Pe. Valmir Ribeiro (*)
A vida faz-nos parar. De vários modos ela faz-nos parar. Faz-nos parar quando um filho se forma, quando uma filha se casa. Paramos nos muitos momentos felizes que a vida nos proporciona, mas paramos também nos momentos tristes, de sofrimento e de dor. Alguém querido que sofre, uma pessoa amiga que passa por uma situação difícil, alguém que morre ...
Paramos diante da alegria assim como paramos diante da dor. Nestes momentos a vida como que nos pede para tomarmos consciência daquele momento; tomarmos posse daquela hora, da experiência vivida, dos sentimentos, dos pensamentos... tomarmos consciência e posse!
Vivemos numa solicitação externa contínua. Sendo muitas e sedutoras elas se achegam a nós em momentos de fragilidade ou de distração. Frágeis ou distraídos elas ocupam, com os seus produtos, os nossos espaços internos da alma e do coração. Desperta a nossa vaidade, nosso orgulho, nosso egoísmo. Subverte os nossos valores e as nossas convicções mais profundas.
Desfigurando-nos ela nos desumaniza. Perdido o referencial da nossa humanidade, o que somos ou no que nos tornamos?
Deus vem pedir-nos um tempo. Deus vem pedir-nos uma oportunidade para nós mesmos. Uma oportunidade de reencontro nosso com Ele, conosco mesmos, com aquele com quem convivemos, com o mundo criado. Um tempo!!!
A Quaresma é este tempo pedido por Deus. Nele, Deus quer fazer-nos uma proposta, quer despertar em nós o desejo de serenidade, de harmonia e de paz.
Quanto mais dispersos e voltados para fora, mais fracos; quanto mais centrados e compenetrados de nós mesmos, somos mais fortes.
Quaresma é um tempo de redescoberta e de reencontro consigo mesmo. Aqui está o mistério que apaixona: Ao redescobrir-se o homem descobre Deus; ao reencontrar-se o homem encontra Deus.
Quaresma é este tempo especial de tomada de consciência e de posse daquilo que nós somos e da herança dada a nós por Deus. Esta herança consiste na excelência da pessoa humana, sua grandeza e poder fascinante mas, principalmente , a consciência do que somos chamados a ser : Imagem de Deus e sua semelhança. Precisamos tomar consciência desta verdade, internalizando-a no coração e na alma, para que ela possa ganhar expressão em nosso interior, tomando como que de assalto o nosso coração, sendo traduzida em nosso agir. Precisamos tomar posse de nossa herança: Deus nos fez pouco menores que Ele, de honra e de glória Ele nos coroou.
Com esta consciência e tomando posse do nosso destino (e aqui é legítimo falar de destino), estaremos prontos para a Páscoa, pois a vida nova, a ressurreição será verdade para nós.
São três as ações que nos ajudam nesta experiência quaresmal:
- O jejum do coração: a decisão corajosa de abrir espaço para Deus dentro de si, jogando fora tudo aquilo que ocupa um espaço em nós e não nos faz melhores. A inveja faz alguém melhor? E o ressentimento, faz!
- Oração: A retomada do diálogo filial com o Pai de amor e misericórdia. Viver sob os olhos amorosos do Criador, saber sempre que Ele contempla-nos com os seus enormes olhos paternais.
- Caridade: A coragem de descobrir o outro como amigo e irmão. Alguém com quem eu posso partilhar a vida, as alegrias e as tristezas, as conquistas e tanto mais. Descobrir que o caminho para Deus passa pelo coração das pessoas. Tomar consciência e posse deste caminho: o coração humano!
Vivendo, este tempo com alegria, que todos nós passamos, com os corações sintonizados em Deus pela retomada da oração em nossas vidas, vazios de nós mesmos para sermos plenos de Deus, na descoberta do outro como irmão, chegarmos à celebração da Páscoa como uma nossa vitória sobre tudo o que mata em nós a vida humana, eterno e maior presente de Deus.
(*) Pe. Valmir Ribeiro é páraco da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento