O jovem professor sacramentano, radicado em Uberlândia, Guilherme Sinhorelli Berllato Magnabosco 28 concedeu entrevista ao ET para falar sobre Educação e suas experiências como professor. Começou lembrando os bons tempos de Sacramento, da Universidade e até de uma vez em que foi obrigado a comparecer ao Fórum local, na companhia dos pais, atendendo a uma solicitação do Ministério Público. O pai, Marcos Magnabosco, o Macaco, foi denunciado por exigir que Guilherme, ainda pré-adolescente, trabalhasse em seu estabelecimento comercial, o que é proibido pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Levou uma esfregada da autoridade, afirmando que ele estava educando errado o filho. Mas o pai não baixou a guarda. 'Ah, estou educando errado?!! Não pode trabalhar?!! Então, fica com ele, trata e cuida dele'. E saiu do fórum deixando o filho com a mãe na sala com o promotor.
“Mas no final deu certo”, recorda Guilherme com uma boa gargalhada... Veja a entrevista.
ET - Vamos saltar os estudos feitos aqui na sua cidade natal e vamos direto pra Uberlândia
Guilherme - Concluí o ensino médio em Sacramento e ingressei no curso de Engenharia Química, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), depois me formei em outros dois cursos superiores, Filosofia e Matemática. Na UFU fui um aluno não apenas afeto aos estudos acadêmicos, mas me engajei também nos projetos sociais, como o MAE - Movimento de Assistência Estudantil, onde conheci muitos professores das redes públicas e privadas. Graças a essas amizades, iniciei minha vida no magistério como professor do Colégio Polivalente, do Estado. Depois, fui lecionar no Colégio Promove e pouco tempo depois me tornei coordenador, indo logo após a gestor. No começo, a proposta era de uma escola cooperativa, mas muitos cooperados saíram, tornando-se, então, uma empresa por cotas divididas em quatro sócios, com o nome de Colégio Integração Anglo. Minha esposa Eduarda também trabalha comigo no colégio. Ela, com certeza, é meu braço direito. O colégio oferece os cursos, fundamental, médio e cursinho. Temos também faculdade à distância e ensino técnico profissionalizante.
ET - Além de sócio gestor é também professor?
Guilherme - Sim, lecionei também nas escolas da cidade e da região, como Araxá, Patrocínio, Uberaba e Tupaciguara, onde leciono até hoje. Inclusive, em Sacramento, no Rousseau. E trabalhei também na UFU, ainda como estudante, com Geometria Analítica e Cálculo I, mas era um projeto e eu entrei como bolsista de Iniciação Científica.
ET - Se sente realizado como professor e gestor?
Guilherme - Ainda, não. Não é isso que eu quero para mim. Eu quero terminar minha saga no ensino médio para depois me voltar para o mestrado e doutorado, mas não é hora ainda. Acho que não acabei minha missão no ensino médio, porque meu projeto é ligado a ele. Trata-se de um projeto que criei com um professor da Universidade Federal de Tocantins, Rogério Justino, sobre TRI - Teoria da Resposta ao Item, que é o sistema de avalição do Enem, que dá notas diferentes para diferentes acertos, isto é, depende daquilo que cada um deveria saber e isso é julgado por um padrão, chamado 'Régua', que determina a proficiência, mostrando o que a pessoa deveria acertar ou não. Esse sistema está sendo implantado em várias escolas como avaliação comum, até porque como professores, sabemos que a avaliação nos moldes atuais não é um processo muito justo, porque temos, por exemplo, alunos que estudam para a prova e saem bem, mas depois de dois, três dias esquecem tudo.
ET - Seria uma nova teoria sobre Educação?
Guilherme - Costumo dizer que educação é uma formação, como uma dançarina de balé, que começa com três anos e, quando tiver 15 anos, vai ter uma estrutura, corpo formado, diferente de uma pessoa que vai começar a dançar com 15 anos. É o que chamamos de processo de formação. O pesquisador Rogério, que me acompanha, esteve na China recentemente, onde esse processo é muito mais usado do que no Brasil, embora seja de origem brasileira. E ele foi lá, exatamente, para pesquisar e entender como acontece o processo lá, para implantarmos aqui e vermos que medidas poderemos implantar no ensino médio brasileiro para ativar os diferentes tipos de inteligência, porque não existe diferença entre Matemática, Física e Filosofia.
ET - Como assim?
Guilherme - Tales de Mileto, por exemplo, não era só matemático, ele era também filósofo. Então, eu como professor tento levar todas as disciplinas na mesma aula, para o aluno entender que não tem diferença. E temos projetos, tipo cinco professores dando aulas ao mesmo tempo. Temos um projeto cultural em Uberlândia, onde trabalhamos música e movimento musical ao mesmo tempo. Então, nosso maior projeto, 'Como alcançar alunos com inteligências diferentes?', tem por objetivo conseguir o aprendizado de maneira mais saudável.”
ET - Você tem experiência como professor tanto na escola pública como na rede privada. Pode compará-las?
