Vontade de Constituição
Por Ricardo Alexandre de Moura Costa (*)
Ano novo, nova legislatura com antigos, pesados e indignos representantes que de “tanto” trabalharem em prol de seus representados se sentiram confortáveis em defender um aumento “minúsculo” de 91% sobre seus rendimentos.
Mas o que mais preocupa no Congresso é a falta do que muitos constitucionalistas denominam - Vontade de Constituição – que gera o argumento simplista, mas perigoso, de que uma Constituição do tamanho da nossa deixa o país ingovernável, necessitando ser reformada.
E o mais temerário é que as propostas de reforma, na maioria das vezes, objetivam mutilações nos direitos sociais. Matéria esta que gerou e gera na doutrina uma das mais polêmicas discussões a respeito da Constituição Federal Brasileira.
Explico: é que muitos autores defendem que os direitos sociais – entendidos como o necessário para o mínimo existencial (garantia de um mínimo para viver dignamente) – são uma extensão dos direitos individuais fundamentais, portanto fazem parte do rol das cláusulas pétreas, ou cláusulas de pedra, que são aquelas matérias que não podem ser mudadas pelo Poder Constituído Reformador (Câmara e Senado Federal), mas somente por nova Assembléia Nacional Constituinte (poder originário) convocada com o único objetivo de se votar uma nova Constituição.
Já outros autores entendem que as cláusulas pétreas devem ser interpretadas restritivamente, não gozando os direitos sociais do status de direitos fundamentais individuais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1946/99, veio a reconhecer que os direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal são cláusulas pétreas.
Ocorre que o STF além de ser um órgão jurídico é também político, e as decisões advindas da Suprema Corte apesar de vincular todos os demais órgãos jurisdicionais subordinados a ela, principalmente em decisões decorrentes do controle concentrado-abstrato como é o caso da ADI (ação direta de inconstitucionalidade) que gera efeito “erga omnes” (contra todos), apesar disso NÃO VINCULA O PROPRIO STF que pode vir a adotar uma interpretação diferente com o passar do tempo, decidindo, por exemplo, que direitos sociais não são direitos individuais fundamentais, portanto suscetíveis ao poder reformador.
A efetivação dos direitos sociais deve ser vista como prioridade, principalmente numa República que adota o regime democrático, nada pode ser mais importante que a educação, a saúde, o trabalho, os direitos conquistados pelos empregados, a segurança, que juntos consubstancializam a melhoria da condição social pautada na dignidade da pessoa humana, núcleo radiador da soberania popular democraticamente positivada na Constituição da República de 1988.
As oligarquias e os pseudo-estadistas se sentiram assustados com a inclusão de novos direitos e garantias no nosso texto constitucional, cuja efetivação prima por uma melhor distribuição de oportunidades e uma igualdade verdadeira. Isso tudo contribuiu e contribui para que parlamentares pequenos e descompromissados com o espírito constitucional culpem a Constituição pela ingovernabilidade do país.
Diante de tudo isso não podemos olvidar das palavras sensíveis e poéticas da professora Gesela Bester ao expor que, “se a nossa Constituição é exagerada, é porque somos assim, exatamente exagerados, expansivos, largos nos sorrisos e nas maneiras.
Somos abundantes nas cores, nos decotes, nas mesas postas, na voluptuosidade da exibição dos corpos. Somos fartos na exposição de nossas vaidades, mas também na admiração do que vem de fora.
Falamos alto, furamos fila, mas também somos exuberantemente solidários, acolhedores, hospitaleiros, emotivos”.
Assim, chegamos à conclusão de que a nossa Constituição nada mais é do que um espelho refletindo a face do povo desse nosso Brasil imenso, devendo ser impreterivelmente respeitada.
Decididamente a nossa Constituição não objetivou um Estado Neoliberal, cujas conseqüências são devastadoras para os trabalhadores e hipossuficientes com flexibilizações de contratos, terceirizações de atividades, jornadas de trabalho maiores com salários menores, onde os trabalhadores são obrigados a se submeterem a essas regras para não perderem o emprego.
Nossa Constituição adotou sim um Estado de bem estar social, intervencionista, implementador de um sistema que vise a inclusão e o amparo às populações pauperizadas.
Que os políticos, os juristas, os cientistas político, despertem em si o Espírito Constitucional, a Vontade de Constituição, e que nunca se esqueçam que acima de todo e qualquer Poder Estatal, paira a vontade soberana do povo.
(*) Ricardo Alexandre de Moura Costa é advogado