Anjos. A irmã Benigna veio no mesmo ano, mas noutra leva.
ET - Vocês foram direto para Lucélia, que pertence a diocese do então bispo, Dom Hugo?
Ir. Mafalda - Exatamente. Chegamos direto em Lucélia pra tomar conta da Santa Casa. A cidade tinha pouco mais de 20 anos. Era uma pobreza muito grande. Não havia nada. Fazíamos de tudo, nos sujeitamos ao dia a dia, mas tudo isso foi uma poesia para nós. Não ter nada, estar com aqueles que não tinham nada e fazendo como eles faziam era uma bênção. A Santa Casa de Lucélia era tão pobre e fomos partilhar daquilo tudo. Alguns médicos haviam ido embora.
ET – Como em Sacramento... Ou como em todas as Santas Casas do país, naquela época... A partir daí implementaram as reformas e foram transformando o hospital, com organização, doação e oração, assim como fizeram em Sacramento?
Ir. Mafalda – Pois! Mas a nossa história lá foi complicada. Primeiro, fomos conseguindo as coisas, com a ajuda dos médicos, Dr. Deocleciano e Dr. Zaire Rezende, aquele, que se tornou mais tarde prefeito de Uberlândia. E havia outro de quem não lembro o nome. As ruas da cidade eram de terra, muita poeira. Poeira, e barro no tempo das chuvas, tanto que os médicos iam para o hospital com outra roupa, outro calçado e lá se trocavam pra poder atender os pacientes. A condução que havia na cidade, era apenas um charreteiro, só às vezes aparecia um carro. Um dia, o pai de Dr. Zaire foi visitá-lo e percebendo nossa situação, deixou o seu carro a serviço da Santa Casa para buscar os médicos, pacientes, enfim servir o hospital. Quase dois anos depois, o hospital estava bem organizado. Havíamos comprado até uma Kombi. Mas, à medida que a situação do hospital foi melhorando, algumas pessoas achando que estava dando dinheiro, se interessaram em assumir. E começou a pressão. Foi quando Madre Geral disse que, se eles não precisavam mais de nós, era para voltarmos a Portugal... Mas hoje temos casa lá. Mais tarde, reassumimos a direção do hospital.
ET – Então, vocês retornaram a Portugal antes de virem para Sacramento?
Ir. Mafalda - Não. Vai escutando... A madre mandou a gente voltar para Portugal, entregar a santa Casa para os interessados e sair de Lucélia. Aí fomos para Campinas para a casa das irmãs de Jesus Crucificado, conhecidas da nossa congregação, em Paris, para esperar a chegada da Madre Antônia. Em Campinas, as irmãs arrumaram um quartinho para nós. Elas o chamavam de “Quartinho de Fátima”. Lá nesse convento, morava uma prima de dom Alexandre Gonçalves Amaral...
ET – Bispo de Uberaba...
Ir. Mafalda - Pois! Aqui da diocese de vocês. Dom Alexandre estava vindo de Roma, depois de participar do Concílio Vaticano II, em companhia de sua mãe. Passando por Campinas, hospedaram-se na casa das irmãs. E lá ele nos conheceu. Contamos sobre a nossa vinda e que estávamos indo embora. Ele disse: “- Não, vocês vão para a minha diocese”. Ele disse que precisava de irmãs para uma obra. Madre Antônia e Ir. Benigna vieram de carro para Uberaba com ele e a mãe. Em Uberaba, ele apresentou à Me. Antônia a Escola de Enfermagem. A madre logo disse: “- Não, não tenho irmãs para uma escola dessas, não. Elas vêm para trabalhar, mas não numa escola”. Aí ele disse: “- Vou lhes mostrar outra casa. Vamos a Sacramento”. As irmãs ficaram hospedadas na casa de dona Carmelita. E lá foi feita uma reunião, com a presença do Sr. Vigário, Mons. Saul Amaral. A cidade era pequena. Madre Antonia disse: “- Isso aqui é um canto, não dá pra trabalhar nessa cidade, não tem campo para trabalho”. Irmã Benigna, logo rebateu: “- Irmã, Jesus trabalhou nos cantos também”. Pronto. A madre aceitou vir para Sacramento cuidar da Santa Casa. Ficamos na casa de dona Carmelita.
