As ruas do Alto Chafariz ganharam um colorido diferente e muito som, na manhã do último domingo, 7, com a movimentação dos ternos de Congada e Moçambique, de Sacramento e cidades vizinhas, para a festa em louvor aos santos padroeiros, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
À tarde, a partir das 15 horas, os ternos, em procissão seguiram pelas ruas centrais. Na passagem em frente à matriz de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento, os congadeiros e moçambiqueiros saudaram a mãe Aparecida, na sua berlinda, na porta da Igreja e ali mesmo, ao serem recepcionados e saudados pelo pároco, Pe. Valmir Ribeiro, todos os convidados receberam medalhas de participação pelo encontro que tem como objetivo, demonstrar a fé e valorizar e resgatar a cultura afro.
Da matriz central, a santinha negra, a santinha que surgiu nas águas do Paraíba, a padroeira do Brasil, seguiu em procissão rumo à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde foi celebrada a missa afro, que marcou o encerramento da festa com todos entoando os cânticos do belo coral afro de Uberaba, convidado especialmente para a celebração, na voz candente de Maria Inês Fernandes da Silva: “Mamãe do Rosário / sua casa cheira/ de cravo e de rosa/flor de laranjeira. Ô mamãe, / embala eu, mamãe,/ abraça eu, mamãe / tem dó de mim”.
Oito ternos, sendo dois de Sacramento e os demais de Uberaba, Araxá e Campos Altos participaram da festa. De acordo com o presidente Delcides Tiago, Cid, até meados do final de outubro, havia a confirmação de 15 ternos, mas a festa que seria no dia 31, teve que ser adiada, devido à realização do segundo turno das eleições.
Á frente da terceira festa em sua gestão, o presidente Delcides Tiago, Cid, avaliou o encontro. “São três anos à frente da Congado e do Moçambique, um tempo de quatro grandes perdas, a rainha Vó Tonha, o Rei Sebastião,o netinho do Sebastião e do congadeiro Armandino. Perdas muito grandes para nós, mas como diz o José do Carmo, “o que vai para Deus não está perdido”, porque lá do alto eles estão olhando por nós aqui. Nossa festa é um momento único para nós e as cidades vizinhas, é um momento de mostrar a nossa cultura”, avaliou.
Sobre a sucessão do Rei Tião, que morreu em acidente este ano, Cid disse que a posse do novo rei foi adiada por conta da preparação que deve anteceder a sua coroação. “Este ano, os ternos da cidade estão parcialmente órfãos, pelo falecimento do Rei Tião, que, com certeza, está rezando por nós, mas não vamos coroar o rei este ano, devido à preparação que é necessária para assumir o reinado, mas no ano que vem vamos ter um novo rei”, justificou.
Prestigiando a festa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o prefeito Wesley De Santi de Melo, o vice-prefeito Pedro Teodoro Rodrigues Rezende e um grande público que aplaudiu e entrou na ginga das danças nas apresentações antes da missa.
Após a celebração, o presidente Cid falou da importância da integração. “Temos que dar abertura para nossos eventos crescerem, abrir leques de oportunidades e fazer parcerias com outras associações para que aja a troca de informações, eles aprendem conosco e nós aprendemos com eles”. Terminando, o presidente reafirmou de público os agradecimentos aos ternos e congados visitantes e de Sacramento, enaltecendo o apoio do pároco Valmir Ribeiro, do coral do grupo afro uberabense e do prefeito Wesley, pela doação dos novos uniformes. “Temos muito que agradecer, sem o apoio que recebemos a nossa festa não teria esse brilho todo, essa beleza de participação que tem”, disse passando à coroação dos festeiros para 2011.
Para preservar a cultura...
Para a realização da festa, além dos festeiros, que recebem os ternos visitantes em suas residências, para o café da manhã e almoço, há também aqueles que se encarregam dos ensaios, da organização e distribuição dos grupos e os responsáveis pelos andores e essa última incumbência, está há dez anos a cargo de Dalva Maria dos Reis. É ela quem prepara as flores, enfeita os andores e faz a decoração do salão, tudo num estilo afro para receber os ternos e ainda participa da procissão e do grupo de dança afro.
- “Há dez anos faço os enfeites da festa junto com minhas irmãs e aí reunimos a família inteira, até as crianças, cada um faz alguma coisa. E como cada um tem o seu trabalho diário, udo isso é feito nas horas vagas. Mas quando chega o dia tudo está pronto para arrumar o salão. Enquanto eu puder, farei esses enfeites, e com a ajuda das crianças, porque amanhã elas vão continuar o trabalho, que nos dá muito gosto. As crianças estão aprendendo desde cedo a valorizar a nossa cultura”, afirmou.
