Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Depois de 38 anos de Brasil, Ir. Gracinda retorna a Portugal


Com uma digna despedida na Igreja Matriz e grande presença de pais das crianças e amigos da Casa Infanto Juvenil S. Vicente de Paulo, Ir. Gracinda da Piedade Alberto despediu-se da comunidade para retorna a Portugal. Vai ficar uns tempos na aldeia natal, Barroca, depois vai servir a congregação em trabalhos de evangelização e obras assistencias que as irmãs dispõem na pátria lusitana. Veja nesta edição o final da entrevista de Ir. Gracinda.

ET - Como a senhora conseguiu fazer as melhorias na casa?
Ir. Gracinda - Havia a Amencar, instituição alemã, que ajudava, aí foi feito um convênio. Hoje ela não assiste mais obras no Brasil. O parque foi presente da Amencar. O Salão Manos Unidas foi construído com verba da Espanha, R$ 152 mil. No governo de Azeredo, conseguimos uma verba R$ 14 mil na época, pra fazer as salas de aula. O resto a gente foi conseguindo. A nossa relação com a Assistência Social da prefeitura sempre foi muito boa. Quando o prefeito Biro entrou, houve a descentralização do governo federal, tudo passou a ser feito através de convênios com as prefeituras. Podemos dizer que 50% vem através da prefeitura e 50% vem da comunidade e promoções. E tudo o que vem é muito bem utilizado e a gente fica muito grato, porque se não houver essas ajudas não dá pra funcionar. A cessão de pessoal para trabalhar nas entidades aumentou com o prefeito Biro. Quando eu cheguei aqui, havia duas funcionárias da prefeitura, os outros todos eram pagos pela casa. O Biro, nos deu outros funcionários e a secretária que está aqui até hoje, a Cristina, uma excelente funcionária, que se interessa muito pela casa. Agradeço por isso todos os dias. Hoje temos 20 funcionários, onze da casa e nove cedidos pelo governo atual, do prefeito Joaquim.

ET - A senhora sempre diz que creche não é depósito de crianças, que não se educa ninguém sem uma boa estrutura. Fale um pouquinho dessa filosofia.
Ir. Gracinda - O ser humano é um todo e temos que ver esse todo da crianças e da família. Ultimamente, não tenho feito muito pelas famílias, porque não dou conta mais, mas isso sempre me preocupou. Não adianta assistir e orientar a criança se não atender a família. De que adianta a criança ter alimento aqui e a família não tê-lo em casa, e não é só alimento material, não. Educar a criança aqui, se a família não estiver estruturada de nada adiantará. Por isso, estruturar a família é muito importante. A educação da criança envolve um todo e eu sempre me preocupei, sobretudo com duas coisas: comida e educação para o bem-estar da criança. Se a criança está bem alimentada, com uma boa educação, ela está completa. Aqui na creche se educa em todos os espaços. Essa reforma toda porque passou a creche foi por questões pedagógicas, desenvolvendo o projeto, 'Aprender Brincando', de autoria de uma de nossas irmãs. Esses desenhos e todas as estruturas que há aqui não são enfeites, são trabalhos pedagógicos. Desde o maternal, as crianças são educadas. Para isso, três funcionárias foram à Casa de Paranavaí, fazer o curso da pedagogia 'Aprender Brincando'. Aqui, todos os funcionários são educadores, aqui não existe a faxineira, a cozinheira, a professora, todos são os educadores da creche, apenas executam funções diferentes. Fazemos um acompanhamento nas atividades escolares, mas o foco é na nossa pedagogia de aprender brincando.

ET E a parte religiosa, uma vez que a creche recebe crianças de todos os credos?
Ir. Gracinda - Todos os dias temos educação religiosa. Todos os dias educadores e crianças nos reunimos na varanda e rezamos. Eu sempre faço uma reflexão sobre a gratidão pelas coisas que recebemos, falamos dos problemas mundiais: a fome, a miséria, a violência, a necessidade de paz, drogas, e rezamos para acabar com esses problemas. Dou educação religiosa bíblica, mas todas as crianças participam e nunca houve nenhum problema, porque elas não são obrigadas a ser católicas. Aqui, elas recebem formação integral. Ela recebe aqui a linguagem do mundo que a rodeia, e a religião faz parte do mundo. As crianças têm que ter resposta do porquê que as coisas acontecem, porque elas não podem fazer isto ou aquilo. Hoje, deixo a creche com 190 crianças.

ET - A participação da família aqui é tão complicada como na escola pública?
Ir. Gracinda - Sim, é um problema grande essa questão de participação da família, muitas não se importam com nada, acham que temos obrigação por tudo, não têm preocupação, não. Muitas vêm a reuniões, porque se faltarem, a criança é suspensa da creche durante três dias. Isso faz parte das normas da casa. A mãe recebe as instruções no ato da matricula, só são dispensadas da reunião se houver um motivo justificável. Uma vez, fiz um questionário e distribuí entre as mães para responderem sem se identificarem. As respostas foram colocadas na caixa de correspondência. Muitas responderam que, tudo o que sabem sobre educação aprenderam aqui. Eu fiquei muito grata, por isso. Mas eu gostaria de ter feito um trabalho melhor, porque a criança é algo de grande, mas procurei fazer o melhor que pude.

ET - Esse trabalho terá continuidade sem a sua presença?
Ir. Gracinda - Com certeza, e essa é a filosofia da congregação, hoje. Irmã Joana Simão da Costa, que me substituirá, sem dúvida, dará continuidade ao trabalho. Ela vem de Paranavaí pra cá. Eu vim de Paranavaí, agora, vem irmã Joana.