ET- Era 1º de janeiro de 1963! A data marca a chegada das Irmãs de Saint Joseph de Cluny a Sacramento...
Ir. Mafalda – Sim, é verdade! Chegamos aqui no primeiro dia de 1963: Me. Antônia, Ir. Izabel, Ir. Tereza Vaz e eu. A Ir. Benigna chegou depois de alguns dias. Em 1964, após uma visita da Madre Geral, vieram mais irmãs. Madre Antônia achou que era pouca gente para o trabalho na cidade. Inclusive, a madre me perguntou se conhecia alguma irmã que gostaria de vir para o Brasil e eu logo dei o nome de Irmã Juliana. Sou a responsável pela vinda de irmã Juliana para Sacramento e ela está aqui até hoje, desde 1964... (dando uma boa risada).
ET - E a Santa Casa, como era?
Ir. Mafalda -Uma pobreza, nossa senhora! Era aquela casa 'furada'.
ET – Furada? (risos)
Ir. Mafalda – Sim, a enfermaria tinha fendas de uma pra outra até sair lá fora. Muito pobre, contudo, crescemos e cá estamos até hoje. Eu fiquei aqui até fins de 1974. Conheci aquela molecadinha da época toda. Sempre me ocupei muito com criança. Mas a nossa vida aqui, não se restringiu à Santa Casa apenas. Lembro da construção da capela. O trabalho na comunidade João XXIII. As campanhas que fazíamos. A Santa Casa não tinha nem roupas de cama. Dona Carmelita trabalhou muito em campanhas com outras senhoras, para conseguir roupas de cama... A cidade se envolveu e atendeu aos nossos clamores, em benefício dos mais necessitados.
ET – Nesse tempo de 11 anos de Santa Casa, a Sra. se lembra de algum fato marcante?
Ir. Mafalda – Para mim, todo os tempo em que estive em Sacramento foram marcantes e preciosos. Mas eu me lembro de uma coisa muito triste, que foi o acidente com os funcionários da Jaguara. Eh noite triste aquela! A Santa Casa não tinha como acolher a todos. Era gente nos corredores, muita dor, muito sofrimento. Felizmente, toda a cidade ajudou, cada um trazia uma coisa: baldes, roupas, algodão. O Seminário deu roupas de cama, muitas roupas. Padre Magalhães ficava lá aliviando o sofrimento, pegava nas mãos dos feridos e ficava falando de Deus, dando conforto. Havia outros padres ajudando, mas ele era uma ajuda espiritual. As pessoas estavam acabando e ele abençoando, sempre muito sereno. Foram muitas mortes. Foi muito triste aquilo. Passamos horas e horas em trabalho, todo mundo se doando, fazendo o possível... Felizmente, nunca mais passei por isso...(O acidente a que se refere Ir. Mafalda aconteceu em 1972, na 4ª ponte, descida para Jaguara, onde até hoje existe uma cruz assinalando o local, quando dois caminhões de trabalhadores das empresas, Nativa e Mendes Jr. se chocaram, matando 14 pessoas. Vários médicos de Uberaba acorreram a Sacramento no momento para ajudar as vítimas – grifo nosso)
ET – Tem outra história triste com final feliz... Ir. Benigna nos contou essa história uma vez, a da prisão das Irmãs em Rifaina. A Sra. estava presente?
Ir. Malfada – (Risos). Não estava. Foi uma história muito engraçada. É verdade, fomos todas presas na cidadezinha de Rifaina. Estávamos trabalhando na Obra Social João XXIII, a fazer as casinhas para os pobres. Madre Antonia e outras irmãs foram a Rifaina pedir tijolos. Entraram todos num carro muito velho do cunhado da Nininha da Santa Casa e ele dirigindo, só que ele não tinha carteira, nem nada. Foram todos presos, até o carro (risos). Irmã Antonia ficou muito brava, ela dizia: “- A gente vem pra fazer caridade, tudo pelo apostolado e vamos presas”. Aconteceu que o chefe da polícia de lá não estava na cidade. Mas ele era um bom sujeito. Ao chegar, de tardezinha, encontrou lá todos presos, carro e todo mundo. Aí ele mesmo os trouxe aqui, porque o moço do carro não podia. Mas a Madre Antônia ficou brava demais, ficava só falando naquilo. Foi engraçado e tudo isso tem poesia, é poesia espiritual para nós (risos).