Guilherme- Sim. São dois projetos distintos. Lecionei como professor regular em dois projetos paralelos. Um, no Colégio Movimento, de preparação para o vestibular, e outro na escola pública, com uma linha totalmente diferente. O primeiro, pelo fato de ser muito concorrido, havia avaliação para ingressar, quer dizer, o aluno era selecionado e a escola exigia uma disciplina muito grande. E como havia muita gente à espera de vagas, os alunos se dedicavam ao máximo e a aprovação era muito grande.
ET - Na escola pública...
Guilherme - ... foi diferente a experiência. E não acredito que seja um problema fácil de resolver, porque não depende só do professor ou só do diretor. Depende de recursos financeiros, de estrutura familiar, dentre outros fatores. A principal causa que eu percebi na escola pública ao aplicar o projeto foi, primeiro, em relação às famílias bem menos estruturadas; segundo, o professor tem muito menos recurso, e material didáticos em número muito reduzido. Por exemplo, para o Estado contratar cinco professores numa mesma sala, é oneroso...
ET - Onde se concentra o maior problema da escola pública: na falta de estrutura familiar; na condição econômica, portanto, numa questão social; no professor, no gestor, na estrutura governamental... Ou esses fatores se somam?
Guilherme - Vejo assim: não é só uma questão de avaliação. Na escola particular, uma hipótese, cobra-se R$ 10,00 de cada aluno. Eles logo dizem: 'Nossa, só isso?' Já na rede pública esses 10 reais podem representar muito. Eles não pagam porque não têm condição. Além disso, na escola pública ainda tem aquela cultura: 'pra que o estudo vai servir?'. Na minha experiência dentro da sala de aula, eu encontrava também dificuldade disciplinar, desinteresse. Além disso, eu não tinha o que fazer, porque não havia suporte. E o recurso que a escola tinha para receber, dependia do número de alunos, então a escola tinha medo de perder alunos.
ET - Concluindo, o problema maior está...
Guilherme - ... na questão social. É claro que é um somatório de todas essas causas, mas na minha avaliação, o problema da escola pública é muito mais social do que só julgar o governo ou o professor. E mais, para mim, esse é um problema bem intrínseco na sociedade. Como diria Sartre, a gente tem que ver a coisa em si, não só para si ou para outrem. Então, o 'em si' do problema é muito difícil de resolver. Tem como resolver? Tem, mas a longo prazo. A curto prazo, eu não vejo solução.
ET - Voltando ao Colégio Anglo... Vocês trabalham com franquia?
Guilherme - Estamos pensando em expandir através de franquias, sim. Temos projetos de abrir escolas em outros lugares. Para isso estamos visitando a região Sul, Maringá, Curitiba, dentre outras e as expectativas são muito boas. Eu acredito que Uberlândia hoje, para a nossa região, é um polo de estudos, que havia perdido muita força, mas que agora volta com tudo.
ET - Finalizando, gostaríamos de fazer uma comparação entre as greves dos caminhoneiros e dos professores. Rolou pela net um texto interessante sobre o tema. O texto começa assim: “Somos professores. Não dirigimos um caminhão. Somos aqueles que dirigem a nação para novos caminhos, para novos rumos. Quando paralisamos nossas atividades, ninguém percebe que o país segue desgovernado, correndo o risco de despencar no abismo da ignorância...” Você viu, concorda?
Guilherme - Não, não vi. Mas imagino o que fala, porque a greve dos caminhoneiros afeta diretamente a população. Já a classe dos professores, por não ser unida, o movimento é menor e não afeta diretamente a sociedade. Se o filho não vai à escola, o máximo que ele vai fazer é ficar em casa ou na rua e isso não repercute no país. Não faz ninguém ficar sem gás, sem farinha, combustível. É pena, porque a educação, apesar de ser algo grande, que constrói muito mais coisas, forma pessoas não ganha aquela repercussão. A greve da classe não afeta ninguém, porque o seu resultado não é imediato, a resolução não é imediata e o problema também não é imediato. Por exemplo, Tupaciguara estava em greve. As aulas voltaram há duas semanas e qual foi a consequência direta disso? Nenhuma. Ninguém ficou sem comer, sem combustível. Só que a pergunta que fica é: Será que daqui a dez anos, quando esses profissionais forem para o mercado, vamos ter profissionais bem formados? Vamos ter cultura de estudo? Vamos ter produtividade? A greve do professor, ao contrário da do caminhoneiro gera, infelizmente, até economia para o governo, porque muitos diretores cortam o ponto.
ET - Só falta uma coisa. Voltando ao início de nossa entrevista, como terminou aquela história com o promotor?.. Você disse que deu certo. De que maneira?
Guilherme - Sim, ali naquela hora ficou aquele clima de um olhando para o outro... E fomos dispensados. Bem mais tarde, eu já formado, veio o desfecho final. Eu acho até que foi a vingança do velhinho. Um belo dia, meu pai encontra, no seu comércio, a mesma autoridade que lhe passou o pito por eu estar trabalhando, e lembrou com ele o caso. 'Olha lá, doutor, do outro lado da rua. Aquela 'caminhonetona', do ano, que o Sr. está vendo, é do meu filho, aquele que me ajudava aqui no supermercado e vocês me ferraram. Formado, hoje, ele é dono de um colégio. E eu continuo aqui com minha 'caminhonetinha' velha...' (risos).