Davidson Vinicius Santos Silva, 16, é o capitão do terno de Moçambique, de Campos Altos, herdou o cargo do avô, mas garante que já nasceu reinando. “Digo que tenho 16 anos de reinado, porque quando nasci isso já estava programado. Meu avô Jessy Francisco da Silva, era capitão e falou que eu seria capitão no lugar dele e desde pequeno passei a acompanhá-lo. Vovô faleceu há três anos e assumi o cargo junto com mamãe”, contou.
A mãe, orgulhosa do filho fala da geração de capitães. “Papai sempre foi capitão, mas essa cultura na nossa família vem há 15 anos, meu tataravô era capitão e foi passando de geração a geração Papai faleceu , meu filho e eu assumimos e mais três filhos fazem parte do terno. Davidson é o primeiro capitão, Vitor e Wagner, são segundo e terceiro capitães e Sâmia, de seis anos, é capitã mirim. É herança de família e mamãe Eva é rainha Conga”, diz Elza.
A rainha Conga Eva de Fátima Pereira da Silva, avó de Davdson, ao lado do rei Pedro Paulo da Silva, reafirma que a participação é tradição da família. “Davdson é o primeiro neto, o mais velho e assumiu o lugar do avô, preservando nossa cultura”.
Paulo Cesar de Almeida, 49, vice-prefeito de Campos Altos é rei perpétuo do Congado em Campos Altos. Marcou presença na festa em Sacramento, justificando sua coroação.
“- Essa coroação se dá através de convite dos reis Congos, que são as autoridades máximas. Eles indicam pessoas para serem o rei e a rainha perpétuos, que são coroados na festa, assim, minha esposa (que se chama Perpétua, não veio por motivo de saúde) e eu fomos convidados há dois anos e aceitamos o convite em nome de Nossa Senhora do Rosário. Essa coroação se dá por mérito, pela colaboração nos eventos da comunidade negra, pela atuação na comunidade de modo geral. Faço parte dos movimentos da Igreja, estou sempre engajado e acho que daí é que veio o convite”.
José Ronan, dos Santos, capitão do terno de Congada de Araxá, é também presidente da associação de Congado e Moçambique e membro da diretoria do Centro de Referência da Cultura Negra de Araxá, afirmou que esse tipo de evento é muito importante para a comunidade negra. “Servem como troca de experiências e um aprendizado, é uma cidade enriquecendo a cultura da outra, afinal somos todos filhos da mesma cultura. Sacramento esteve em Araxá enriquecendo a nossa festa e agora é hora de retribuirmos e somarmos nessa festa tão bonita, que é também uma forma de divulgar nossa cultura”, afirma.
Coral afro de Uberaba abrilhanta missa
Para abrilhantar ainda mais a festa, o Coral Afro de Uberaba veio cantar a missa, que se transformou na celebração da palavra, por conta do grande atraso da cerimônia. Marcada para começar às 18h00, a celebração teve início às 19h20. Exaustos, a maioria dos ternos não participou da missa. Sem falar de um pula-pula instalado na praça, onde seria celebrada a missa campal.
Para Maria Inês, coordenadora do Grupo Afro Nossa Senhora D´Abadia, o convite para cantar na missa vem estreitar laços entre as comunidades afro das duas cidades. “Recebemos, com muita alegria, o convite para participar dessa celebração. Vamos celebrar juntos, estivemos aqui para tratar da missa com padre Valmir e será muito bom. Movimentos como esse ajudam a difundir a cultura afro na região toda. Até então, a missa afro só era celebrada na Paróquia da Abadia, hoje temos várias paróquias que acelebram, agora é hora de expandir para a região. E essa participação aqui hoje é uma integração das cidades”, disse.
No início da cerimônia, Maria Inês, explicou sobre a Pastoral e a Missa Afro. “A Pastoral Afro-Brasileira surgiu em 1988, por ocasião dos 100 anos da Lei Áurea, quando a Campanha da Fraternidade teve como tema, 'O negro', e o lema, 'Ouvi o clamor desse povo'. Por razões históricas e culturais, os negros estavam na Igreja, mas não tinham espaço. Ficavam de pé, não podiam ser padres, acreditava-se até que eles não tinham alma. Hoje, o que não se podia pensar há um século já acontece. Temos mais bispos negros do que no passado, padre negros, mas ainda é pouco. A forte presença africana faz com que negros e pessoas de religiões de matizes africanas freqüentem as missas”, disse mais.
Para Maria Inês, “a celebração afro é um momento de louvor, mas também de conscientização do povo negro, no sentido de resgatar os valores da mística presentes na cultura negra. É também a sintonia com a vida e a missão da Igreja. Nessa celebração cumprimos o pedido de Jesus, fazendo a memória d'Ele”.