ET – A Sra. se lembra quando o Walmor foi ensinar a Ir. Benigna dirigir, ele que mal sabia pra ele, também sem carteira de habilitação, no Jeep do Pe. Saul? Encheu o Jeep de Irmãs e foram prá Gruta e caíram num mata-burro? (risos).
Ir. Mafalda – Pois!! (risos). Era um domingo, foi reunindo pessoas de um lado e de outro da 'pontezinha' (mata-burro – grifo nosso) e todas nós lá dentro do pequenino carro. Felizmente, não nos viramos, mas ficou todo tombado e o povo se aglomerando... (risos).
ET – A Sra. lembrou há pouco da Obra Social João XXIII... Foi o início de toda a assistência e urbanização do antigo 'Trás do Morro', não é mesmo?
Ir. Mafalda – Pois foi. Éramos os católicos e nossos irmãos espíritas fazendo essa caridade, cada um de um lado do pobre bairro. Tivemos sorte, porque havia a obra da Jaguara, ganhamos muita coisa de lá pras casinhas, através de Dr. Marcos Vale Mendes, amigo do José Alberto, e dos engenheiros da Cemig. Ir. Benigna e eu começamos a lecionar aqui na Escola Normal, perto da Santa Casa, e a ganhar um dinheirinho extra. Foi quando escrevemos para a Me. Antônia, que havia voltado a França, perguntando se podíamos gastar esse dinheiro ajudando algumas famílias, na obra do João XXIII, que naquele tempo era 'Trás do Morro'. Foi bom isso, porque outros professores se animaram e também nos ajudaram. Fizemos uma casinha, depois outra, outra, e fomos dando para as pessoas morarem e dizíamos: “- Vocês podem morar até morrer. Só não podem vender...” Foi tudo no sacrifício, mas foi pra frente. Passei por lá agora e vi o bairro, está bonitinho, mas as casinhas estão muito estragadinhas, está tudo podre, tudo a cair. Que pena!
ET - Além desse trabalho social, que se transformou mais tarde na Obra Social João XXIII, houve o trabalho espiritual das irmãs no bairro...
Ir. Mafalda - Ah sim. Iniciamos a catequese , debaixo de velhas mangueiras, que hoje nem existem mais. A celebração da Missa era em cima de caminhão debaixo das árvores. Havia o Sr. Joaquim Tibúrcio... Coitado, morreu num poço. Ele tinha uma sanfoninha e tocava e tocava, animava o tempo todo. O velho entretinha todo mundo e um dia ele perguntou: “Nós não merecemos uma capela?” Padre Antonio, que estava conosco, respondeu: “- Está bem. Vamos fazer a capela”. A pedra fundamental foi engraçada. Fez uma rodinha do povo, fizeram uma coleta e angariram, eu diria, R$ 0,80. Cada um pegou uma pedrinha e atirou no buraco. Foi assim a pedra fundamental da Igreja. Hoje temos a capelinha de São Miguel. A Jaguara deu material, ganhamos a água, o prefeito José Sebastião pôs a luz e hoje é comunidade. Comunidade João XXIII, em homenagem ao Papa João XXIII, que pediu no concilio Vaticano II uma atitude dos católicos no campo político e social. O bairro está muito grande, tem asfalto, naquele tempo não havia ruas, só uma. Nossa obra cresceu, assim como a dos espíritas. O Santo Padre, no jornal Observatório Romano, nesse final do ano, pediu: “- Que se respeitem todos os credos, porque Jesus falou: “Todo aquele que imitar o Senhor será salvo”.
ET - Saindo de Sacramento em 1974, a Sra. retornou a Lucélia?
Ir. Mafalda - Não. Só vim para Lucélia, quando o tempo me passou uma rasteira com a osteoporose (risos). Fiquei dois anos em Marília. Em 1977, surgiu a oportunidade de mais duas casas, em Rio Preto e em São Paulo. Aí, fui para São Paulo e lá fiquei 20 anos. Depois vim para Lucélia. Já não consigo mandar nas minhas pernas mais. E de vez em quando visito uma ou outra casa. Aqui em Sacramento, eu passei há uns três ou quatro anos, não me lembro bem.
