A Criminalidade e os Direitos Sociais
Ricardo Alexandre de Moura Costa
A criminalidade que assola nosso país nos leva a refletir sobre qual sociedade queremos para os nossos filhos.
Antes de qualquer coisa devemos nos perguntar: A quem serve a justiça penal brasileira? Há décadas os brasileiros são vítimas de violência, seja dos colonizadores sobre os índios, dos senhores feudais sobre os escravos, dos latifundiários sobre os bóias frias, enfim, dos poderosos sobre os oprimidos.
No cerne desta questão encontra-se um sistema sócio-econômico maléfico que se qualifica pela brutal desconformidade na distribuição de rendas que produz cada vez mais riqueza e poder para uma minoria e miséria e submissão para uma gigantesca massa de brasileiros. E para que se mantenha esse estado de coisas, procura-se dificultar, ou até mesmo eliminar, as possibilidades de acesso do povo de participação na vida política, cultural e econômica do país.
Muita das vezes o criminoso arca com uma responsabilidade que não é só sua, e tudo é feito para que o marginalizado seja eliminado do sistema do qual ele também é vítima. Padre Vieira, no sermão "O bom ladrão", proferido na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, já no ano de 1655 apregoava: "não são só ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem esse título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades, reinos; os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam".
A maioria das modificações das leis penais não decorre de um estudo social que, se feito, abrangeria todas as esferas da realidade e das necessidades da vida humana, principalmente o respeito aos direitos fundamentais do homem que freqüentemente são infringidos. Essas modificações decorrem apenas da imposição de um modelo político que se move para saciar as classes média e alta preservando os seus privilégios e contendo a grande massa de trabalhadores.
Esse modelo político defasado de controle da criminalidade, defasado porque se baseia apenas na repressão, vai ao encontro dos anseios das classes abastadas que se sentem ameaçadas pelas pautas de participação popular, visto que, a falta de um controle repressivo, exigiria uma melhor distribuição de renda que provavelmente iria afetar os privilégios das classes média e alta, porque implicaria, nas palavras de Hélio Bicudo, "na implantação de um programa social redistributivo que ameaçaria o modo de vida das classes dominantes em benefício daqueles que sempre foram espoliados e marginalizados no Brasil".
E o que mais assusta é ouvir de algumas pessoas, frente ao caos promovido pela criminalidade somado à letargia governamental, que o melhor seria a volta de um regime militar. O estadista inglês Winston Churchill dizia com propriedade: "a democracia é o pior de todos os regimes, exceto todos os demais", ou seja, de tudo o que se conhece, e com todos os seus defeitos, a democracia é o que de melhor existe para a convivência da humanidade, somente nela a vontade do povo pode se fazer presente de forma representativa, pluralista e participativa.
A nossa constituição foi construída sob a égide do regime democrático, visando uma estruturação de Estado do tipo Social, o que se observa pela predominância dos princípios do bem estar e justiça social, solidarismo, dignidade da pessoa humana, função social da propriedade, entre outros. Ocorre que os governantes, sustentados pelo neoliberalismo econômico, estão fazendo dela uma Constituição Liberal ao darem uma supervalorização aos princípios do livre mercado, também previstos em seu texto. E sempre que mutilam a Carta Magna de 88, acabam sendo sangrados os princípios sociais.
Para respondermos à pergunta colocada no umbral desse texto, basta olharmos para as penitenciárias, negros, excluídos, analfabetos, miseráveis, este é o retrato da justiça social praticada no Brasil há décadas.
E para servirmo-nos de Hegel, citado pela catedrática Gisela Bester, "quando tudo o que for observado na realidade não condisser com a teoria, pior para a realidade".
Ricardo Alexandre de Moura Costa é advogado