ET – Mulher do interior, roceira que chegou à cidade grande e se viu diante das manifestações de junho de 2013. Se sentiu em casa levando seu protesto às ruas?
Cida – Não, porque eu não compartilhei com aquelas manifestações, foram muito inoportunas e carregadas de direcionamento. Não participei, não...
ET – Você está mais para a palavra do que para as ações?
Cida - Estou mais para a palavra e a palavra bem colocada. Como dizem, a palavra fora da boca, você não coloca de volta. Temos que ser mais cuidadosos com a palavra. Eu acho que, ultimamente, mesmo na campanha política, essa liberdade que temos visto na internet, muita gente perdeu a noção do respeito. Fico triste com isso, do jeito que se tratam uns aos outros, sobrando até para os candidatos, o jeito que tratam a presidenta. Mesmo que não concorde com eles, tem um jeito mais elegante de conversar. Sou do tempo da ditadura, do 'cala a boca' e a gente calava... Tenho horror a essa expressão. Então, a gente passou de uma inexpressividade para uma expressão sem consciência, sem limite. Não sou muito adepta por conta de ser uma manifestação sem consciência...
ET – Você entra também em questões que são hoje temas de muitas discussões, por exemplo a questão do preconceito contra raça, religião, homossexualidade, cultura... Como aborda esses temas?
Cida – Com muita naturalidade e humor. E simplicidade, também, de acordo com o meio de onde vim, em que esses temas ainda eram tambus. Pra falar sobre o homossexualismo, por exemplo, eu coloquei uma filha de Concessa, lésbica, mas sem usar essa palavra, que ela nem conhece. Para dizer essa palavra, referindo-me à filha lésbica, eu digo: 'Ela é 'meio pedra e meio água'. “Mesmo porque ela não conhece a palavra” E quando a plateia se manifesta com um 'Ihhh' ou com risos. Eu entro em cena e respondo ao público: 'Olha, isso é preconceito, heim!' Em outra cena, mostro a ingenuidade da mãe, quando a filha, que sempre estudava com a coleguinha em seu quarto, teve uma dúvida e perguntou: 'Mãe, o que é Sujeito e o que é Objeto?' Ora, minha filha, isso é muito simples – respondi – Se ocê num é Sujeito, ocê vira Objeto. E ela é Sujeito. Assim como coloco a questão também da religiosidade, do religioso, sem entrar em dogmas...
ET - Por que a Concessa escolheu Minas para contar o seu cotidiano?
Cida - Porque sou mineira, de Pará de Minas. Minha mãe é de Igaratinga, cidadezinha ainda mais para o interior. E ela fez um pouco desse percurso da Concessa, saiu da roça com os filhos... Eu, por exemplo, já nasci em Pará. Ela achou que tinha dado um pulo, quando tinha 12 anos, fomos para BH. Escolhi muito a história de minha mãe como fonte, como base... Pra não ficar uma história só minha, pra deixá-la mais coletiva, eu comecei a colher depoimentos de outras mulheres sertanejas, fiz network, depois mudei para Goiás, onde minha pesquisa foi muito rica, que é também ligado ao campo, à terra. Eu achava que iria ficar restrita a Minas a Goiás... Descobri depois, em São Paulo, Rio, que a história de Concessa era universal. Tem caipira em todo lugar do mundo. Onde vou com ela as pessoas se identificam com ela. A história é de qualquer lugar.
ET – Como mãe, você impõe limites a sua filha? Içami Tiba, por exemplo, diz que 'a melhor maneira de educar um filho para não vencer na vida é não impor a ele nenhum limite. Você concorda?
Cida - Sim, claro. Concordo totalmente! Criança pede limite. Não pede? Menino quando dá uma birra, ele está pedindo limite. 'Me dá limite, me mostra até onde posso ir', diz ele dando birra. Tenho uma filha adotada, hoje já fazendo Direito, aos 21 anos, e sempre impus meus limites. Já ganhando a maioridade é um espiritozinho bem difícil. Ela me cobra sabe o quê? A normalidade. Pelo meu trabalho daqui pra ali, não parando em casa, ela me diz que não sou normal. Na peça botei a Concessa com quatro filhos, todos diferentes uns dos outros, como os dedos das mãos. E ela ama a todos, vai descrevendo um a um como um projeto de massa mole que vai se amoldando.
ET - Como dona de casa, simples e contestadora, você pode dizer em quem vota neste domingo?
Cida - Dilma, com certeza!.. Por ela mesma, porque acho que não foi ter cometido falhas, ter deixado de fazer muita coisa. Não quero nem falar de retrocesso se votar no outro. Não quero nem falar dele. Mas eu acho que ela fez muita coisa. A gente avançou, muita gente ficou visível. Em minha empresa, Casa de Concessa, um restaurante que tenho em Paracatu, tenho oito funcionários e são pessoas simples e a gente convive com elas, e vê que estão alavancando, alavanca a família, principalmente a vida da mulher melhorou muito.
ET - Por conta do Bolsa Família, que tanto criticam...
Cida - Essa gente que fica criticando o Bolsa Família precisa saber que esse programa melhorou a vida, principalmente das mulheres. Tenho uma funcionária que era empregada doméstica, saiu, foi trabalhar comigo, fez faculdade de Matemática. Agora está fazendo pós. Ela disse que só sai daqui quando passar no concurso e for dar aula... Que dia, gente, que uma pessoa dessa visualizava o futuro dessa maneira? Ela só pensava: 'Isso aqui não é para nós'. E jamais tentava. E a burguesia está um pouco irritada com tudo isso. Essa coisa mudou muito. Vê no dia a dia... Até na família da gente, os parentes mais ricos. O pessoal tinha duas três empregadas, empregada que dorme, uma babá para cada menino... Hoje, não pode mais, porque o salário foi recomposto. Hoje, você tem que assinar carteira, pagar o salário, hora extra... Mas que droga, que agora não posso ter uma 'escravinha' em casa...
ET – Pra terminar, qual o segredo de um bom cafezinho? Ele está na receita ou na prosa?
Cida – A prosa tempera o café, um café sem prosa é um café sem tempero.