ET - E a irmã Gracinda, como está se preparando pra sair do Brasil?
Ir. Gracinda - Eu sabia que esse dia chegaria, há tempos que eu sei, mas já dei umas choradinhas, escondidas. (risos). Não quero que ninguém me veja chorar. Não há como reverter, a minha mudança é definitiva, retorno para além-mar. No início vou ficar três meses com minha família, na Bajouca. Embarco para a Europa no dia 7 de julho. Depois vou para Lisboa, mas não sei o que vou fazer. A superiora provincial já está me esperando... A família, então, não vê a hora da minha chegada...

ET - Avaliando toda essa trajetória no Brasil, o que você diz? Pode repetir o seu grande poeta, Fernando Pessoa, 'Tudo vale a pena se a alma não é pequena'?
Ir. Gracinda - A minha avaliação é positiva, eu sempre me doei naquilo que fiz e colhi resultados maravilhosos. Tudo foi muito positivo, desde a minha chegada a Marília, as lideranças jovens que consegui formar lá, o trabalho na diocese, a casa de Paranavaí, a casa em Sacramento. Sim, tudo valeu a pena. É claro, que ao longo desses 38 anos muita coisa mudou, os problemas aumentaram, o nosso trabalho aumentou, mas evoluímos junto com as mudanças do país e necessidades das pessoas.

ET - Ultimamente, você se dedicou a um trabalho de evangelização e vivência cristã no Residencial Cajuru. Um trabalho que os moradores elogiam muito. E prá você, foi cativante?
Ir. Gracinda - Ah! esse trabalho foi muito, muito cativante. E levarei todos eles no coração. Vou deixar um estímulo muito grande pra eles e não quero que se esmoreçam. Quero receber carta deles, pra saber como estão se desenvolvendo. Temos líderes lá, coordenadores de cada quadra e tenho a certeza de que eles não vão deixar aquele trabalho morrer. É um povo muito bom aquele lá. Trabalho lá direto, vou à noite, sozinha, todos me receberam às mil maravilhas. Faço um apelo à Paróquia, aos poderes constituídos para que dêem continuidade às políticas públicas para o bem daquela boa gente, com escolas, praças, creches, parques, e uma Igreja...

ET - Tivesse você, hoje, 19 anos, como seria?
Ir. Gracinda - Faria tudo de novo, com certeza.

ET - A maior que levará do Brasil?
Ir. Gracinda - Saudade de tudo e de todos, não dá pra não sentir saudades. Eu vi crianças nascerem, adoecerem, crescerem, não dá pra ter uma saudade só. Mas sinto que outros povos precisam de mim.

ET - Pretende retornar ao Brasil?
Ir. Gracinda - Não sei... isso só Deus pode dizer...

ET - Você acredita que vai pro céu, por tudo isso? (risos)
Ir. Gracinda - (Com uma gostosa gargalhada) Com certeza, pelo menos é o que espero, para o inferno é certo que não quero ir. (risos).

ET - Irmã, que Deus a acompanhe além mar e não se esqueça de nós.
Ir. Gracinda - Deus está sempre conosco e vocês todos estarão para sempre em meu coração. Fiquem com Deus.

Ir. Gracinda agradece...

Era março de 1997 quando chegeui aqui, nesta terra de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Tudo era desconhecido e por isso difícil para desenvolver o meu trabalho. O tempo foi passando, fui conhecendo, fazendo amizades e o trabalho foi-se tornando fácil e gostoso. Como Sacramento tem gente boa!...
Porém, não quero partir sem dizer um grande obrigada a cada Sacramentano, por tudo o que ajudaram a CIJU São Vicente de Paulo. Não vou citar nomes, pois não caberiam neste jornal e poderia deixar alguém de fora, mas quero dizer a cada um, que a todos levo no coração e jameis vou esquecer de o que recebi, bem como as homenagens do Sr. Prefeito, da Câmara, do Cajuru, da Paróquia e da CIJU.

Gostaria de pedir para darem o mesmo apoio à Ir. Joana que fica no meu lugar. As crianças são as mesmas 190 ou mais. Jesus disse que tudo o que fizerdes ao mais pequenino de meus irmãos é a mim que o fazeis. Então, podem estar certos que, quando dão as coisas para estes pequeninos de Jesus, a reompensa é certa. Se não for aqui, será no Céu, Jesus não falha.
A CIJU tem pessoas espetaculares que são exemplos de extraordinária dedicação. Trabalham para ela como se fosse coisa sua. Tanto católicos como não católicos. Temos pessoas espetaculares que se dedicam de alma e coração. Só Deus mesmo as pode recompensar. Às vezes, acaba o feijão, o arroz, etc. E agora... O que vamos fazer para dar comida a o coração das pessoas e... o milagre acontece. Tantas experiências mais de 200 pessoas? A Divina Providência sopra no coração das pessoas e... o milagre acontece. Tantas experiências tive neste sentido. Por isso quero agradecer.
Agradeço também ao poder público que nos deu sempre um grande apoio. Se não fosse este e a comunidade, a CIJU e outras entidades não existiriam. Nós não temos renda própria e as despesas são muito grandes.
A todos o povo de Sacramento deixo o meu abraço e toda a minha gratidão. Levo a todos dentro do coração, povo, crianças, equipe de trabalho, diretoria e benfeitores. Que Deus abençoe a todos.

Ir. Gracinda da Piedade Alberto