ET - Depois de tanta dedicação, um trabalho tão profícuo em Sacramento, como a senhora recebeu a notícia de que as irmãs não estão mais trabalhando na Santa Casa?
Ir. Mafalda - A congregação saiu da Santa Casa, mas a casa continua para nós. Eu estou hospedada lá. A saída das irmãs da Santa Casa já vinha sendo falada há tempos. Já não tínhamos a direção da Santa Casa há muitos anos, não sei exatamente quando. As irmãs eram apenas empregadas e não é essa nossa missão. Empregado você manda embora, ele pode pedir demissão e foi isso o que aconteceu. Elas vão trabalhar dentro do carisma da Congregação. Mas o que aconteceu aqui, aconteceu em outras cidades, quando não precisam mais de irmãs na direção do hospital a gente entrega. Já era para ter acontecido há mais tempo, porque hoje temos poucas irmãs na congregação. Mas a congregação continua na cidade dirigindo a CIJU.
ET - Mas Sacramento tem essa dívida de gratidão às irmãs de Cluny, pois foi muito gratificante o trabalho de vocês aqui. Qual a realidade da congregação, hoje?
Ir. Mafalda - Hoje já não há vocações como antigamente. Já tivemos 4.500 irmãs, hoje não somos nem três mil. Mas a congregação está presentes em várias frentes de trabalho em vários países. Não temos noviças, apenas cinco juniores (antes de professar os votos). São muito poucas, não dá pra suprir as necessidades. No momento, estamos com diversas casas, mas a seguir assim, teremos que entregar essas obras, como aconteceu com o hospital de Lucélia e com Sacramento. No Brasil, somos apenas 32 irmãs, distribuídas em oito obras, mas muitas de nós somos idosas, outras pouco mais novas. Das 32, aqui no Brasil, 11 somos portuguesas e três moçambicanas.
ET - A senhora tem irmãos, familiares em Portugal. Tem ido lá?
Ir. Mafalda - Minha família é muito grande, tenho sobrinhos que não acabam mais, enchem uma igreja (risos). Estive lá em 1998, fui com irmã Irene e nunca mais voltei. Não dou conta mais, acho que nunca mais irei lá.
ET - O que é voltar a Sacramento e que mensagem a senhora deixa para os amigos, os conhecidos, que por ventura a senhora não encontrou.
Ir. Mafalda - Tendo vivido aqui por 12 anos, trabalhando com crianças na catequese, conheci muita gente na cidade. Foi um tempo muito rico. A mensagem que deixo para todos é de muito amor, amizade, gratidão por nos ter recebido aqui. Graças a Deus sabemos que todos são bons católicos. Encontrei uma amiga que era uma das minhas meninas. Brincávamos na catequese e uma vez ela foi uma bruxinha boa no teatro. Na hora em que a encontrei, ela disse como no teatro: “- Sou a bruxinha boa!”. Meu coração encheu de alegria. Espero que, tendo vivido aqui na alegria, na fé e no serviço possamos nos encontrar todos na eternidade pela misericórdia de nosso Senhor. E, para isso, resumindo o catecismo, digo que devemos cumprir o que Deus nos ensinou e fazer o que ele mandou, portanto, sede santos, como o Pai celeste é santo. Estou muito contente, porque aqui se vive a fé.
ET - Agora, conta baixinho para nós, o segredo dessa vitalidade, lucidez aos 90 anos...
Ir. Mafalda - Não sei até quando Deus me quer aqui. Estou pronta para ir embora, agora neste momento ou quando Ele quiser. Ele é meu dono. Mas minha vida foi de amor a Deus, doação e serviço. Esse é o segredo. É isso que nos faz viver. Na última visita em Portugal, estávamos umas quatro irmãs, uma reclamava de uma coisa, outra de outra e uma dizia: e eu vou morrer! Enfim, todas nós gemendo. Mas aí eu lhes disse: 'Se Deus quiser que eu viva gemendo até os 300 anos, estou pronta' (e deu uma gostosa risada).