Alcyr conta que decidiu se dedicar aos estudos e tentar vaga na faculdade para melhorar a situação da família, já que mora somente com a mãe. Para ele, a sensação de ser aprovado na primeira tentativa é resultado de um ano de dedicação, perseverança e força de vontade: "Cheguei ao ponto de pensar que havia duas saídas - ganhava na mega sena, o que é quase impossível, ou vencia através do estudo. Optei pela educação, porque além de obter sucesso, terei conhecimento, e isso não tem preço!", revelou.
Alcyr revela que se matriculou em um cursinho pré-vestibular em março do ano passado, e dividia a sala com garotos entre 16 e 18 anos. As aulas no período da tarde, das 13h30 às 18h, e as revisões em casa pelas noites e madrugadas ocorriam depois da manhã "árdua" de trabalho, de domingo a domingo. Alcyr trabalhou na limpeza para pagar as mensalidades. “Mesmo com todo esse esforço, eu nunca faltei uma aula sequer, nunca cheguei atrasado, queria participar de tudo, e todos me incentivavam - os colegas, os professores, a coordenação, o segurança, o pessoal que trabalhava na limpeza. Eu até brincava que se dependesse de torcida, eu já estava aprovado. Me senti valorizado, por isso eu sempre me dediquei o máximo", contou.
Jaleco - O quarto de Alcyr virou uma sala de estudos. Livros doados se amontoaram como uma biblioteca particular. O chão cheio de papéis rabiscados nas práticas de redação. Mas uma peça, que chama a atenção, foi determinante para que não perdesse o foco: um jaleco. Alcyr conta que um sobrinho que é médico, lhe dava calças e camisas usadas, já que ele não tinha muitas condições de comprar muitas roupas. "Uma vez ele me deu um jaleco, para eu usar no trabalho. Eu lavei, coloquei num cabide e deixei no meu quarto. Tinha um pensamento que aquele jaleco seria um motivo para eu não desistir. Até hoje, ele está lá do mesmo jeito que eu coloquei pela primeira vez, foi como um talismã. Quando estava cansado, exausto e achando que não ia conseguir, olhava aquele jaleco e dizia para mim mesmo: um dia vou estar usando um jaleco como esse", revela, emocionado.
Nos dias do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Alcyr disse que foi um dos primeiros a chegar no local de prova. "Queria chegar cedo, como sempre procuro fazer, para ver todo o processo, entender como funciona. Aí eu entrei na sala, fui bem recebido pelos fiscais, ouvi atentamente as regras, o que poderia fazer, o que não poderia, segui tudo à risca". Nem o celular o candidato levou, com medo que tocasse no meio da prova, mas foi prevenido. Levou quatro canetas, preocupado se a caneta pudesse falhar. “Eu estava ansioso, mas ao mesmo tempo na expectativa de fazer uma boa prova. Então aproveitei do primeiro ao último minuto, fui o primeiro a entrar e o último a sair".
A foto tirada na quinta (30), dia do listão da Universidade Federal do Pará (UFPA), viralizou nas redes sociais e foi compartilhada milhares de vezes. É de Alcyr Ataíde Carneiro, de 61 anos, que aparece tendo o cabelo cortado pela mãe de 90 anos. Juntos os dois comemoram a sua aprovação no curso de Enfermagem. "Em todos esses anos, com certeza esse foi o momento mais indescritível da minha vida", ele diz.
Morador do bairro do Coqueiro, em Belém, Alcyr vive com a mãe em uma casa de madeira alugada, trabalhando há 23 anos cortando grama em quintais. Ele já foi recenseador, fez serviços gerais e trabalhou como cobrador de ônibus.