O livro, “A construção do mito de Mário Palmério”, de autoria do uberabense doutor em História, André Azevedo da Fonseca teve o seu lançamento em Sacramento no dia 30 de janeiro, uma iniciativa do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE-MG), subsede Sacramento, e da Impacto Design. Noite participativa para uma verdadeira aula de Sociologia, Antropologia e História, que foi a palestra proferida pelo professor André.
O livro é resultado de uma extensa pesquisa de doutorado em História de André Azevedo, na Unesp. ”Quando conclui o curso de Jornalismo, fui fazer especialização em História na PUC/BH e comecei a procurar um tema para a monografia. Nesse período, Marcelo Palmério, reitor da Uniube e filho de Mário Palmério, me apresentou umas caixas que continham parte do espólio de Mário Palmério. E eu fiquei fascinado com aquilo tudo, cartas, jornais, diários, fotografias, enfim, uma série de documentos que ele guardava e que acabou ficando relegado”.
Azevedo conta que decidiu estudar o material e percebeu a importância que Mário Palmério teve não só para Uberaba, mas para a região, na década de 1950. “Descobri que ele foi considerado um mito na região. Ele chegou a ser descrito com um vocabulário sagrado, e ele atuou, conscientemente, para conquistar prestígio. Ele encenou uma imagem e como ator, personagem de si mesmo, descobriu meios e se apresentou socialmente como um semideus”, afirma, informando que todo esse material acabou servindo de base para sua monografia, dissertação de mestrado e a tese de doutorado. “A dimensão teatral de Palmério foi o que de fato me interessou”.
Nas suas pesquisas, André Azevedo esteve também em Sacramento, buscando nos arquivos do historiador Amir Salomão Jacób, subsídios para sua tese. “Encontrei muita coisa no jornal 'Cidade do Sacramento', editado pelo pai de Mário Palmério, Francisco Palmério, que teve grande atuação nesta cidade. E, também, sobre Eduardo Palmério, que é sacramentano, seu irmão mais velho, e que se destacou como importante jornalista na imprensa paulistana, nos anos 40 a 60, como crítico das burguesias paulista e carioca.
Educação foi o trampolim
Mário Palmério, na pesquisa do professor, usou símbolos muito comuns na sociedade, manipulou-os com desenvoltura e inteligência e conseguiu um grande feito para a época, que foi ser eleito deputado federal aos 34 anos – aliás, a primeira vez que ele votou, concorrendo com pesos pesados da política.
Segundo, Fonseca, o primeiro desafio de Mário Palmério, o caçula da família, foi desvincular-se da figura do pai, Francisco Palmério, cidadão influente na época. “Para conseguir isso, ele buscou construir a sua própria história com a criação de escolas em Uberaba nas décadas de 40 e 50, que culminaram com a fundação da Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, em 1947, primeiro passo para a transformação de Uberaba em centro universitário, que resultaria também na futura UNIUBE, hoje administrada pelo filho, Marcelo. E tudo muito elogiado pela imprensa local. O curioso é que os elogios se alternavam entre os atores da época. Cada um se incumbia de elogiar o outro”.
O 'Estado do Triângulo'
Mas a ascensão política de Palmério está sentada na criação do estado do Triângulo. “O Triângulo Mineiro sofria várias crises e as quatro principais eram política, econômica, social e identitária. Mário Palmério compreendeu essas crises e atuou em cima delas para poder responder a essas crises. Tanto é que ele foi um dos principais estandartes da luta emancipacionista do Triângulo, na campanha de 1950. Essa foi a resposta que ele deu para poder se eleger”, destaca.
Ele dizia, 'Nós não somos mineiro, nós não somos paulistas, não somos goianos, somos triangulinos. Nosso coração é triangulino'. E aí ele foi eleito. Mas mais que isso, Palmério, diante da crise econômica, gerada com a quebradeira do zebu, ideou a diversificação da economia triangulina, de modo que a região não ficasse dependente só da pecuária. Ele tinha autoridade moral para falar isso, devido à ascensão profissional dele com a criação de escolas. Essas crises fizeram com que ele emergisse na região como um mito”, afirma, destacando que o livro explora bem este aspecto.
Trajetórias política e literária
Mario Palmério, contudo, teve trajetória curta na política. Eleito deputado federal em 1950, foi reeleito em 1954 e 1958. Em 1962, foi nomeado pelo presidente João Goulart para o cargo de embaixador do Brasil no Paraguai, onde ficou até 1964. Retornando ao Brasil, abandonou a política e passou a dedicar-se à literatura, publicando duas grande obras regionalistas, Vila dos Confins (1956) e Chapadão do Bugre (1965).
Mário Palmério teve assento na Academia Brasileira de Letras (ABL) na cadeira de nº 2, na vaga do também escritor mineiro, João Guimaraes Rosa, que morreu três dias depois de tomar posse na ABL, após ter adiado a posse por quatro anos.
Finalizando, André lembra dos vários tipos de mitos na politica atual, citando a mitologia do herói salvador, a mitologia da era do ouro e a mitologia da conspiração. “A mitologia do heroi salvador, aquela em que a pessoa se apresenta como a solução para todos os problemas; a mitologia da era do ouro é a volta ao passado, claro, um passado idealizado”, explica.
Por fim, fala do mito da conspiração. “Esse tipo de pessoa inventa inimigos da sociedade e leva a tensão ao ponto de uma situação insuportável, de modo que as pessoas se sintam mal, inquietas. É, enfim aquela coisa do bem e do mal, do deus e do diabo pra poder carregar a si mesmo de santidade, e atribuir ao adversário uma conotação demoníaca. Infelizmente, são coisas que estão presentes no dia a dia e que são questões graves, gravíssimas”, afirma.
De acordo com o escritor, Mário Palmério aprendeu o melhor e o pior de seu tempo. “Ele aprendeu a lidar com as volências simbólicas, empregou-as muito bem, e de forma nem um pouco inocente, isto é, ele tinha consciencia disso, mas nao era alguém extraordinário, tanto é que teve uma trajetória pequena”, diz.
Para André Azevedo há outros líderes políticos que foram muito mais importantes que ele. “A decadência política de Mário Palmério foi muito rápida. Eu não estudei isso profundamente ainda, mas pelos jornais da época, ele nao foi a resposta que todos esperavam. As expectativas criadas em torno dele foam superstimadas. Ele prometeu o céu, a terra prometida e não cumpriu. Ele perdeu um pouco do interesse e foi escrever. Só que em 1970, ele tentou a prefeitura de Uberaba e perdeu, ou seja, a mitologia construída não foi alimentada e mais, todos os dias surgem novas lideranças ”, finaliza.